Acórdão nº 50080775920218210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Criminal, 23-03-2022

Data de Julgamento23 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50080775920218210019
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001693263
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5008077-59.2021.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Latrocínio (art. 157, §3º, 2ª parte)

RELATOR: Desembargador JOSE RICARDO COUTINHO SILVA

APELANTE: ANA PAULA KUHN (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra ANA PAULA KUHN, com 38 anos de idade à época do fato, dando-a como incursa nas sanções do artigo 157, § 3º, inciso II, e art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:

“No dia 27 de abril de 2021, por volta das 23h50min, na Avenida Pedro Adams Filho, n.º 5204, Centro, Novo Hamburgo/RS, a denunciada subtraiu, para si ou para outrem, mediante violência, exercida com o uso de arma branca, um smartphone Samsung, avaliado em R$ 400,00, um carregador de celular, avaliado em R$ 100,00, um fone de ouvido; uma carteira, avaliada em R$ 50,00 e a quantia de R$ 11,00, conforme autos de apreensão, restituição e de avaliação indireta, inclusos aos autos, de propriedade da vítima Daniel Leite.

Para tanto, a denunciada abordou o ofendido, que estava deitado em via pública, pois morador de rua, e, de pronto, chutou-o e exigiu dinheiro. Ao ver que o ofendido tinha apenas R$ 11,00, a acusada desferiu golpes com uma faca no rosto, pescoço, braço e barriga da vítima, não causando seu óbito, por circunstâncias alheias à sua vontade, já que o ofendido foi prontamente socorrido por guardas municipais, que acionaram o SAMU, sendo encaminhado ao Hospital Geral de Novo Hamburgo, onde foi submetido a procedimento cirúrgico.

A vítima reconheceu por fotografia, sem sombra de dúvidas, a acusada como sendo a autora do fato (vídeo 2 – evento 9).

A denunciada, que havia sido conduzida à delegacia de polícia, em razão de ter abordado a Guarda Municipal e indicado a localização do ofendido, alegando que ele havia se envolvido em uma briga, foi revistada, sendo encontrados, em seu poder, os bens subtraídos”.

Autuada em flagrante delito (Evento 1, doc. P_FLAGRANTE1, fls. 12/13, do Inquérito Policial n° 5007714-72.2021.8.21.0019), em 27.04.2021, foi o auto homologado (Evento 4 do Inquérito Policial) e a prisão convertida em preventiva (Evento 13 do Inquérito Policial).

A denúncia foi recebida em 05.05.2021 (Evento 3 dos autos originários).

Citada (Evento 10 dos autos originários), a acusada apresentou resposta escrita através da Defensoria Pública (Evento 13 dos autos originários).

Durante a instrução, foram ouvidas a vítima, as testemunhas e interrogada a ré (Evento 98 dos autos originários).

Convertido o debate oral em memoriais, foram esses apresentados (Eventos 107 e 110 dos autos originários).

Sobreveio sentença, considerada publicada em 06.09.2021 (Evento 114 dos autos originários), julgando procedente a ação penal para condenar a ré como incursa nas sanções do artigo 157, § 3º, inciso II, c/c o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, às penas de 10 (dez) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 15 (quinze) dias-multa, à razão mínima. Foi mantida a prisão preventiva da condenada (Evento 114 dos autos originários).

Irresignada, a defesa interpôs apelação, alegando a insuficiência probatória, resumindo-se à palavra da vítima e das testemunhas, eis que essas últimas não presenciaram o fato. Aduziu que ambos os Guardas Municipais afirmaram que, na ocasião, o ofendido estava visivelmente embriagado, ressaltando a existência de contradição entre seus relatos logo após o fato, no hospital e em juízo, pois, em um primeiro momento, afirmou ter sido agredido por duas pessoas, entretanto, no hospital referiu ter sido a agressão perpetrada, apenas, pela ré, cuja fotografia lhe foi mostrada de forma isolada. Ressaltou o comportamento da acusada diante do fato, que informou aos Guardas Municipais que havia uma pessoa ferida nas proximidades, tendo a vítima recebido atendimento médico necessário. Acrescentou que a propriedade do telefone celular localizado na posse da acusada não foi minimamente demonstrada, afirmando que o bem foi fornecido à ré na delegacia de polícia para que ela o "segurasse para depor" e que o valor em dinheiro que a apelante trazia consigo seria fruto de seu trabalho, pois "catou latinhas" o dia inteiro. Ressaltou a existência de prévia relação entre a vítima e a acusada, bem como a predisposição do ofendido em culpá-la, pelo que requereu sua absolvição. Pediu o reconhecimento da excludente da ilicitude da legítima defesa, eis que a acusada, apenas, se defendeu após a vítima ter a atacado com uma faca, pois a ré negou a proposta de realizar "programa"' ofertada pela vítima. Quanto às penas, requereu o afastamento da valoração negativa das vetoriais circunstâncias e motivos do delito, essa última, em razão de ter sido considerada negativa, exclusivamente, na alegação da vítima de que a acusada teria pedido dinheiro para compra de drogas, e quanto às circunstâncias, consideradas negativas diante do número de golpes desferidos, inerentes ao tipo penal cometido, o que configura bis in idem. Por fim, quanto à tentativa, pediu a aplicação da fração de redução em seu grau máximo, eis que o iter criminis se manteve distante da consumação e que, se não fosse a conduta da ré de chamar ajuda, a vítima jamais teria se recuperado, de modo que essa circunstância deve ser avaliada quando da aplicação da pena (Evento 132 dos autos originários).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (Evento 135 dos autos originários).

Em parecer, a Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo (Evento 7 destes autos).

Esta Câmara adotou o procedimento informatizado e foi observado o artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

A materialidade e a autoria delitivas foram bem analisadas pelo ilustre Juiz de Direito, Dr. Guilherme Machado da Silva, ao proferir a sentença, não sendo verificada qualquer inovação em sede de apelação em relação aos pontos analisados em primeiro grau, pelo que adoto seus fundamentos para evitar inútil tautologia (Evento 114 dos autos originários):

"(...)

A materialidade do fato vem demonstrada pelo auto de apreensão (ev. 01, fls. 07/08 do IP), e pelo laudo de lesão corporal (ev. 104).

ANA PAULA admitiu as agressões à vítima. Contou que Daniel já havia se insinuado para a depoente, mas que não faz programa. Na noite dos fatos, ele pediu-lhe um papelão. Além de emprestar, perguntou a ele se queria mais um cobertor, ao que a vítima respondeu: “não, vamos fazer melhor, tu segura meu telefone e minha carteira e amanhã de manhã vamos ao banco e eu te dou R$ 50,00”. Não permite que nenhum homem toque seu corpo sem sua autorização. A vítima, que estava alcoolizada, ficou irritada e "partiu pra cima" da depoente. Daniel tinha uma faca de serrinha no bolso e acredita que ele "já estivesse com más intenções". Admitiu ter dado as facadas na vítima, afirmando que faria de novo com qualquer homem que tocasse em seu corpo sem a sua permissão. Contudo, disse que não quis fazer isso, tanto que chamou a Guarda Municipal. Nesse ínterim, um terceiro indivíduo chegou ao local e questionou a depoente sobre o que ela fizera, se ela havia matado a vítima. Explicou-lhe a situação, tendo o indivíduo sugerido que chamassem a Guarda Municipal. No momento em que os guardas socorreram a vítima, a declarante estava com o celular do ofendido. Não estava com a carteira dde Daniel e essa não existe. Possuía R$ 20,00, pois vendera latinhas, mas o dinheiro também foi apreendido. Na delegacia, foi orientada a segurar o celular até que fosse chamada para depor, razão pela qual foi acusada de tentativa de latrocínio. No momento em que contatou os guardas municipais, não admitiu que cometera as agressões, afirmando que teria ocorrido uma briga. Na verdade, houve outra briga, mas os guardas municipais não a deixaram terminar de explicar. No abrigo em que viveu, Daniel passara a mão em seu seio. Negou que tivesse ingerido álcool ou drogas n o dia dos fatos.

A vítima, Daniel Leite, narrou que a acusada queria dinheiro para uso de drogas e, como negou-se a dar, ela atingiu-o com uma faca. Quando sentia muitas dores e caiu, ela pegou a carteira e o telefone do ofendido. Já conhecia ANA PAULA, com quem conviveu em um abrigo. Chamavam-na de "Aninha". No dia dos fatos, a acusada já chegou pedindo dinheiro à vítima para o uso de drogas. Ao ter o pedido negado, e sabendo que o depoente tinha dinheiro, desferiu-lhe as facadas. Foi atingido por uma facada no abdômen e outras seis ou sete na cabeça. Ao perceber que a acusada não pararia, atirou-se no chão. Ela então disse “esse aí já era, podemos ir”, e pegou os pertences do depoente. Pediu ajuda a um motoqueiro que passava, mas ele não parou. Uma viatura aproximou-se e contou aos guardas que ANA PAULA fora a autora das facadas. Levado ao hospital, foi submetido a uma cirurgia no abdômen. Ficou cerca de vinte dias no hospital. Recuperou seus bens, que estavam na delegacia. Não teve relacionamentos anteriores com a acusada, somente conviveram em um abrigo. Havia bebido com a ré e outras pessoas, mas não estava embriagado.

O Guarda Municipal José Carlos Lencina relatou ter sido contatado por ANA PAULA na Praça do Imigrante, tendo essa informado que, há alguns metros do local, ocorrera uma briga em que a vítima havia sido esfaqueada e estava caída. Encontraram Daniel bem machucado, tendo o depoente acionado o SAMU. A vítima apontou a ré como autora dos golpes. O ofendido apresentava sinais de embriaguez e, por conta dos ferimentos, estava quase inconsciente. ANA PAULA foi revistada na delegacia, após chegada de uma guarda do sexo feminino, ocasião...

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