Acórdão nº 50075213220228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo50075213220228217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001694009
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5007521-32.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Ameaça (art. 147)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: JUCELITO ANDRE VILLETTI (DPE)

IMPETRADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Vistos.

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL impetrou a presente ordem de habeas corpus em favor de JANDREI LUIZ SIMON, apontando como autoridade coatora o JUÍZO DA 2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SANTA ROSA/RS.

Relatou a impetrante, em apertada síntese, que o paciente teve sua prisão preventiva decretada, em 08.06.2021, pela suposta prática dos delitos de perseguição, ameaça e descumprimento de medidas protetivas de urgência, sendo recolhido a estabelecimento prisional na data de 31.08.2021.

Sustentou que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal pelo excesso de prazo à formação da culpa, destacando que a ação penal encontra-se conclusa para prolação de sentença desde a data de 22 de outubro de 2021.

Salientou que a necessidade de manutenção da prisão preventiva do paciente não foi revisada desde sua decretação, violando o disposto no parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal.

Defendeu estarem ausentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, quais sejam, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis.

Alegou se tratar de paciente primário, inexistindo elementos que demonstrem que, em liberdade, voltará a delinquir.

Teceu considerações acerca da pandemia do novo coronavírus e da Recomendação n.º 62 do CNJ.

Referiu que, em caso de eventual condenação, ao paciente será imposto regime inicial de cumprimento de pena mais brando que o fechado.

Pleiteou, liminarmente, a concessão de liberdade ao paciente, sem ou com a aplicação de medidas cautelares diversas, e, no mérito, a concessão definitiva da ordem.

O pedido liminar restou indeferido (evento 6, DESPADEC1).

O Ministério Público ofertou parecer, através da douta Procuradora de Justiça Dra. Ieda Husek Wolff, pela denegação da ordem (evento 11, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

Trata-se de habeas corpus, impetrado em favor de paciente preso preventivamente pela suposta prática dos delitos de perseguição, ameaça e descumprimento de medidas protetivas de urgência.

Examinando os autos, concluo pela denegação da ordem.

Como se sabe, o Habeas Corpus é garantia constitucional fundamental (art. 5º, LXVIII, CF1), com previsão, também, no Código de Processo Penal no artigo 6472 e seguintes.

Tem por finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou a restrição da liberdade de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder, mediante ação autônoma, denominada, conforme a melhor doutrina, de ação constitucional.

O artigo 6483 do Código de Processo Penal, arrola as hipóteses em que o writ será passível de concessão. Em que pese a discussão doutrinária a respeito de ser esse rol taxativo ou exemplificativo, a verdade é que o mandamento do inciso I (quando não houver justa causa) poderia abarcar todas as demais situações legais.

No caso em tela, do exame dos documentos que instruem o presente writ, não verifico qualquer ato ilegal ou abusivo por parte do juízo de primeiro grau.

Isso porque, a decisão que decretou a custódia cautelar, de lavra do Dr. Ruggiero Rascovetzki Saciloto, Juiz de Direito, encontra-se devidamente motivada, em atenção ao disposto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, conforme se observa de sua transcrição, in verbis:

"Vistos.

Trata-se de comunicação de ocorrência dando conta de suposto descumprimento às medidas protetivas anteriormente aplicadas, com base na Lei 11.340/06 (evento 48).

Na sequência, adveio representação do Ministério Público pela decretação da prisão preventiva do suposto agressor, JANDREI LUIZ SIMON, com fundamento nos artigos 312 e 313, inciso III, do CPP, c/c o artigo 20, caput, da Lei 11.343/2006, para garantia da ordem pública e para assegurar a execução das medidas protetivas de urgência (evento 53).

É o relatório.

Decido.

A prisão cautelar consubstancia-se em medida excepcional e extrema, porquanto priva o ser humano de sua liberdade antes que seja condenado definitivamente. Em alguns casos, sequer processo tramita em seu desfavor. Por tais razões, alicerçadas pelo princípio constitucionalmente consagrado da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88), tal espécie de custódia deve se reservar apenas àqueles casos em que se vislumbre concretamente nos autos a imprescindibilidade da sua decretação.

Para tanto, o art. 312, caput, do CPP, exige o preenchimento de alguns pressupostos e requisitos para que a medida possa ser autorizada, quais sejam, prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (pressupostos), aliados à necessidade de garantia da ordem pública ou da ordem econômica, à conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal (requisitos de cautelaridade).

Paralelamente, com o advento da Lei nº 12.403/11, passou a ser exigido, também, o atendimento de uma das condições previstas no art. 313 do CPP, nova redação, de modo que somente será admitida a decretação da prisão preventiva quando se verificar uma das seguintes hipóteses: (I) crime doloso e punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; (II) quando o agente for reincidente em crime doloso; e (III) crime envolvendo violência doméstica e familiar.

Por fim, a nova lei passou, ainda, a contemplar a prisão preventiva como a ultima ratio, podendo ser determinada tão-somente “(...) quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar” (art. 282, § 6º, do CPP), observando-se, também, a adequação da medida à gravidade do crime, as circunstâncias do fato, as condições pessoais do indiciado ou acusado e a necessidade de evitar a prática de infrações penais (art. 282, I e II, do CPP).

No caso em epígrafe, merece acolhimento o pedido de prisão preventiva do suspeito, tendo em vista a situação de perigo em que se encontra a vítima, a qual vem sendo submetida a reiterados e sucessivos atos de violência doméstica, caracterizados, sobretudo, por importunações, ameaças e perseguições.

A existência do fato gerador do perigo e a autoria vêm demonstradas pelas ocorrências policiais nos 3630/2021 e 3917/2021 (eventos 25 e 48), conjuntamente consideradas, senão vejamos.

Conforme se depreende dos autos, foram deferidas medidas protetivas à vítima JANETE PEREIRA ERTE no dia 13/05/2021, proibindo o agressor: a) de se aproximar da vítima e de seus familiares, devendo manter uma distância mínima de 100 metros, bem como de que não poderá manter contato com a ofendida e seus familiares, por qualquer meio de comunicação; e b) de se aproximar do local de trabalho da vítima, qual seja, Pastelaria Fajon (evento 4), restando o agressor devidamente intimado no dia 15/05/2021 – evento 21.

Contudo, sobreveio registro de ocorrência policial n.º 3917/2021 realizado pela vítima JANETE PEREIRA ERTE na data de ontem, dia 07/06/2021, ocasião em que a ofendida narrou que:

“Comunica que possui Medidas Protetivas de Urgência contra seu ex companheiro, ora acusado, o qual não está cumprindo as mesmas. Que efetuou registro de ocorrência de descumprimento no dia 24 de maio do corrente ano. Após este registro, o acusado mandou várias msgs via whtshapp ameaçando a vítima de morte, pois não aceita o término da relação conjugal, cujas msgs tem armazenadas em seu telefone celular. Hoje pela manhã, no local de trabalho da vítima, o acusado chegou e adentrou na porta sendo que sua patroa, de nome ALINE DA SILVA, impediu que o mesmo adentrasse e agredisse a vítima. O acusado lhe ameaçou de morte dizendo que a vítima tinha outra pessoa e que não aceitaria esta situação. Disse que iria lhe matar. Hoje cedo, por volta das 06 horas da manhã, o acusado, junto de outro homem desconhecido, estava rondando a casa da vítima, o que lhe deixou com muito medo, pois o mesmo é usuário de drogas, não sabendo como pode reagir, até tentar contra sua vida. Que também ameaçou a sua patroa ALINE DA SILVA de morte, dizendo que iria lhe matar também, quando esta acionou a Brigada Militar que compareceu no local, mas que o acusado já tinha fugido do local. Prometeu que às 11 horas da manhã de hoje retornaria ao seu local de trabalho para lhe matar, pois não tinha nada a perder e que depois de matar a vítima iria se matar. Deseja o acompanhamento da Patrulha Maria da Penha para acompanhar esta situação, pois está com muito receio de que o acusado possa tentar contra sua vida. A BM lhe acompanhou até esta DPPA para o devido registro policial (...).(grifei e destaquei).

Ainda, há que se considerar que, anteriormente, o suspeito já havia teoricamente descumprido a medida protetiva, tendo a vítima registrado a ocorrência policial n.º 3630/2021, em 24/05/2021, noticiando que o agressor descumpriu a medidas protetivas, tendo se dirigido até a residência da sua irmã e buscado com familiares dela informações a seu respeito (evento 25), sendo Jandrei novamente intimado, no dia 26/05/2021 (evento 47), sendo, nesta oportunidade, alertado de que as medidas protetivas permaneciam vigentes, ou seja, de que estava proibido de se aproximar da vítima e de seus familiares, devendo manter uma distância mínima de 100 metros, bem como de que não poderá manter contato com a ofendida e seus familiares, por qualquer meio de comunicação, sob pena de decretação da prisão preventiva (evento

Como visto, o agressor demonstra descaso para com o Poder Judiciário, pois simplesmente ignorou a ordem judicial de proibição de contato, estando a importunar, aterrorizar e perseguir a ofendida, inobstante intimado das...

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