Acórdão nº 50081215320178210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 17-02-2023

Data de Julgamento17 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50081215320178210008
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002578921
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5008121-53.2017.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro (art. 213)

RELATOR: Desembargador LEANDRO FIGUEIRA MARTINS

APELANTE: JULIO VIDAL POLITA (RÉU)

APELANTE: GILBERTO SOUZA LEOTE (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra G. S. L. e J. V. P., afirmando que estavam incursos nas sanções do artigo 217-A, caput, combinado com os artigos 226, inciso II, e 71, caput, todos do Código Penal (CP), pela prática dos seguintes fatos descritos na peça inicial (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 2/6):

"1º FATO (ESTUPROS DE VULNERÁVEL):

Por diversas vezes, em momentos indeterminados, durante o período de tempo dos últimos meses do ano de 2015, no interior de uma residência localizada na XXXXXXXX XX XXXXXXX, XXX, no Bairro Fátima, nesta cidade de Canoas, o denunciado G. S. L. reiteradamente praticou atos libidinosos com a criança E. P. D., que tinha 9 (nove) anos de idade nessa época, ocasiões nas quais o denunciado desnudava a si e a essa menina, beijava-a lascivamente, acariciava libidinosamente o corpo da vítima, principalmente em sua genitália, esfregava-se desnudo no corpo nu da vítima de forma lasciva e encostava o seu pênis ereto na vagina da vítima.

O denunciado, que era tio do genitor da vítima (tio-avô) e também convivia maritalmente com a avó materna da vítima, iniciou a prática de atos de pedofilia contra essa criança desde quando ela tinha cerca de cinco anos de idade, em uma época em que residiam na cidade de Triunfo, ocasiões nas quais, o denunciado dissimuladamente manipulava libidinosamente os seios, a vagina e as nádegas dessa menina.

Posteriormente, quando essa criança tinha nove anos de idade e esporadicamente era confiada aos cuidados do denunciado em sua casa, este prevalecia-se do fato de que exercia autoridade e temor reverencial sobre ela, sendo que nas ocasiões em que ficava a sós com essa menina, frequentemente conduzia-a até um quarto, desnudava a si e a essa menina, beijava-a lascivamente, acariciava libidinosamente o corpo da vítima, principalmente seus seios, vagina e nádegas, encostava-se desnudo no corpo nu da vítima de forma lasciva e encostava o seu pênis ereto na vagina da vítima.

Esses atos de pedofilia somente cessaram quando familiares da vítima descobriram que o denunciado vinha praticando atos sexuais com essa criança e comunicaram os fatos em uma Delegacia de Polícia, onde essa criança foi encaminhada a uma perícia de avaliação psíquica perante o Departamento Médico-Legal, cujo laudo concluiu pela existência de sintomas que aferiam credibilidade a sua narrativa e confirmavam ter sido ela vítima de violência sexual.

2º FATO (ESTUPROS DE VULNERÁVEL):

Por diversas vezes, em momentos indeterminados, durante o período de tempo que transcorreu de medos de outubro de 2015 ao final de março de 2016, no interior de uma residência localizada na XXX XXXXXXXXXX, XXXX/XXX, no Bairro Rio Branco, nesta cidade de Canoas, o denunciado J. V. P. reiteradamente praticou atos libidinosos com a criança E. P. D., que tinha sucessivamente 9 (nove) anos e 10 (dez) de idade nessa época, ocasiões nas quais o denunciado manipulava libidinosamente o corpo da vítima, principalmente os seus seios, vagina e nádegas, por dentro da roupa, desnudava a si e a essa menina, esfregava-se desnudo no corpo nu da vítima de forma lasciva e encostava o seu pênis ereto na vagina da vítima.

O denunciado era tio materno da vítima e morava na mesma casa da família da vítima, onde compartilhava o mesmo dormitório com a vítima e os irmãos menores desta. O denunciado prevalecia-se do fato de que exercia autoridade e temor reverencial sobre essa criança, para, nas ocasiões em que restava a sós com essa criança em casa, rotineiramente submetê-la à prática dos atos libidinosos descritos acima, principalmente durante um período de tempo em que o padrasto da vítima permaneceu internado em um hospital e a mãe da vítima necessitou assisti-lo no hospital e permaneceu, por um longo tempo intermitente, afastada de casa.

Esses atos de pedofilia somente cessaram quando familiares da vítima descobriram que o denunciado vinha praticando atos sexuais com essa criança e comunicaram os fatos em uma Delegacia de Polícia, onde essa criança foi encaminhada a uma perícia de avaliação psíquica perante o Departamento Médico-Legal, cujo laudo concluiu pela existência de sintomas que confirmavam ter sido ela vítima de violência sexual" (adaptado).

Recebida a denúncia em 17/11/2017 (evento 3, PROCJUDIC2, fls. 18/19) e produzida a prova, a pretensão, nos seguintes termos, foi julgada procedente (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 36/50, e evento 3, PROCJUDIC5, fls. 1/35):

"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA para fins de CONDENAR os denunciados G. S. L. e J. V. P., como incursos nas sanções do artigo 217-A, c/c art. 226, II, diversas vezes, na forma do art. 71, todos do Código Penal Brasileiro, aplicando-lhes pena de 14 (quatorze) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, na forma do artigo art. 2, par. 1º, da Lei 8.072/90" (adaptado).

Os réus ingressaram com apelações (evento 3, PROCJUDIC5, fls. 42 e 43), sendo que foram intimados da sentença (evento 3, PROCJUDIC6, fls. 1/3).

G. S. L., em síntese, alegou que (evento 3, PROCJUDIC6, fls. 7/10): (a) a prova era insuficiente para embasar a condenação, destacando que "a vítima não conseguiu confirmar, na fase judicial, a ocorrência dos fatos abusivos referidos na etapa policial"; (b) era caso de desclassificação para a contravenção penal do artigo 65 do Decreto-Lei n. 3.688/41. Assim, pediu a absolvição ou a desclassificação.

J. V. P., em suma, sustentou (evento 3, PROCJUDIC6, fls. 12/20): (a) não existirem provas para amparar a sentença condenatória, pontuando que "o laudo da fl. 26, afirma que não há sinais de conjunção carnal ou ato libidinoso recente ou antigo"; (b) a necessidade de a conduta ser desclassificada para o delito do artigo 215-A do CP; (c) não haver documento demonstrando a relação de parentesco, devendo acontecer a exclusão da majorante do artigo 226, inciso II, do CP. Pleiteou a absolvição ou a desclassificação e a exclusão da causa de aumento de pena.

O Ministério Público, em contrarrazões, postulou o não provimento do recurso (evento 3, PROCJUDIC6, fls. 22/36).

Nesta instância recursal, a Procuradoria de Justiça lançou parecer (evento 6, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Conheço dos recursos de apelação interpostos, porquanto atendidos os requisitos previstos no artigo 593 do Código de Processo Penal (CPP).

Envolvendo a denúncia a narrativa de crimes contra a dignidade sexual, que, via de regra, não são presenciados por testemunhas, induvidoso, conforme orientação da jurisprudência, que a palavra da vítima tem peculiar relevância e capacidade para sustentar, principalmente quando amparada em outros elementos de prova, um juízo condenatório.

Nesta linha, menciono orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

“AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR (ART. 214 DO CÓDIGO PENAL, NA REDAÇÃO ANTERIOR ÀS MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI N. 12.015/2009). PLEITO ABSOLUTÓRIO. ALEGAÇÃO DE QUE A CONDENAÇÃO SE SUSTENTA EM PROVAS ILÍCITAS. INOCORRÊNCIA. PALAVRA DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA. DOSIMETRIA. PENA-BASE FIXADA CONFORME PRECEITO SECUNDÁRIO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O habeas corpus não é o instrumento jurídico adequado para apreciar pedidos de absolvição ou de readequação típica da conduta por envolver, no mais das vezes, a necessidade de examinar de modo aprofundado o conjunto probatório coletado durante a instrução.
2. O art. 155 do Código de Processo Penal veda a condenação do réu quando esta se fundamentar exclusivamente em elementos informativos colhidos na fase policial, ressalvadas as provas cautelares e não repetíveis. Entretanto, esta Corte, em reiterados julgados, tem destacado que tais elementos, quando corroborados em juízo, podem ser valorados na formação do juízo condenatório, tal como ocorreu na espécie.
3. Além disso, cumpre destacar que a jurisprudência pátria é assente no sentido de que, nos delitos de natureza sexual, por frequentemente não deixarem vestígios, a palavra da vítima tem valor probante diferenciado (REsp. 1.571.008/PE, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, Dje 23/2/2016).
4. Os fatos delituosos ocorreram em 2006. Diante disso, não prospera o argumento de que a pena-base foi estabelecida acima do mínimo legal, tendo em vista que a redação do art. 214 prevista na época dos fatos previa pena de seis a dez anos de reclusão.
5. Agravo regimental improvido” (AgRg nos EDcl no HC 657.931/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 03/05/2021 – grifou-se).

"Em delitos sexuais, comumente praticados às ocultas, a palavra da vítima possui especial relevância, desde que esteja em consonância com as demais provas acostadas aos autos" (STJ, Jurisprudência em Teses, Edição n. 151, Item 2).

A partir dessa definição e ingressando no exame do descrito na exordial acusatória, a prova produzida revela-se suficiente para embasar o decreto condenatório, ressaltando-se que, embora os atos não tenham deixado vestígios materiais em sentido estrito, essa constatação não afasta a conclusão de responsabilidade dos réus.

Neste sentido, menciono, mais uma vez, julgados do STJ:

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. RESSALVA DO ENTENDIMENTO PESSOAL DA RELATORA. CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. TESE DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. NECESSIDADE DE REAPRECIAÇÃO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA....

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