Acórdão nº 50075905220188210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 24-03-2022

Data de Julgamento24 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50075905220188210033
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001539396
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

14ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5007590-52.2018.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATOR: Desembargador MÁRIO CRESPO BRUM

APELANTE: ANA CARLA SCHERER (AUTOR)

APELADO: BANCO DIGIMAIS S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por ANA CARLA SCHERER em face da sentença que julgou improcedentes os pedidos por ela deduzidos nos autos da ação revisional de contrato ajuizada contra a instituição financeira ora apelada, com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, com base no art. 487, inc. I do CPC/15, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação ajuizada por ANA CARLA SCHERER em face de BANCO A.J. RENNER S.A. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$1.000,00 (mil reais), corrigidos pelo IGP-M a contar da presente decisão, com juros 9 64-1-033/2020/70483 - 033/1.18.0014858-5 (CNJ:.0026457- 81.2018.8.21.0033) moratórios de 1% ao mês, a partir da data do trânsito em julgado da sentença, forte no que dispõe o artigo 85, §8º, do CPC. Resta suspensa a exigibilidade do pagamento dos ônus sucumbenciais em relação à parte autora, tendo em vista que litiga sob o amparo da AJG.

(...).

Em suas razões, a consumidora advoga: (a) a abusividade dos juros remuneratórios e da capitalização mensal de juros; (b) a ilicitude da cobrança da comissão de permanência; (c) a inviabilidade de cobrança das tarifas de cadastro, de emissão de carnê - TEC e de abertura de crédito - TAC; (d) a descaracterização da mora debendi; (e) a vedação da inscrição do seu nome em cadastros de inadimplentes e a sua manutenção na posse do veículo financiado; e (f) a compenssação e a restituição dos valores pagos a maior. Pugna, nesses termos, pelo provimento da apelação.

Sem contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.

Foram observadas as formalidades dos artigos 931 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015, tendo em vista a adoção do sistema informatizado nesta Corte.

É o relatório

VOTO

A discussão devolvida a exame cinge-se aos seguintes tópicos: (a) juros remuneratórios; (b) capitalização mensal de juros; (c) comissão de permanência; (d) tarifas de cadastro, de emissão de carnê - TEC e de abertura de crédito - TAC; (e) mora debendi; (f) vedação de inscrição em cadastros de inadimplentes e manutenção na posse do veículo financiado; e (g) compensação e repetição do indébito.

Passo ao exame das questões suscitadas.

Inicialmente, consigno que os contratos de financiamento de veículo com cláusula de alienação fiduciária encontram-se sujeitos às disposições do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990), consoante a orientação jurisprudencial consolidada e descrita na Súmula n. 297 do egrégio STJ:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

De tal sorte, mostra-se possível a revisão das cláusulas abusivas, com consequente flexibilização do princípio pacta sunt servanda e do ato jurídico perfeito.

No tocante aos juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça possui firme jurisprudência, consolidada na Súmula n. 382 daquela Corte, no sentido de que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade, devendo ser observada a taxa média de mercado apurada e divulgada pelo Banco Central do Brasil (BACEN), o que se infere da Súmula n. 530, igualmente editada por aquele Tribunal.

De outra parte, quanto à capitalização de juros, destaco que o Superior Tribunal de Justiça tem admitido a sua incidência em periodicidade mensal, desde que expressamente pactuada em contrato firmado após a vigência da Medida Provisória n. 1963-17/2000, mostrando-se suficiente a indicação de juros anuais em índice superior ao duodécuplo da taxa mensal, consoante jurisprudência consolidada nas Súmulas n. 539 e n. 541.

Analisando o contrato firmado entre as partes, observo que os juros remuneratórios foram pactuados em 32,15% ao ano, índice que se coaduna com a média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para operações similares na data da celebração do negócio jurídico revisando (22,74% ao ano – janeiro de 2018), ainda que ligeiramente superior.

No ponto, consigno que revisei o posicionamento até então adotado, a fim de admitir maior flexibilidade para os juros remuneratórios, quando comparados com a média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para operações similares na data da contratação, consoante orientação fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no já mencionado julgamento do Recurso Especial n. 1.061.530/RS (submetido ao regime dos recursos repetitivos):

A jurisprudência, conforme registrado anteriormente, tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia (voto proferido pelo Min. Ari Pargendler no REsp 271.214/RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJ de 04.08.2003), ao dobro (Resp 1.036.818, Terceira Turma, minha relatoria, DJe de 20.06.2008) ou ao triplo (REsp 971.853/RS, Quarta Turma, Min. Pádua Ribeiro, DJ de 24.09.2007) da média.

Todavia, esta perquirição acerca da abusividade não é estanque, o que impossibilita a adoção de critérios genéricos e universais. A taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, constitui um valioso referencial, mas cabe somente ao juiz, no exame das peculiaridades do caso concreto, avaliar se os juros contratados foram ou não abusivos.

(REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009, p. 24-25)

No caso dos autos, a taxa aplicada pela instituição financeira não é superior a uma vez e meia a média de mercado divulgada pelo BACEN no período da contratação, devendo ser mantido o encargo conforme ajustado entre os litigantes.

Ademais, a taxa de juros anual (32,15%) é superior ao duodécuplo da taxa mensal (2,35%), a denotar a pactuação expressa da capitalização mensal de juros, não merecendo reforma a sentença igualmente no ponto.

No que tange à cobrança da comissão de permanência, o STJ firmou entendimento no sentido de que é possível a sua cobrança, em caso de inadimplemento, desde que não haja a sua aplicação cumulada com qualquer outro encargo moratório, conforme se verifica do seguinte precedente:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. POSSIBILIDADE DE COBRANÇA DESDE QUE NÃO CUMULADA COM OS DEMAIS ENCARGOS MORATÓRIOS. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CABIMENTO. DESNECESSIDADE DE PROVA DO ERRO NO PAGAMENTO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. É admitida a cobrança da comissão de permanência no período da inadimplência, desde que não cumulada com correção monetária, juros moratórios, multa contratual ou juros remuneratórios, calculada à taxa média de mercado, limitada, contudo, à taxa contratada. (...) 4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 555.358/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/09/2010, DJe 06/10/2010)

No caso sob comento, observo que o pacto celebrado entre os litigantes prevê a cobrança da comissão de permanência cumulada com juros e multa de mora...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT