Acórdão nº 50077903820178210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50077903820178210019
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001748947
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5007790-38.2017.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Receptação (art. 180)

RELATOR: Desembargador LEANDRO FIGUEIRA MARTINS

RECORRENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

RECORRIDO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra RUAN FELIPE FERREIRA DIAS, afirmando estar incurso nas sanções do artigo 180, caput, do Código Penal (CP), pela prática do seguinte fato descrito na peça incial (processo 5007790-38.2017.8.21.0019/RS, evento 3, PROCJUDIC1, fls. 2/3):

"FATO DELITUOSO:

No dia 25 de junho de 2017, em horário não definido nos autos, mas até às 09 horas, na Rua João Perez, 128, Bairro Rondônia, nesta Cidade, o denunciado conduziu, em proveito próprio, uma motocicleta Honda CG/150 Titan KS, placas IMB0412, coisa que sabia ser produto de crime.

Na ocasião do fato, uma guarnição da Brigada Militar foi despachada para verificar uma ocorrência de furto em residência, na Rua Guilherme Grovermann, 104, Bairro Rondônia, nesta Cidade, de onde teria sido furtada a motocicleta referida, sendo que, ao chegaram a local, foram avisados de que uma moto semelhante à da vítima estava em um beco próximo.

Ao chegarem ao endereço indicado, os Policiais Militares se depararam com o denunciado em cima da moto, o qual, ao avistar a guarnição, empreendeu fuga, sendo acompanhado e detido logo em seguida.

Diante dos fatos, o denunciado foi preso em flagrante e encaminhado à Delegacia, tendo sido posterior solto em razão de pagamento de fiança.

O registro do furto da motocicleta foi realizado na ocorrência nº 10890/2017/100929.

A motocicleta foi apreendida e avaliada em R$ 4.000 (quatro mil reais), conforme auto de avaliação indireta acostado ao inquérito".

A denúncia foi recebida em 01/08/2017 (processo 5007790-38.2017.8.21.0019/RS, evento 3, PROCJUDIC2, fl. 8).

O réu, por intermédio da Defensoria Pública, apresentou resposta à acusação (processo 5007790-38.2017.8.21.0019/RS, evento 3, PROCJUDIC2, fls. 47/48).

Em 03/08/2020, sobreveio decisão julgando extinta a punibilidade do réu, em razão da prescrição da pretensão punitiva pela pena projetada (processo 5007790-38.2017.8.21.0019/RS, evento 3, PROCJUDIC3, fls. 30/31).

Intimado, o Ministério Público, então, ingressou com recurso em sentido estrito, sustentando, em síntese, que: (a) "muito embora a existência de construção doutrinária entendendo pela possibilidade da extinção da punibilidade com fundamento na pena perspectiva, o entendimento jurisprudencial é pacífico quanto ao seu não reconhecimento, tendo o Superior Tribunal de Justiça editado súmula" (fl. 35); (b) "não há que se falar em reconhecimento da prescrição com base em pena projetada" (fl. 36); (c) no ordenamento jurídico brasileiro só existia previsão, antes do trânsito em julgado, da prescrição pela pena cominada abstratamente no tipo penal; (d) a "decisão recorrida não encontra subsistência no entendimento pacificado dos Tribunais Superiores" (fl. 38). Pediu, assim, o provimento do recurso e a reforma da decisão (processo 5007790-38.2017.8.21.0019/RS, evento 3, PROCJUDIC3, fls. 33/38).

Em contrarrazões, a defesa postulou o não provimento do recurso (processo 5007790-38.2017.8.21.0019/RS, evento 3, PROCJUDIC3, fls. 39/43).

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça lançou parecer, manifestando-se pelo acolhimento da pretensão recursal (processo 5007790-38.2017.8.21.0019/TJRS, evento 6, PARECER1).

Conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade (artigo 581, inciso VIII, do CPP), conheço do recurso e passo ao exame do mérito.

O Ministério Público pretende a reforma da decisão que definiu pela extinção da punibilidade do réu RUAN FELIPE, sustentando, em resumo, que o reconhecimento da prescrição pela pena antecipada não encontra amparo legal.

A fim de contextualizar os fatos, esclareça-se que o recorrido foi denunciado pela prática, em tese, do delito de receptação, ocorrido em 25/06/2017, na Comarca de Novo Hamburgo/RS.

Narrou a peça inicial que a Brigada Militar foi despachada para atender uma ocorrência de furto em residência, onde teria sido subtraída uma motocicleta. Posteriormente, receberam a informação de que a res furtiva estava em um beco. Ao chegarem no local indicado, visualizaram o denunciado com a motocicleta, o qual tentou empreender fuga. Todavia, foi preso em seguida.

A denúncia foi recebida em 01/08/2017 (processo 5007790-38.2017.8.21.0019/RS, evento 3, PROCJUDIC2, fl. 8).

No entanto, em 03/08/2020, sobreveio decisão de extinção da punibilidade do réu, tendo em vista a "prescrição da pretensão punitiva pela pena projetada" (processo 5007790-38.2017.8.21.0019/RS, evento 3, PROCJUDIC3, fls. 30/31):

"RUAN FELIPE FERREIRA DIAS, já qualificado nos autos, foi denunciado pelo Ministério Público como incurso nas sanções do artigo 180, caput, do Código Penal.
O fato narrado na denúncia data de 25/06/2017.

A denúncia foi recebida em 01/08/2017 (fl. 52).

Trata-se do delito de receptação (art. 180, caput, do Código Penal), cuja pena prevista é reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Em eventual condenação, a pena do acusado não ultrapassaria 1 (um) ano, por não estar a incidir qualquer causa de aumento.
Neste caso, nos termos da regra posta no art. 109, inc. V, do Código Penal, a prescrição ocorre em 04 anos. Ainda, tem-se que o acusado era menor de 21 (vinte e um) anos na data do fato.
Pois bem. Considerando o tempo decorrido entre a data do recebimento da denúncia (01/08/2017) e hoje (03/08/2020), ou seja, 03 anos e 2 dias, tenho por implementada a prescrição da pretensão punitiva pela pena projetada.
Por tais razões, decreto EXTINTA A PUNIBILIDADE do réu RUAN FELIPE FERREIRA DIAS com relação ao fato sob análise, pelo implemento da prescrição, nos termos do artigo 107, inciso IV, do Código Penal"
.

Contra a referida decisão é que se insurge o Ministério Público, merecendo provimento o recurso.

O Código Penal (CP) prevê as modalidades de extinção da punibilidade no seu artigo 107, conforme segue:

"Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:
I - pela morte do agente;
II - pela anistia, graça ou indulto;
III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;
IV - pela prescrição, decadência ou perempção;
V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;
VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;
VII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
VIII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei"
.

A prescrição, por sua vez, é regulamentada pelo artigo 109 do mesmo diploma legal, nos seguintes termos:

"Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:
I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior oito anos e não excede a doze;
III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;
IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;
V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;
VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano"
.

Neste cenário, a regra geral do ordenamento jurídico, antes do trânsito em julgado da sentença final, é de cômputo da prescrição pela pena abstrata, observando-se o máximo da sanção privativa de liberdade cominada ao delito, com exceção do consignado no § 1° do artigo 110 do CP, que permite a consideração da pena concretamente aplicada na sentença condenatória seguida de não provimento ou ausência de apelo da acusação:

"Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.
§ 1o A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa"
.

Logo, em razão da inexistência de previsão legal no sistema jurídico, a extinção da punibilidade pela prescrição antecipada representa violação ao princípio da legalidade.

A propósito, a previsão da Súmula n. 438 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é de impossibilidade do reconhecimento da prescrição pela pena projetada:

"É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal" (SÚMULA 438, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 13/05/2010).

Neste sentido, menciono, ainda,...

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