Acórdão nº 50075573720218210072 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50075573720218210072
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003103356
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5007557-37.2021.8.21.0072/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5007557-37.2021.8.21.0072/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

ADVOGADO: ANTONIO FLAVIO DE OLIVEIRA (DPE)

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público denunciou JOSIVAN CHIANCA DE SOUSA, já qualificado, como incurso nas sanções do art. 14, caput, da Lei nº 10.826/03, em vista da prática do seguinte fato:

No dia 29 de outubro de 2021, por volta das 10h30min, na Rua Princesa Isabel, n° 719, bairro São Jorge, Arroio do Sal/RS, o denunciado JOSIVAN CHIANCA DE SOUSA portava arma de fogo e munições, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Na oportunidade, em patrulhamento de rotina, a polícia militar avistou três indivíduos conversando em via pública, sendo que um deles apresentou comportamento suspeito, pois começou a se afastar da viatura policial.

Por essa razão, foi realizada abordagem, ocasião em que foi localizado, na posse do denunciado, 01 (um) revolver, marca Rossi, cal. 32, municiado com 05 (cinco) munições.

O denunciado foi preso em flagrante.

A arma e as munições foram apreendidas, conforme auto de apreensão, fl.11 do evento 01 – Out2.

Submetida a exame preliminar, restou constatada a potencialidade lesiva da arma de fogo apreendida em poder do denunciado, fl. 14 do evento 01 – Out2.

A denúncia foi recebida no dia 10/12/2021 (evento 3, DESPADEC1).

Após regular instrução do feito, sobreveio sentença, publicada no dia 17/10/2022, que julgou procedente a ação penal, para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 14, caput, da Lei nº 10.826/03, à pena total de 02 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas restritivas de direito consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, e 10 (dez) dias-multa, à razão mínima legal.

A Defesa apelou e, nas razões, requer a absolvição do réu por insuficiência de provas, ou por atipicidade, ausente risco concreto de lesão ao bem juridicamente tutelado, argumentando, ainda, a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato. Subsidiariamente, postula a desclassificação para o art. 12, da Lei nº 10.826/03, com a justificativa de que o acusado se encontrava na porta de casa. Prequestiona os dispostivis contitucionais e legais invocados.

O Ministério Público apresentou contrarrazões.

A Procuradoria de Justiça emitiu parecer, opinando pelo desprovimento do apelo.

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, tendo sido atendido o disposto no art. 609 do Código de Processo Penal, bem como o art. 207, II, do RITJERGS.

É o relatório.

VOTO

I. Admissibilidade

O recurso preencheu os requisitos para a admissibilidade, pelo que vai conhecido.

II. Mérito

O réu foi condenado nas sanções do crime previsto no art. 14, caput, da Lei nº 10.826/03, à pena de 02 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, à razão mínima legal.

A defesa alega insuficiência probatória para a condenação e atipicidade dos crimes de perigo abstrato. Sem razão.

Delitos dessa natureza prescindem da demonstração do risco de dano. As Cortes Superiores, sobretudo o STF, guardião da Constituição Federal, afirmam não haver inconstitucionalidade na definição de crimes de perigo abstrato, tendo sido reconhecida, inclusive, a adequação da Lei nº 10.826/03 ao ordenamento pátrio por meio da ADI 3112/DF1. Nesse sentido, paradigmático precedente daquele Tribunal (HC 104410/RS – Min. Gilmar Mendes – Segunda Turma – Julgamento 06/03/2012). É prescindível, na hipótese, a demonstração de perigo de dano2. Também é o entendimento do STJ3. Por conta disso, inclusive, levando-se em conta o bem jurídico tutelado (incolumidade pública4), inexiste violação ao princípio da lesividade, matéria pacificada junto à 3ª Seção do STJ5, pouco importando, também para o STF6, se a arma estava desmuniciada ou desmontada.

Conforme a jurisprudência das Cortes Superiores também é desnecessária a perícia da arma7 ou a comprovação da sua lesividade no crime em tela8. Não obstante, a eficácia do revólver foi atestada pelo laudo pericial nº 278285/2021 (evento 7, AUTO3).

Não há falar, assim, em atipicidade por ausência de ofensividade na conduta, tampouco inconstitucionalidade.

Não é caso, outrossim, de insuficiência probatória.

A materialidade do delito se encontra consubstanciada pelo boletim de ocorrência policial (evento 1, OUT2, fls. 7/10); pelo auto de apreensão (evento 1, OUT2, fls. 11/12); pelo auto de eficiência de arma de fogo (evento 1, OUT2, fls. 14/15); pelo Laudo Pericial n.º 278285/2021 (evento 7, AUTO3); bem como pela prova oral produzida em Juízo.

Inexistem dúvidas, tampouco, a respeito da autoria delitiva, bem demonstrada também pela prova oral colhida, que veio bem sintetizada na sentença atacada, que ora reproduzo:

"[...] Por sua vez, o acusado, ouvido em Juízo, confirmou parcialmente a prática delitiva, afirmando que a arma de fogo e munições foram apreendidas em seu poder, embora não fossem suas e que o local narrado era diverso do relatado pelos Policiais Militares:

Josivan Chianca de Sousa (réu):

Indagado, confirmou a prática do delito imputado. Disse que a arma não era sua, e sim de um tio que já é falecido. Relata que estava com a arma no dia do fato em Arroio do Sal/RS, na rua, em frente a porta de sua casa. Refere que também havia cinco munições consigo. Não conhecia os Policiais Militares que depuseram. Disse que iria se desfazer da arma, pois a ex-mulher de seu tio estava com o artefato bélico dentro de casa e não queria, pois tinha filho pequeno. Que era para o acusado vender a arma e comprar comida para ela.

Pois bem, analisando atentamente os autos, verifico que há elementos suficientes para a formação de um Juízo condenatório quanto à prática do delito em comento.

Nessa linha, vale rememorar os depoimentos dos Policiais Militares que efetuaram a prisão em flagrante do acusado:

Hugo de Leon dos Santos (testemunha de acusação – Policial Militar):

Declarou que, em patrulhamento, avistaram três homens conversando, sendo que um deles apresentou comportamento estranho em relação aos demais, ao ter avistado a viatura. Que indivíduo ficou nervoso e começou a caminhar em sentido contrário da viatura, mexendo no bolso e na cintura. Refere que decidiram abordar o sujeito, ora acusado. Relata que, em revista pessoal, encontraram a arma no bolso esquerdo do réu, bem como as munições, pelo que se recorda. Disse que o acusado teria comentado que seria para segurança particular. Que quando a viatura ia se aproximando, o acusado aumentava a velocidade de seus passos, assim como que ficava olhando para trás. Refere que quando o réu foi abordado ele já se encontrava sozinho.

Rafael de Almeida Gonçalves (testemunha de acusação – Policial Militar):

Declarou que estavam em patrulhamento, momento em que avistaram um grupo de pessoas. Que o acusado, ao perceber a viatura, reagiu estranhamente, tendo saído para o lado e começado a mexer na cintura e nos bolsos. Relata que abordaram todos os indivíduos que se encontravam no local, bem como o acusado e, procedida a sua revista pessoal, localizaram uma arma de fogo. Refere que o acusado não deu nenhuma explicação do motivo de estar armado, sendo que, se não estiver enganado, o réu teria comentado que seria para segurança.

[...]."

Do contexto narrado, verifica-se que a prova é certa no sentido do cometimento do crime de porte ilegal de arma de fogo pelo réu.

Os dois policiais militares inquiridos foram seguros e coerentes em suas narrativas, no sentido de que estavam em patrulhamento quando viram três indivíduos conversando e um deles, ao notar a presença da...

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