Acórdão nº 50080438720218210018 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50080438720218210018
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003327384
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008043-87.2021.8.21.0018/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de medicamentos

RELATOR: Desembargador NIWTON CARPES DA SILVA

APELANTE: UNIMED VALE DO CAI/RS - COOPERATIVA DE ASSISTENCIA A SAUDE LTDA (RÉU)

APELADO: ISABELLA DE OLIVEIRA ZANATTA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

RELATÓRIO

ISABELLA DE OLIVEIRA ZANATTA ajuizou ação de obrigação de fazer combinada com danos materiais e morais em face de UNIMED VALE DO CAI/RS - COOPERATIVA DE ASSISTENCIA A SAUDE LTDA. Aduziu, em síntese, ter sido diagnosticada com transtorno do espectro autista (CID-10 84.1) em 16/09/2020, com comprometimento de linguagem, interação social e comportamento global. Apontou que, não obstante recomendação profissional, a Unimed negou o fornecimento de fonoaudiologia e terapia ocupacional com profissional com habilitação em terapia ABA. Postulou a procedência da ação para que a ré promova a autorização e custeio do tratamento multidisciplinar da autora com profissionais especialistas na terapia comportamental ABA, incluindo fonoaudióloga e terapeuta ocupacional e a condenação por dano moral e material no valor de R$ 25.000,00 (...).

Sobreveio sentença que julgou procedente a ação, a fim de condenar a demandada a custear integralmente os tratamentos receitados à autora; indenizar os danos morais suportados pela autora, no valor de R$ 5.000,00 (...), corrigidos pelo IGP-M e com juros de 1% ao mês, a contar da presente decisão. Condenou a parte demandada ao pagamento das despesas/custas/taxa única de serviços judiciais, bem como honorários advocatícios, que arbitrou em 10% sobre o valor atribuído à causa, atualizado pelo IGP-M, forte nos artigos 82, §2º e 85, §2º, ambos do CPC.

A requerida apela, em suas razões, em síntese, refere que, diante do recente entendimento do STJ de que o Rol da ANS é taxativo, não está obrigada contratualmente a fornecer tratamento para autismo pelo método ABA, que além de não estar elencado no Rol na ANS não possui comprovação cientifica. Defende, portanto, que deve ser afastada a incidência de dano moral por não ter sido ofertado o tratamento do qual não está obrigada contratualmente. Requer o provimento do recurso para que seja julgada improcedente a demanda, invertendo-se os ônus sucumbenciais.

O Ministério Público ofertou parecer pelo desprovimento do apelo.

Os autos vieram-me conclusos em 19/01/2023.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de ação de obrigação de fazer, através da qual a parte autora postula a cobertura do fornecimento de fonoaudiologia e terapia ocupacional com profissional com habilitação em terapia ABA, bem como indenização por danos morais, julgada procedente na origem.

Preenchidos os pressupostos processuais, recebo o recurso de apelação.

Em procedimento de overruling, no julgamento do Recurso Especial 1.733.013/PR, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, restou consolidado que as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a custear tratamentos e/ou medicamentos não incluídos no rol de procedimentos da ANS, em razão da necessidade de preservar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema suplementar de assistência à saúde, considerando que o raciocínio relativo de que o rol seria exemplificativo teria o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito pelo médico assistente do usuário, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas, conforme expressamente previsto nos arts.10 e 12 da Lei n. 9656/98, in verbis:

PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. RECURSO ESPECIAL. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. IMPOSSIBILIDADE. MUDANÇA DO ENTENDIMENTO DO COLEGIADO (OVERRULING). CDC. APLICAÇÃO, SEMPRE VISANDO HARMONIZAR OS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E ATUARIAL E SEGURANÇA JURÍDICA. PRESERVAÇÃO. NECESSIDADE. RECUSA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO NÃO ABRANGIDO NO ROL EDITADO PELA AUTARQUIA OU POR DISPOSIÇÃO CONTRATUAL. OFERECIMENTO DE PROCEDIMENTO ADEQUADO, CONSTANTE DA RELAÇÃO ESTABELECIDA PELA AGÊNCIA. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. INVIABILIDADE.1. A Lei n. 9.961/2000 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, que tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. O art. 4º, III e XXXVII, atribui competência à Agência para elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656/1998, além de suas excepcionalidades, zelando pela qualidade dos serviços prestados no âmbito da saúde suplementar. 2. Com efeito, por clara opção do legislador, é que se extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n. 9.961/2000, a atribuição dessa Autarquia de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n. 439/2018 da ANS, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID da Organização Mundial da Saúde. 3. A elaboração do rol, em linha com o que se deduz do Direito Comparado, apresenta diretrizes técnicas relevantes, de inegável e peculiar complexidade, como: utilização dos princípios da Avaliação de Tecnologias em Saúde - ATS; observância aos preceitos da Saúde Baseada em Evidências - SBE; e resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor. 4. O rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, em revisitação ao exame detido e aprofundado do tema, conclui-se que é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas. 5. Quanto à invocação do diploma consumerista pela autora desde a exordial, é de se observar que as técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor devem reverência ao princípio da especialidade e ao disposto no art. 4º daquele diploma, que orienta, por imposição do próprio Código, que todas as suas disposições estejam voltadas teleologicamente e finalisticamente para a consecução da harmonia e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. 6. O rol da ANS é solução concebida pelo legislador para harmonização da relação contratual, elaborado de acordo com aferição de segurança, efetividade e impacto econômico. A uníssona doutrina especializada alerta para a necessidade de não se inviabilizar a saúde suplementar. A disciplina contratual exige uma adequada divisão de ônus e benefícios dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões. Isso tem de ser observado tanto em relação à transferência e distribuição adequada dos riscos quanto à identificação de deveres específicos do fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo custos de forma racional e prudente. 7. No caso, a operadora do plano de saúde está amparada pela excludente de responsabilidade civil do exercício regular de direito, consoante disposto no art. 188, I, do CC. É incontroverso, constante da própria causa de pedir, que a ré ofereceu prontamente o procedimento de vertebroplastia, inserido do rol da ANS, não havendo falar em condenação por danos morais. 8. Recurso especial não provido. (REsp 1733013/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 20/2/2020) (grifei)

No mesmo sentido, destarte, vários outros precedentes podem ser encartados em defesa da taxatividade do rol da ANS, calcada na prevalência dos princípios do mutualismo e atuarialidade que dão vida e sobrevivência aos Planos de Saúde e Seguro Saúde. Sem a contraprestação devida e a precificação atuarial dos tratamentos, aliados à finitude dos recursos, inimaginável a vida útil da Saúde Suplementar, in exemplis: AgInt no REsp.n. 1.852.728/SP, AgInt no AREsp.n. 1.430.905/SP, REsp.n. 19.333.636/SP, todos recentes, o último precedente julgado em 02/06/2021.

Importante salientar que a Lei n. 9.961/2000 criou a ANS, estabelecendo no art. 3º sua finalidade institucional de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.

Especificamente no art. 4º, I e III, consta a...

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