Acórdão nº 50078250220218210037 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 26-09-2022

Data de Julgamento26 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50078250220218210037
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002679173
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5007825-02.2021.8.21.0037/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Desembargadora ROSAURA MARQUES BORBA

APELANTE: GERSON DOS SANTOS VEIGA (ACUSADO)

APELANTE: SOLON DOS SANTOS VEIGA (ACUSADO)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia em face de Gerson dos Santos Veiga e Solon dos Santos Veiga, dando-os por incursos nas sanções dos artigos 33, caput, e 35 da Lei nº 11.343/2006, atribuindo-se também ao último conduta tipificada no artigo 14 da Lei nº 10.826/2003, pela prática dos seguintes fatos delitusosos:

"1º FATO:

No dia 24 de julho de 2021, por volta das 00h30min, em via pública, na Rua Júlio de Castílhos, 2067, Bairro Bela Vista em Uruguaiana/RS, os denunciados GERSON DOS SANTOS VEIGA e SOLON DOS SANTOS VEIGA, em comunhão de vontades e conjugação de esforços transportaram, traziam consigo, tinham em depósito, para fins de entrega a consumo de terceiros, 03 tijolos de cocaína, pesando aproximadamente 156g (cento e cinquenta e seis gramas), e 55 porções de cocaína, pesando aproximadamente 25g (vinte e cinco gramas), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar (auto de apreensão e laudo preliminar de constatação da natureza da substância nos autos). Quando dos fatos, os policiais militares realizavam patrulhamento na área quando avistaram um veículo já conhecido e suspeito de transportar drogas para o tráfico, o qual estava sendo conduzido pelos denunciados. Na ocasião, os denunciados tripulavam o veículo RENAULT/LOGAN EXP 16, placas IRZ3546, quando foram avistados pela polícia militar no momento em que entregavam algo a um indivíduo em via pública. Ao perceber a aproximação policial, os acusados avançaram algumas quadras a frente onde SOLON desceu, correu até uma residência e arremessou uma sacola com pertences no telhado, sendo acompanhado pela guarnição. Ato contínuo, em busca pessoal, a foram apreendidas 05 “petecas” de cocaína que SOLON trazia consigo, além de outras 50 “petecas” de cocaína pesando aproximadamente 25g (vinte e cinco gramas), 03 pedras de cocaína pesando aproximadamente 156g (cento e cinquenta e seis gramas) e duas balanças de precisão, e um aparelho celular de marca Samsung, que estavam dentro da sacola que ele havia arremessado para o telhado. Na mesma oportunidade, o denunciado GERSON foi abordado, logrando a apreensão da quantia em moeda corrente nacional de R$ 252,00, bem como, o veículo RENAULT/LOGAN EXP 16, placas IRZ3546, um cartão do bolsa família em nome de terceira pessoa e um aparelho celular de marca Samsung, e uma lista contendo contabilidade do tráfico. Na sequência, os denunciados foram presos em flagrante delito e conduzidos ao Órgão Policial para a formalização do respectivo auto. Os denunciados são reincidentes.

2º FATO:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local do fato anteriormente descrito, os denunciados GERSON DOS SANTOS VEIGA e SOLON DOS SANTOS VEIGA, associaram-se para a prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Para tanto, os denunciados formaram consórcio criminoso voltado à exploração da narcotraficância, mediante divisão das tarefas inerentes ao exercício de tal prática criminosa. Com esse propósito, os acusados GERSON e SOLON se revezavam nas tarefas de trazer consigo, ter em depósito, guardar, transportar e vender os entorpecentes, para fins de entrega a consumo de terceiros, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar. Os denunciados são reincidentes. 3° FATO: Nas mesmas circunstâncias de tempo e local do fato anteriormente descrito, o denunciado SOLON DOS SANTOS VEIGA portou e transportou consigo 23 (vinte e três) munições de calibre 380, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Quando dos fatos, o denunciado trazia consigo 23 munições de calibre 380, além dos entorpecentes apreendidos e citados no primeiro fato. O denunciado SOLON é reincidente".

Homologado o auto de prisão em flagrante, a custódia dos réus foi convertida em preventiva em 25/07/2021 (Evento 18, DESPADEC1, processo nº 5005896-31.2021.8.21.0037).

A denúncia foi recebida em 11/10/2021 (Evento 21, DESPADEC1).

Sobreveio sentença, em 17/01/2022, julgando parcialmente procedente, para o fim de: a) absolver os réus da imputação pelo delito do artigo 35 da Lei n. 11.343/2006; b) condenar GERSON DOS SANTOS VEIGA como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, à pena privativa de liberdade de 10 (dez) anos, 11 (onze) meses e 8 (oito) dias de reclusão, a ser cumprida em regime fechado, bem como à pena de multa de 1.093 (mil e noventa e três) dias-multa, à razão mínima; c) condenar SOLON DOS SANTOS VEIGA como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, e do artigo 14 da Lei n. 10.826/2003, à pena privativa de liberdade de 11 (onze) anos e 8 (oito) meses de reclusão, a ser cumprida em regime fechado, cumulada com a pena de multa de 889 (oitocentos e oitenta e nove) dias-multa, à razão mínima ( Evento 59, SENT1).

Interpostos embargos de declaração pela defesa, o juízo foi retificada nos seguintes parâmetros: "2.2. Quanto ao crime do art. 16, § 1º, IV, da Lei nº 10.826/2003 (3º fato)", deve constar "2.2. Quanto ao crime do art. 14 da Lei nº 10.826/2003 (3º fato)" (Evento 79, DESPADEC1).

Inconformados, GERSON DOS SANTOS VEIGA e SOLON DOS SANTOS VEIGA, por intermédio de sua defesa constituída, interpuseram, tempestivamente, RECURSO DE APELAÇÃO (evento 85, APELAÇÃO1, dos autos de origem). Em suas razões, a defesa suscitou as seguintes preliminares: a) inépcia da denúncia; b) ilegalidade das provas em razão do ingresso forçado em residência; c) cerceamento de defesa em razão do indeferimento de diligência pertinente. No mérito, sustenta insuficiência probatória. Subsdiariamente, requer a revisão da pena-base do réu Gerson dos Santos Veiga, bem como o quantum atribuído em relação a agravante da reincidência; em relação ao réu Solon, requer a redução da pena-base aplicada.

Foram oferecidas contrarrazões pelo Ministério Público (Evento 13, CONTRAZAP1).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso defensivo (Evento 16, PARECER1).

VOTO

Inicialmente, a defesa sustenta a inépcia da denúncia, pois a conduta dos denunciados não teria sido individualizada na peça acusatória, contrariando o disposto no art.41 do CPP.

Todavia, sem razão.

Como é cediço, a descrição do fato delituoso não necessita ser exaustiva, bastando que sejam fornecidos elementos suficientes para que o denunciado tenha a compreensão da acusação que lhe é imputada. No caso em comento, os réus tiveram a perfeita compreensão da incriminação que lhes foram dirigidas, pois a denúncia descreveu os fatos típicos e suas circunstâncias, atribuindo-lhes a participação com base nos elementos coletados na fase investigativa, e terminando por classificá-los com a indicação dos tipos penais infringidos.

De se salientar que o art. 41 do Código Penal não exige que constem minúcias na peça acusatória, sendo imprescindível, tão somente, a exposição do fato, as circunstâncias e a classificação legal do delito, o que constou dos termos da denúncia ora em apreço, não havendo qualquer vício de forma na peça acusatória.

Assim, não há como acolher a preliminar defensiva.

No que diz respeito a preliminar de ilicitude da prova, pois obtida mediante violação de domicílio, salienta-se que o crime de tráfico de drogas é permanente, sendo que em casos de flagrante não há que se falar em invasão de domicílio pela ausência de determinação judicial prévia, conforme se infere da redação da garantia fundamental insculpida no art. 5º, inc. XI, da Constituição Federal, que dispõe: "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial." Assim, em que pese não desconheça a existência de crítica doutrinária a respeito do tema, permanece íntegro o entendimento perante as Cortes Superiores acerca do caráter permanente do crime de tráfico de drogas, sendo, por tal razão, relativizado o mandamento preconizado pelo art. 5º, inc.XI da Carta Magna.

Importante destacar que a matéria foi abordada em sede de recurso representativo da controvérsia, oportunidade em que o STF assentou o entendimento sobre a possibilidade de busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente, desde que amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, indicativas que a ação policial ocorreu em hipótese de flagrante delito, como é o caso dos autos, senão vejamos:

“Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação...

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