Acórdão nº 50075409620218210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 27-01-2022
Data de Julgamento | 27 Janeiro 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50075409620218210008 |
Tipo de documento | Acórdão |
Órgão | Primeira Câmara Criminal |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20001423479
1ª Câmara Criminal
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Criminal Nº 5007540-96.2021.8.21.0008/RS
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5007540-96.2021.8.21.0008/RS
TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)
RELATORA: Juiza de Direito ANDREIA NEBENZAHL DE OLIVEIRA
APELANTE: EDGAR DE SOUZA NETO (RÉU)
ADVOGADO: MARCELA MULLER ROCHA (OAB RS122438)
ADVOGADO: WILLIAN NUNES ALVES (OAB RS097160)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)
TESTEMUNHA: AIRON BORGES MESQUITA (TESTEMUNHA)
TESTEMUNHA: EDUARDO KREIBICH (TESTEMUNHA)
TESTEMUNHA: MARCOS JUNIOR FERREIRA DE AZEVEDO (TESTEMUNHA)
TESTEMUNHA: VLADIMIR DA SILVA BORGES (TESTEMUNHA)
RELATÓRIO
O Ministério Público ofereceu denúncia contra EDGAR DE SOUZA NETO, já qualificado, dando-o como incurso nas sanções do artigo 33, caput e artigo 40, inciso VI, da Lei 11.343/06, com incidência do artigo 61, inciso I, do Código Penal.
Narra a denúncia que:
“Em 26 de fevereiro de 2021, por volta das 13h00min, na Avenida Eng. Irineu Carvalho Braga, nº 104, bairro Rio Brando, em Canoas/RS, o denunciado EDGAR DE SOUZA NETO em comunhão de esforços com o adolescente infrator Marcos Júnior Ferreira de Azevedo, tinha consigo e mantinha em depósito 1,050 kg (um quilo e cinquenta gramas) de cocaína acondicionada em diversas porções e 1,160 kg (um quilo, cento e sessenta gramas) de maconha acondicionada em diversas porções sem autorização, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para entrega a consumo ou fornecimento a terceiros, droga que causa dependência física e psíquica, de uso proscrito no Brasil, conforme Portaria nº 344/98 da ANVISA.
Na oportunidade, policiais civis deslocaram-se até o endereço supracitado, após recebimento de denúncia anônima de tráfico de drogas no local. Ao chegarem, foram recepcionados pelo acusado que, de pronto, franqueou a entrada dos policiais bem como conduziu a equipe ao seu quarto, onde estava armazenada toda a droga apreendida, uma balança de precisão e diversas embalagens plásticas para fracionamento de drogas.
No local se encontrava o adolescente infrator Marcos Júnior Ferreira de Azevedo (D.N. 24/0/2003), que após tomar ciência da chegada dos policiais civis na residência, quebrou o telefone celular a fim de ocultar mensagens ou ligações que pudessem elucidar a prática criminosa.
O denunciado é reincidente."
A denúncia foi recebida em 1º/04//2021 e, após regular instrução, foi prolatada sentença pela qual foi julgada procedente a pretensão acusatória contida na denúncia, condenando o inculpado nas sanções do artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006, combinado com o artigo 40, inciso VI, da Lei 11.343/2006, e artigo 61, inciso I, do Código Penal e, ainda, com incidência da Lei 8.072/1990, às penas de 12 anos e 06 meses de reclusão, a ser cumprida no regime fechado, e 800 dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo vigente na época do fato delituoso (ev. 77).
Inconformada, a defesa apelou (ev. 93). Em razões, preliminarmente, arguiu a nulidade da prova obtida em decorrência de invasão do domicílio do réu, afirmando não haver provas de que o acusado tenha franqueado a entrada dos policiais. Referiu que um dos policiais ouvidos admitiu que a autorização do acusado para ingresso no domicílio deu-se sob coação. Ainda em preliminar, sustentou a quebra da cadeia de custódia da droga apreendida e a consequente ilegalidade da prova, argumentando que não há certeza de que a droga apreendida foi, de fato, a encaminhada para realização de perícia, bem como a inépcia da denúncia, sob o argumento de que descreveu os fatos de forma genérica. No mérito, alegou ausência de materialidade, pela nulidade do o laudo pericial nº 7715/2021, além de afirmar que apenas uma amostra de entorpecentes foi remetida à perícia, sendo que várias foram as porções de drogas apreendidas, de modo que ao menos uma amostra de cada molete ou porção deveria ter sido encaminhada para perícia. Em relação à autoria, asseverou que a prova baseou-se apenas na palavra dos policiais, e que a "admissão informal" do réu aos policiais não se presta como prova válida para fundamentar a condenação, assim como o relato do menor, pois não foram informados de seu direito de não fazerem provas contra si, conforme entendimento do STF no RHC 170.843/SP. Em relação à majorante, subsidiariamente requereu seu afastamento, já que não comprovado o envolvimento do menor na traficância. Ainda, insurgiu-se à pena, afirmando haver bis in idem em relação as vetoriais culpabilidade e personalidade, bem como pugnou pela neutralização em relação às consequências, diante de argumentação genérica. Na segunda fase, insurgiu-se ao montante aplicado à reincidência, postulando seja o aumento operado em 1/6 e, na terceira fase, argumentou que não houve motivação para o aumento operado em 1/4. Defendeu o reconhecimento da causa de diminuição prevista no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 em seu patamar máximo e a substituição da pena corporal pela restritiva de direitos; a fixação de regime aberto para cumprimento da pena e a revogação da prisão preventiva do réu, a fim de que este possa recorrer em liberdade. Pugnou pelo provimento do apelo, nos termos da fundamentação.
Foram apresentadas contrarrazões (ev. 99).
A Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pela rejeição das preliminares e improvimento ao recurso defensivo.
É o relatório.
VOTO
De início, o recurso é tempestivo e preenche os pressupostos processuais, razão pela qual vai conhecido.
1) Das preliminares
Antes de passar à questão de fundo, adianto que a preliminar de invasão de domicílio depende da análise da prova, de modo que com o mérito será apreciada.
Passo, então, às demais prefaciais arguidas pela defesa, as quais, adianto, não merecem acolhimento.
1.1) Da quebra da cadeia de custódia da droga aprendida
Por primeiro, descabida a declaração de nulidade diante da quebra da cadeia de custódia da droga apreendida.
Assim porque, não há sequer indícios de que a prova não tenha seguido todo o caminho, desde sua obtenção através da apreensão, entrega à Autoridade Policial, encaminhamento para perícia, até a análise pelo magistrado. Não há menor demonstração de possível interferência, manipulação ou adulteração dos ilícitos apreendidos durante o trâmite processual que possa levar à imprestabilidade.
Além disso, não há notícias de que tenha sido negado à Defesa acesso aos procedimentos utilizados.
Peço vênia à Procuradora de Justiça, dra. Dirce Soler, para transcrever o caminho da prova por ela sumarizado, a fim de evitar desnecessária tautologia:
"(...) gize-se que tão logo coletada, acondicionada e transportada a substância à Delegacia de Polícia, foi registrado o Boletim de Ocorrência nº 787/2021/100508. Na sequência, foi lavrado auto de apreensão e submetido o material a laudos de constatação da natureza da substância. Em ambos os documentos há identificação de que as substâncias são oriunda da ocorrência nº 787/2021/100508.
Lavrou-se Auto de Prisão em Flagrante sob o nº 115/2021/100508A.
Após, o material foi remetido ao Instituto-Geral de Perícias, conforme Ofícios nos 339/2021 e 340/2021 e Guias de Remessa de Substância Entorpecente e de Trânsito de Substância Entorpecente (evento 55 do inquérito policial), documentos nos quais também há identificação de que as substâncias são oriundas da ocorrência nº 787/2021/100508.
E, no Instituto Geral de Perícias foram realizadas as perícias definitivas, sobrevindo laudos periciais (evento 64 – docs. 03 e 04 dos autos originários), documentos nos quais constam os números do ofício que solicitou as perícias, da ocorrência e do inquérito policial."
Diante de todo esse contexto, verifica-se ser possível a identificação de toda a cadeia da prova relativa às drogas apreendidas, não havendo se falar em sua quebra.
Quanto à questão, colaciono os seguintes julgados desta Corte:
Ementa: APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/06. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ART. 12 DA LEI Nº 10.826/03. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. 1. PRELIMINAR. NULIDADE DO AUTO DE APREENSÃO. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. INOCORRÊNCIA. Caso dos autos em que o acesso aos procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica da produção da prova da materialidade delitiva - desde a apreensão do objeto, entrega à autoridade policial, remessa à perícia e incineração final -, foi franqueado à Defesa já desde a fase investigativa, em estrita observância aos postulados da ampla defesa e do contraditório, inexistindo qualquer indicativo nos autos de manipulação indevida ou adulteração do material apreendido capaz de torná-la imprestável. 2. MÉRITO. ABSOLVIÇÃO PELA FALTA DE LAUDO PERICIAL DE CONSTATAÇÃO DE EFICÁCIA DA ARMA DE FOGO E DAS MUNIÇÕES APREENDIDAS. INOCORRÊNCIA. A defesa alega que se trata de mero perigo abstrato, eis que não há prova de eficácia da arma e das munições apreendidas, contudo, constam nos autos os laudos periciais da arma e das munições à fls. 30 e 30v, respectivamente, dando a arma e as munições como eficazes e com o poder ofensivo de letalidade. 3. PORTE DE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. CONSUNÇÃO APLICADA DE OFÍCIO. 3.1. Hipótese de porte de arma e de munição (crime meio) para garantir a execução do tráfico de entorpecentes (crime fim). Porte de arma e de munição como causa de aumento de pena para o delito de tráfico, deixando de configurar crime autônomo, nos termos do art. 40, inc. IV, da lei n° 11.343/06. 3.2. Outrossim, a arma de fogo e as munições foram encontradas quando do cumprimento do Mandado de Busca e Apreensão nas mesmas circunstâncias de tempo e local em que foram encontradas as drogas apreendidas destinadas ao comércio ilícito,...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO