Acórdão nº 50075036120208210022 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 28-01-2021

Data de Julgamento28 Janeiro 2021
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50075036120208210022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000462014
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5007503-61.2020.8.21.0022/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATORA: Desembargadora ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO

APELANTE: MARCELO NORENBERG MACHADO (AUTOR)

APELADO: BV FINANCEIRA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

RELATÓRIO

MARCELO NORENBERG MACHADO interpôs recurso de apelação contra sentença proferida nos autos da ação revisional movida em face de BV FINANCEIRA S/A CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, que julgou o pedido do consumidor nos seguintes termos (evento 18):

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos deduzidos por MARCELO NOREMBERG MACHADO, em desfavor de CREFISA S/A, CRÉDITO, FINANCIAMENTOS E INVESTIMENTO, extinguindo o feito com resolução do mérito, na forma do art. 487, I, do CPC, ao efeito de readequar os juros de mora fixados para 1% ao mês.

Diante da sucumbência recíproca (art. 86, do NCPC), condeno o autor ao pagamento de 90% das custas e despesas processuais, e honorários advocatícios em favor do procurador da parte contrária, que fixo em 15% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do NCPC, considerando ausência de dilação probatória e de maiores complexidades, e sucumbência parcial. Por outro lado, condeno o réu pagamento do restante das custas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador da autora que ora fixo 10% sobre o valor dos honorários fixados em favor do seu procurador. Fica, no entanto, suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais com relação ao autor, por estar a litigar sob o amparo do benefício da gratuidade judiciária, na forma do art. 98, § 3º, do NCPC.

Em suas razões recursais alegou a existência de cláusulas abusivas no contrato firmado e requereu a revisão contratual com fundamento nas regras previstas no Código de Defesa do Consumidor. Postulou a redução dos juros remuneratórios de acordo com a taxa média de mercado, a exclusão da capitalização dos juros, a descaracterização da mora, a impossibilidade da cobrança da comissão de permanência, a nulidade das tarifas bancarias e a compensação e a repetição de indébito. Requereu, por fim, a condenação do apelado ao pagamento integral dos ônus sucumbenciais. Pugnou pelo provimento do apelo nos termos requeridos.

Devidamente intimada, a instituição financeira não apresentou contrarrazões ao recurso.

Vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso onde se discute a validade das cláusulas e dos encargos incidentes no contrato de outorga de crédito garantido com cláusula de alienação fiduciária (contrato de cédula de crédito bancário).

O contrato objeto do pedido revisional (evento 10), foi firmado em 30.04.2018, no valor de R$ 57.328,10, onde se verifica que as partes ajustaram a incidência da taxa de juros remuneratórios de 1,43 % ao mês e de 18,54 % ao ano sobre o valor financiado.

QUESTÃO PRELIMINAR

INTERESSE PROCESSUAL

No curso da ação o autor/consumidor apresentou fundamentos e pedido sobre matéria e encargo que não foi pactuado no contrato que é objeto do pedido revisional.

Assim, em relação aos pedido de exclusão da comissão de permanência o autor/consumidor não possui interesse processual.

PEDIDO E ALEGAÇÃO GENÉRICA

No recurso o apelante pugnou pela reforma da sentença que não acolheu seu pedido e sustentou genericamente a abusividade/ilegalidade da cobrança das tarifas bancárias.

Entretanto, o que se observa é que não foi especificado qual seria o encargo/cláusula que está presente no contrato e no que consistiria a afirmada irregularidade, além das razões estarem desacompanhadas do fundamento jurídico para amparar esse pedido de reforma da sentença, o que resulta em vício formal que impede o conhecimento do recurso nesse ponto.

Feitas essas considerações preliminares, passo ao exame das demais matérias:

APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E POSSIBILIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO CONTRATUAL.

É inegável tratarem-se as relações contratuais entabuladas entre as pessoas tomadoras de crédito e as instituições financeiras, de relações de consumo.

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...);.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Conforme lição de Adalberto Pasqualotto, “dentre os serviços de consumo, o parágrafo 2º do artigo 3º inclui expressamente os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A oposição destes setores econômicos ao dispositivo é manifesta. Embora o dinheiro, em si mesmo, não seja objeto de consumo, ao funcionar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito ao consumidor são negócios de consumo por conexão, compreendendo-se nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento da prestação monetária, como cartões de crédito e cheques” (citado por CELSO MARCELO DE OLIVEIRA, in Alienação Fiduciária em Garantia, 2003, Ed. LZN, p. 215).

Essa compreensão foi referendada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula nº 297 (datada de 09/09/2004), cujo enunciado segue transcrito:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Uma vez que não se discute que as instituições financeiras estão sujeitas as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, cabe avaliar a possibilidade do pedido de revisão dos termos da avença, se ilegais ou abusivas as condições contratadas, conforme argumentos apresentados pelo consumidor.

O art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor arrola, como direitos básicos do consumidor, duas possibilidades de ingerência judicial sobre os termos da avença, o de modificar as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações originariamente desproporcionais e o de revisar o contrato em razão de onerosidade excessiva, por fato superveniente.

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...);

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; ”

No caso em testilha, tendo como base as razões do consumidor, se está diante da primeira hipótese, ou seja, de pedido de modificação em razão de alegada abusividade contemporânea à contratação.

Ainda nesse sentido, destacam-se os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...);

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”;

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...);

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; ”

Portanto, considerando o contexto narrado e a legislação aplicável, se constata que na modalidade contratual firmada entre as partes incidem as regras do Código de Defesa do Consumidor e, por conseguinte, é admissível o pedido do consumidor de revisão das cláusulas entendidas como abusivas, de acordo com o art. 6º, inciso V, do CDC.

Todavia, importante destacar que o reconhecimento da aplicação das diretrizes previstas no Código de Defesa do Consumidor ao contrato revisando, por si só, não asseguram a procedência dos pedidos formulados pelo consumidor, tendo em vista que na apreciação do caso concreto se demonstrará eventual cobrança abusiva passível de revisão.

TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS

A discussão atinente à fixação de limites de juros remuneratórios, devidos pelo “custo” do capital financiado e pelo risco inerente à operação, a ser suportado pelo consumidor, encontra no revogado Código Civil de 1916 o seu ponto de partida.

O art. 1.262, “segunda parte”, liberava completamente a sua fixação nos contratos de mútuo, desde que houvesse pactuação por escrito, já que não se admitia, àquela época, juros remuneratórios não pactuados.

O limite previsto nos arts. 1.062 e 1.063 dizia respeito apenas aos juros moratórios, e ainda assim, apenas para a hipótese de não haver convenção em contrário ou, havendo esta, não ter sida fixada a sua taxa.

“Art. 1.062. A taxa dos juros moratórios, quando não convencionada (art. 1.262), será de seis por cento ao ano.

Art. 1.063. Serão também de seis por cento ao ano os juros devidos por força de lei, ou quando as partes os convencionarem sem taxa estipulada.

Art. 1.262. É permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis.

Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal (art. 1.062), com ou sem capitalização.

Art. 1.263. O mutuário, que pagar juros não estipulados, não os poderá reaver, nem imputar no capital”.

A Lei de Usura, porém, pôs cobro à liberdade plena dos contratantes nesta matéria, fixando limites rígidos para os juros, conforme se observa do art. 1º, §3º, do Decreto nº 22.626/33, os quais foram limitados em 6% ao ano no silêncio das partes (os chamados “juros legais”), sendo permitida a fixação em até o dobro deste percentual, se houvesse estipulação por escrito (art. 1º, caput – os chamados “juros convencionais”).

“Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em...

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