Acórdão nº 50081256620218210003 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50081256620218210003
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002313949
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008125-66.2021.8.21.0003/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATOR: Desembargador NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO

APELANTE: JOCELANE APARECIDA ALVES DOS REIS (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por JOCELANE APARECIDA ALVES DOS REIS, porquanto está inconformada com a sentença (evento 40, SENT1) proferida nos autos da ação de obrigação de fazer cumulada com pedido indenizatório ajuizada contra a COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D, cujo dispositivo restou assim redigido:

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido vinculado na inicial.

Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios em favor do patrono da requerida, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, levando em consideração o trabalho desenvolvido, a natureza singela da causa e o tempo de tramitação da demanda, de exigibilidade suspensa em virtude da AJG concedida.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Nas razões, a parte autora sustentou que a sentença merece reforma no que tangem à troca de titularidade da unidade consumidora. Asseverou que o contrato estava em nome do seu ex-sogro e que após a separação com o marido, passou a residir apenas com sua filha no imóvel onde está instalada a UC em tela. Defendeu, assim, a possibilidade de troca de titularidade. Questionou a verba honorária tarifada na sentença e pediu o provimento da apelação (evento 46 na origem).

Intimada, a concessionária ofertou contrarrazões, nas quais defendeu a manutenção da sentença (evento 50 na origem).

Os autos foram remetidos a esta Corte, indo com vista ao Dr. Ricardo Alberton do Amaral, Procurador de Justiça, que deixou de intervir (evento 08).

É o relatório.

VOTO

Encaminho voto pelo parcial provimento da apelação.

Ressalto que os autos versam sobre o fornecimento de energia elétrica pela ré, matéria que foi objeto de alteração regimental desta Corte através da Resolução nº 01/2005, publicada no DOJ do dia 18NOV05, que em seu art. 1º, modificou o inciso I do art. 11 da Resolução nº 01/98, excluindo dos contratos administrativos as demandas relativas ao fornecimento de água potável e energia elétrica, inserindo a matéria no chamado direito público não especificado.

No caso dos autos, a questão devolvida a esta Corte cinge-se à troca de titularidade de unidade consumidora. O tema vinha disciplinado na Resolução nº 414/10 da ANEEL (vigente à época dos fatos), que é um instrumento normativo que regulamenta a Lei nº 9.427/96 e fundamenta-se na Lei nº 8.987/95 (Lei das Concessões Públicas) e na própria CF-88, em seu art. 175, tratando-se de um ato administrativo geral que nas palavras de Hely Lopes Meirelles tem a seguinte definição:

Atos administrativos gerais ou regulamentares são aqueles expedidos sem destinatários determinados, com finalidade normativa, alcançando todos os sujeitos que se encontrem na mesma situação de fato abrangida por seus preceitos. São atos de comando abstrato e impessoal, semelhantes aos da lei, e, por isso mesmo, revogáveis a qualquer tempo pela Administração, mas inatacáveis por via judicial, a não ser pelo questionamento da constitucionalidade (art. 102, I, “a”, da CF).

(Direito Administrativo Brasileiro, 27ª edição, Malheiros, São Paulo, 2002).

A par disso, o fornecimento de energia elétrica é destinado aos consumidores que utilizam o imóvel para onde é disponibilizado o fornecimento. Neste aspecto, destaco o texto dos arts. 2º e 3º, da Resolução nº 414/10 da ANEEL, que é a legislação de regência à hipótese concreta:

Art. 2º Para os fins e efeitos desta Resolução são adotadas as seguintes definições:

(...);

XVII – consumidor: pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, legalmente representada, que solicite o fornecimento, a contratação de energia ou o uso do sistema elétrico à distribuidora, assumindo as obrigações decorrentes deste atendimento à(s) sua(s) unidade(s) consumidora(s), segundo disposto nas normas e nos contratos, sendo:

a) consumidor especial: agente da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, da categoria de comercialização, que adquire energia elétrica proveniente de empreendimentos de geração enquadrados no § 5º do art. 26 da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, para unidade consumidora ou unidades consumidoras reunidas por comunhão de interesses de fato ou de direito cuja carga seja maior ou igual a 500 kW e que não satisfaçam, individualmente, os requisitos dispostos nos arts. 15 e 16 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995;

b) consumidor livre: agente da CCEE, da categoria de comercialização, que adquire energia elétrica no ambiente de contratação livre para unidades consumidoras que satisfaçam, individualmente, os requisitos dispostos nos arts. 15 e 16 da Lei nº 9.074, de 1995; e

c) consumidor potencialmente livre: aquele cujas unidades consumidoras satisfazem, individualmente, os requisitos dispostos nos arts. 15 e 16 da Lei nº 9.074, de 1995, porém não adquirem energia elétrica no ambiente de contratação livre.

(...);

LXXIII – solicitação de fornecimento: ato voluntário do interessado na prestação do serviço público de fornecimento de energia ou conexão e uso do sistema elétrico da distribuidora, segundo disposto nas normas e nos respectivos contratos, efetivado pela alteração de titularidade de unidade consumidora que permanecer ligada ou ainda por sua ligação, quer seja nova ou existente;

(...);

LXXXV – unidade consumidora: conjunto composto por instalações, ramal de entrada, equipamentos elétricos, condutores e acessórios, incluída a subestação, quando do fornecimento em tensão primária, caracterizado pelo recebimento de energia elétrica em apenas um ponto de entrega, com medição individualizada, correspondente a um único consumidor e localizado em uma mesma propriedade ou em propriedades contíguas;

Seção I

Da Titularidade

Art. 3º A cada consumidor corresponde uma ou mais unidades consumidoras, no mesmo local ou em locais diversos.

Parágrafo único. O atendimento a mais de uma unidade consumidora de um mesmo consumidor, no mesmo local, condiciona-se à observância de requisitos técnicos e de segurança previstos nas normas e padrões a que se refere a alínea “a” do inciso I do art. 27.

Da análise dos dispositivos legais acima transcritos e aplicáveis à espécie, conclui-se que a responsabilidade pelo pagamento da energia fornecida é do consumidor que contratou o fornecimento, seja ele proprietário, locatário, ou invasor. Nesse sentido, há muito consolidada a jurisprudência desta Corte, conforme os seguintes arestos:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DÉBITO EM NOME DE TERCEIRO. OBRIGAÇÃO PESSOAL E NÃO REAL. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO LOCADOR DO IMÓVEL. O contrato de fornecimento de energia elétrica é estritamente pessoal e irradia pretensão que só pode ser exigida de quem usufruiu o serviço. Não se liga à coisa, mas à pessoa do consumidor. Cuida-se, por evidente, de obrigação "propter personam", não havendo falar em transposição da responsabilidade para terceiros a qualquer título, salvo expressa previsão legal. Apelo desprovido. Unânime.

(AC nº 70044099547, 21ª Câmara Cível, rel. Des. Genaro José Baroni Borges, j. em 29FEV12);

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. REFATURAMENTO. DÉBITO DE TERCEIRO. RESTABELECIMENTO DO FORNECIMENTO. OBRIGAÇÃO PESSOAL. A obrigação decorrente do consumo de `luz é de caráter pessoal, e não propter rem. Assim, tal obrigação depende de contrato entre as partes, de um lado fornecedora e, de outro, o usuário. As obrigações propter rem não necessitam de contrato, para a sua exigência, bastando ser o proprietário do bem para responder pela dívida sobre este, como nas obrigações condominiais, por exemplo. Sendo obrigação pessoal, não pode a fornecedora condicionar o pagamento de dívida de terceiro, para ligar o serviço, conforme dispõe o art. §2º, do art. 4º da Resolução nº 456/00 da ANEEL. Igualmente, não é a parte autora obrigada ao pagamento do débito de responsabilidade do locador. POR MAIORIA, APELO DESPROVIDO, VENCIDO O REVISOR QUE PROVEU.

(AC nº 70039451059, 1ª Câmara Cível, rel. Des. Jorge Maraschin dos...

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