Acórdão nº 50074473620218210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Criminal, 15-05-2023

Data de Julgamento15 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50074473620218210008
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSétima Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003670166
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5007447-36.2021.8.21.0008/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5007447-36.2021.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Roubo (art. 157)

RELATOR: Desembargador LUIZ MELLO GUIMARAES

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra ROBERTO VIEIRA GONÇALVES, já qualificado, dando-o como incurso nas sanções do art. 157, caput, do Código Penal.

Narrou a denúncia que:

No dia 17 de setembro de 2020, por volta das 17h30min, nas dependências do estabelecimento comercial Lojas Lebbes, localizado na Avenida Boqueirão, 824, no Bairro Igara, nesta cidade de Canoas, o denunciado ROBERTO VIEIRA GONÇALVES, mediante graves ameaças consistentes em render a comerciária Tatiane Oliveira Machado, simulando o porte de uma arma oculta sob suas vestes, de modo intimidativo, prenunciando que a mataria se reagisse, subtraiu, para si, R$ 284,35 em dinheiro existente na gaveta do caixa e pertencente a esse estabelecimento comercial, valores não mais recuperados.

Três dias antes, o denunciado já havia assaltado outro estabelecimento dessa mesma rede de lojas1 , em outro bairro desta cidade de Canoas, ocasião em que foi filmado por câmeras de vigilância internas daquela outra loja.

Já na data descrita no início, o denunciado irrompeu nesse segundo estabelecimento das Lojas Lebbes, rendeu uma comerciária mediante o anúncio ameaçador de que portava uma arma e ordenou que a vítima lhe entregasse o dinheiro existente no caixa. O denunciado ainda obrigou a vítima a abrir outras gavetas, em busca de mais dinheiro, porém as outras gavetas estavam trancadas. Ato contínuo, o denunciado fugiu do local pilotando uma motocicleta e levando consigo o dinheiro subtraído dessa loja.

Imediatamente foi comunicado o ocorrido numa Delegacia de Polícia e foram descritas as feições fisionômicas do assaltante. No curso de uma investigação policial, o denunciado restou reconhecido pela comerciária que havia ficado frente à frente com ele, inicialmente através de um reconhecimento por fotografia e, poucos dias depois, através de um ato de reconhecimento pessoal.

As câmeras de vigilância dessa segunda loja não estavam funcionando na data desse roubo.

A denúncia foi recebida e, após regular instrução, sobreveio sentença absolvendo o réu.

Inconformada, o Ministério Público.

Em razões, postulou a reforma da sentença para que o apelado seja condenado como incurso nas sanções do art. 157, caput, do Código Penal. Destacou a coerência no relato da ofendida quanto a certeza da autoria ter sido praticada pelo acusado, devido à violência implementada durante o roubo. Friza a análise do inquérito policial e do auto de reconhecimento como meio probatório suficiente para comprovar a materialidade do delito. Requer a condenação do réu.

Apresentadas contrarrazões, subiram os autos.

A douta Procuradoria de Justiça lançou parecer opinando pelo provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Adianto que estou mantendo a absolvição.

Como se verifica da prova, não há certeza da autoria do réu diante da prova dos autos, tal como concluiu o magistrado de origem ao proferir a sentença:

A materialidade do fato descrito na denúncia encontra-se comprovada pelo boletim de ocorrência policial (fls. 3/4 evento 1, INQ2), pelo auto de reconhecimento fotográfico (fls. 6/7 evento 1, INQ2), pelo reconhecimento pessoal (fl. 8 evento 1, INQ2), bem como pela prova oral colhida no feito.

Passo a analisar a questão da autoria.

A vítima Tatiane Oliveira Machado contou estar no caixa da loja Lebes, atendendo a uma cliente, enquanto um indivíduo ficou atrás na fila, aguardando como se fosse um cliente para realizar o pagamento. Assim que a cliente saiu, o indivíduo anunciou o assalto, porém sem mostrar nenhuma arma ou faca, ordenando a entrega do dinheiro do caixa. O indivíduo ficou com a mão no bolso, ficando receosa de que ele estivesse armado. Abriu o caixa, entregou o dinheiro a ele, tendo ele dito que não era para ela chamar ninguém, pois iria machucá-la. Tudo aconteceu muito rápido, não sendo visualizado por nenhum de seus colegas. Referiu que o indivíduo estava sem máscara. Na Delegacia, depois de alguns dias, reconheceu-o por fotografia. Mostraram-lhe a foto do acusado e de mais outros três ou quatro indivíduos. Posteriormente, realizou o reconhecimento do acusado na delegacia, estando no local ele com outros homens, não sendo eles parecidos com o acusado. Ficou sabendo, posteriormente, que ele cometera roubo em outras lojas Lebes. Salientou nunca ter esquecido do acusado, sendo ele um indivíduo negro, careca, mais gordinho. Além disso, nunca mais conseguiu trabalhar no caixa depois do fato. Reconheceu o acusado em audiência como sendo o autor do delito.

O réu Roberto Vieira Gonçalves, no interrogatório, negou a prática delitiva. Disse ter cometido outro roubo em uma outra loja Lebes, na Av. Venâncio Aires, em Niterói, mas neste endereço não foi quem cometeu o delito. Provavelmente devem estar tentando relacionar os fatos, porém não cometeu este da Av. Boqueirão.

Esta, em suma, a prova oral colhida.

Percebe-se do contexto probatório, que esse não traz a certeza necessária, ínsita à edição de juízo condenatório, quanto à autoria do delito de roubo em relação ao acusado.

A vítima reconheceu o réu por fotografia na Delegacia, porém, apesar de ter comparecido em juízo, não foi realizado o reconhecimento pessoal. Somado a isto, o reconhecimento pessoal tanto na Delegacia quanto em juízo foi realizado em desconformidade com o disposto no art. 226 do Código de Processo Penal. Perante a Autoridade Policial foram colocadas pessoas com características muito diferentes da do réu; em juízo, o réu estava sozinho. Somado a isto, com o acusado não foram apreendidos objetos pertences ao ofendido.

O entendimento do STJ é de que o disposto no art. 226 do CPP não são meras recomendações, “o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. [...]” (AgRg no AREsp n. 1.903.858/DF, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 16/12/2021). No caso, em tela, o reconhecimento pessoal realizado em juízo foi feito em completo desacordo com o dispositivo mencionado, sendo esta a única prova que aponta o acusado como autor do delito.

Não há no feito, portanto, provas suficientes para imputar ao acusado a prática do delito de roubo.

Assim, não restando comprovada a autoria do delito, a questão deve, naturalmente, ser resolvida em favor do acusado, pela aplicação do princípio do in dubio pro reo, pois ao contrário do processo civil, baseado em presunções e ônus, no processo penal almeja-se a verdade real. Não podendo essa ser atingida com o grau de certeza que se exige, a absolvição é a única medida cabível.

Como se verifica da prova, não há certeza da autoria do réu diante da prova dos autos.

O reconhecimento realizado pela vítima na fase inquisitiva, desacompanhado de outras provas que garantem a certeza da autoria, não pode, por si só, no presente caso, conduzir a um juízo condenatório, como bem apontado na sentença.

Logo, o contexto da prova não garante a certeza necessária acerca da autoria do réu no crime de roubo, tal como concluiu o juízo de origem, que, por estar mais próximo das partes durante a instrução, suas impressões devem ser analisadas com maior relevância.

Diante desse contexto, impositiva a manutenção da absolvição do acusado pelo delito de roubo.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo.



Documento assinado eletronicamente por LUIZ MELLO GUIMARAES, Desembargador, em 22/5/2023, às 17:12:49, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc2g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 20003670166v14 e o código CRC ef4b89c2.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LUIZ MELLO GUIMARAES
Data e Hora: 22/5/2023, às 17:12:49



Documento:20003750302
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Apelação Criminal Nº 5007447-36.2021.8.21.0008/RS

RELATOR: Desembargador LUIZ MELLO GUIMARAES

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

VOTO DIVERGENTE

Apresento divergência.

A partir do exame do depoimento da vítima no audiovisual (38.3), verifica-se que as provas são suficientes para impor a condenação, razão pela qual merece acolhida a insurgência ministerial.

Como destaque, a vítima declarou que 'nunca esqueceu dele' (minuto 05 da gravação). A prova da autoria não se limitou a um reconhecimento fotográfico, tal como fundamentado na sentença.

Conforme análise feita pelo Parquet nas razões de apelação, a existência do fato delituoso e a respectiva autoria ficaram devidamente comprovadas. Assim, veja-se:

"[...]

Do exame dos autos, extrai-se, com firmeza, que o requerido praticou o delito de roubo. Isso porque a materialidade delitiva restou consubstanciada pelo inquérito policial presente no Evento 1 (com destaque para a comunicação de ocorrência policial n.º 13260/2020/100510, auto de reconhecimento fotográfico e auto de reconhecimento pessoal), sem prejuízo da prova oral produzida.

A autoria, por seu turno, é certeira diante das provas carreadas ao longo do cursivo instrutório.

A vítima Tatiane Oliveira Machado relatou que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT