Acórdão nº 50080787220208210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 27-06-2022

Data de Julgamento27 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50080787220208210021
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002199375
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008078-72.2020.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR: Desembargador HELENO TREGNAGO SARAIVA

APELANTE: PAULO BARBOSA DE OLIVEIRA (AUTOR)

APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

PAULO BARBOSA DE OLIVEIRA interpõe recurso de apelação nos autos da ação revisional que move contra BANCO PAN S.A., em face da sentença (evento 21 dos autos de origem) que julgou improcedentes os pedidos da inicail.

Consta no respectivo dispositivo:

DISPOSITIVO

Ante o exposto, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados por PAULO BARBOSA DE OLIVEIRA em desfavor de BANCO PAN S.A.

Considerando a sucumbência da parte autora, condeno esta ao pagamento de Taxa Única de Serviços Judiciais e despesas processuais, além de honorários advocatícios em favor do Patrono da parte contrária, os quais fixo em R$ 700,00, na forma do art. 85, §2° e §8º do CPC, considerando a natureza da causa, complexidade da demanda e trabalho desenvolvido - ausência de instrução. Suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais em relação à parte autora, considerando que litiga sob o amparo da gratuidade judiciária, na forma do art. 98, §3° do CPC.

Alega o apelante (evento 48) a abusividade na taxa de juros remuneratórios contratada, porque atinge o patamar de 2,58% a.m. e 36,33% a.a. de acordo com o Custo Efetivo Total (CET) (evento 1, contr7), as quais destoam da taxa média de mercado fixada pelo Banco Central, de acordo com a natureza e época da contratação (2,03% a.m e 27,21%a.a.). Destaca ter contratado empréstimo pessoal consignado para trabalhadores no setor público, sendo o mesmo debitado diretamente em sua aposentadoria. Sustenta a necessidade de repetição em dobro dos valores indevidamente cobrados. Postula o provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 51).

Vieram conclusos os autos.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Busca a parte autora a revisão do contrato de empréstimo consignado firmado com o banco réu alegando abusividade na taxa de juros remuneratórios e a possibilidade de devolução em dobro dos valores pagos.

A sentença julgou improcedentes os pedidos, razão da presente inconformidade.

A revisão dos contratos encontra respaldo no Código de Defesa do Consumidor1e na própria Constituição Federal, justificando-se quando verificada a ocorrência de abusividades que levem ao desequilíbrio contratual, especialmente considerando a vulnerabilidade do consumidor.

Não há, aqui, um desrespeito ao princípio da força obrigatória dos contratos, mas uma readequação do mesmo, evitando-se o enriquecimento injustificado. A possibilidade da revisão dos contratos é matéria pacificada nos Tribunais, admitindo-se inclusive a discussão sobre eventuais ilegalidades em contratos findos, conforme entendimento sumulado pelo STJ (Súmula nº 286).

Neste sentido :

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. INCIDÊNCIA DO CDC. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. INVIABILIDADE DE CUMULAÇÃO COM OS DEMAIS ENCARGOS MORATÓRIOS. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. No pertinente à revisão das cláusulas contratuais, a legislação consumerista, aplicável à espécie, permite a manifestação acerca da existência de eventuais cláusulas abusivas, o que acaba por relativizar o princípio do pacta sunt servanda. Precedentes.

2. "A importância cobrada a título de comissão de permanência não poderá ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato, ou seja: a) juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período de normalidade da operação; b) juros moratórios até o limite de 12% ao ano; e c) multa contratual limitada a 2% do valor da prestação, nos termos do art. 52, § 1º, do CDC". (REsp nº 1.058.114/RS e REsp nº 1.063.343/RS, Segunda Seção, Rel. p/ acórdão o Min. João Otávio de Noronha, DJe de 16/11/2010).

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1422547/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/02/2014, DJe 14/03/2014)

Quanto aos juros remuneratórios, o STJ já pacificou entendimento em julgamento sujeito ao rito do art. 543-C, do CPC, de que a taxa de juros remuneratórios não está sujeita a limitação e que a revisão da taxa contratada só se dá em situações excepcionais:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO.

DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO Constatada a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, foi instaurado o incidente de processo repetitivo referente aos contratos bancários subordinados ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos da ADI n.º 2.591-1. Exceto: cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial; contratos celebrados por cooperativas de crédito; contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado. Para os efeitos do § 7º do art. 543-C do CPC, a questão de direito idêntica, além de estar selecionada na decisão que instaurou o incidente de processo repetitivo, deve ter sido expressamente debatida no acórdão recorrido e nas razões do recurso especial, preenchendo todos os requisitos de admissibilidade. Neste julgamento, os requisitos específicos do incidente foram verificados quanto às seguintes questões: i) juros remuneratórios;

ii) configuração da mora; iii) juros moratórios; iv) inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes e v) disposições de ofício.

PRELIMINAR O Parecer do MPF opinou pela suspensão do recurso até o julgamento definitivo da ADI 2.316/DF. Preliminar rejeitada ante a presunção de constitucionalidade do art. 5º da MP n.º 1.963-17/00, reeditada sob o n.º 2.170-36/01.

I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.

ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada ? art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descarateriza a mora;

b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual.

ORIENTAÇÃO 3 - JUROS MORATÓRIOS Nos contratos bancários, não-regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês.

ORIENTAÇÃO 4 - INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES

a) A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz;

b) A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção.

ORIENTAÇÃO 5 - DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO É vedado aos juízes de primeiro e segundo graus de jurisdição julgar, com fundamento no art. 51 do CDC, sem pedido expresso, a abusividade de cláusulas nos contratos bancários. Vencidos quanto a esta matéria a Min. Relatora e o Min. Luis Felipe Salomão.

II- JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO (REsp 1.061.530/RS) A menção a artigo de lei, sem a demonstração das razões de inconformidade, impõe o não-conhecimento do recurso especial, em razão da sua deficiente fundamentação. Incidência da Súmula 284/STF.

O recurso especial não constitui via adequada para o exame de temas constitucionais, sob pena de usurpação da competência do STF.

Devem ser decotadas as disposições de ofício realizadas pelo acórdão recorrido.

Os juros remuneratórios contratados encontram-se no limite que esta Corte tem considerado razoável e, sob a ótica do Direito do Consumidor, não merecem ser revistos, porquanto não demonstrada a onerosidade excessiva na hipótese.

Verificada a cobrança de encargo abusivo no período da normalidade contratual, resta descaracterizada a mora do devedor.

Afastada a mora: i) é ilegal o envio de dados do consumidor para quaisquer cadastros de inadimplência; ii) deve o consumidor permanecer na posse do bem alienado fiduciariamente e iii) não se admite o protesto do título representativo da dívida.

Não há qualquer vedação legal à efetivação de depósitos parciais, segundo o que a parte entende devido.

Não se conhece do recurso quanto à comissão de permanência, pois deficiente o fundamento no tocante à...

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