Acórdão nº 50082382920228210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50082382920228210021
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002674696
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5008238-29.2022.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Furto (art. 155)

RELATORA: Desembargadora ISABEL DE BORBA LUCAS

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RECORRIDO: MARCOS DANIEL DA SILVA TELLES (RÉU)

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra MARCOS DANIEL DA SILVA TELLES, dando-o como incurso nas sanções do artigo 155, parágrafo 4°, inciso IV, e artigo 244-B, caput, da Lei nº 8.069/90, na forma do artigo 69 do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos, assim descritos (processo 5008238-29.2022.8.21.0021/RS, evento 1, DOC1):

1° FATO

No dia 23 de dezembro de 2021, por volta da 01h50min, na Rua Morom, n° 1370, Bairro Centro, em Passo Fundo/RS, o denunciado MARCOS DANIEL DA SILVA TELLES em comunhão de esforços e conjunção de vontades com o menor infrator WILLIAM DAS CHAGAS COLONBELLI subtraiu, para si e para outrem, a motocicleta, de marca YAMAHA XTZ150 CROSSER, cor preta, placas JAF-6F05, avaliada em R$ 15.294,00 (quinze mil, duzentos e noventa e quatro reais), em prejuízo de EZEQUIEL RAASCH MOREIRA.

Na ocasião, MARCOS e seu comparsa subtraíram a motocicleta do local onde estava estacionada e passaram a empurrá-la pela rua. Na sequência, quando estavam na Rua General Osório n° 641, em frente ao Bar Dela Rua, foram abordados e presos pela Brigada Militar.

Em contato com a vítima, os policiais foram informados de que a motocicleta não estava mais no local onde havia sido deixada. Por essa razão, Marcos foi preso em flagrante e conduzido à Delegacia de Polícia.

O bem subtraído foi apreendido (auto de apreensão de ev.01 OUT01 fl.07/IP) sendo avaliado indiretamente em R$ 15.294,00 (auto de avaliação indireta ev.22 OUT01 fl.36/IP) e, posteriormente, restituído à vítima (auto de restituição de ev.22 OUT01 fl.41 /IP).

2° FATO

Nas mesmas condições de tempo e local do fato acima descrito, o denunciado MARCOS DANIEL DA SILVA TELLES corrompeu pessoa menor de 18(dezoito) anos de idade, com ele praticando infrações penais.

Na oportunidade, o denunciado corrompeu o inimputável William das Chagas Colonbelli, então com dezessete anos de idade, nascido em 13/07/2004, conforme informações da polícia civil, ao praticar com ele o furto da motocicleta, conforme fato acima descrito.

Na oportunidade, não foi proposto, pelo Parquet, o acordo de não persecução penal ao acusado (processo 5008238-29.2022.8.21.0021/RS, evento 1, DOC1).

O ilustre magistrado a quo, considerando inidôneo o não oferecimento do ANPP, determinou, de ofício, a remessa dos autos ao ilustre Procurador-Geral do Estado do Rio Grande do Sul (processo 5008238-29.2022.8.21.0021/RS, evento 4, DOC1). E o órgão superior do Ministério Público, no entanto, ratificou a manifestação defendida pelo Ministério Público de Primeiro Grau, mantendo a negativa de oferecimento do acordo (processo 5008238-29.2022.8.21.0021/RS, evento 10, DOC1).

Sobreveio decisão, datada de 09/05/2022, que rejeitou a denúncia, com base no disposto no art. 395, II, do CPP, entendendo faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal, porque inidôneo o não oferecimento do ANPP, em razão da ausência de confissão perante a autoridade policial (processo 5008238-29.2022.8.21.0021/RS, evento 13, DOC1).

O MINISTÉRIO PÚBLICO, intimado da decisão, interpôs apelação (processo 5008238-29.2022.8.21.0021/RS, evento 16, DOC1), apresentando as respectivas razões, alegando, em síntese, o não preenchimento das hipóteses de rejeição da denúncia, previstas no art. 395 do CPP. Argumentou que, segundo o artigo 1º, §1º, do Provimento nº 01/2020-PGJ, a oferta de ANPP é faculdade do Ministério Público, que avaliará se o instrumento é necessário e suficiente para a reprovação e a prevenção do crime, no caso concreto. Afirmou que a negativa de proposta, por parte do Ministério Público, na qualidade de titular da ação penal, desde que fundamentada, é ato legítimo, o qual não comporta revisão judicial.

Com base nessas considerações, requereu o provimento do recurso, para que seja recebida a denúncia, com o prosseguimento da ação penal (processo 5008238-29.2022.8.21.0021/RS, evento 21, DOC1).

Apresentadas contrarrazões, pelo desprovimento do apelo (processo 5008238-29.2022.8.21.0021/RS, evento 24, DOC1).

Nesta Corte, a apelação foi recebida como recurso em sentido estrito. Assim, foi convertido o julgamento em diligência, a fim de oportunizar o juízo de retratação pelo ilustre magistrado a quo (evento 5, DOC1).

A decisão foi mantida (processo 5008238-29.2022.8.21.0021/RS, evento 29, DOC1).

Em parecer, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Glênio Amaro Biffignandi, opinou pelo provimento do recurso (evento 12, DOC1).

Vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

Preliminarmente, observa-se que a apelação ministerial foi inicialmente recebida, nesta Corte, como recurso em sentido estrito, por acreditar-se que o recurso fora interposto contra decisão que não recebeu a denúncia, nos termos do art. 581, inciso I, do CPP. Posteriormente, porém, foi verificado que a decisão impugnada, na verdade, rejeitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público, de modo que correta a interposição do recurso de apelação, nos termos do art. 593, inciso II, do CPP, conforme jurisprudência deste Tribunal de Justiça.

Neste sentido, os seguintes julgados desta Corte:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PARTICIPAR, NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR, EM VIA PÚBLICA, DE CORRIDA, DISPUTA OU COMPETIÇÃO AUTOMOBILÍSTICA OU AINDA DE EXIBIÇÃO OU DEMONSTRAÇÃO DE PERÍCIA EM MANOBRA DE VEÍCULO AUTOMOTOR, NÃO AUTORIZADA PELA AUTORIDADE COMPETENTE, GERANDO SITUAÇÃO DE RISCO À INCOLUMIDADE PÚBLICA OU PRIVADA​.​​​​​​1. PRELIMINAR. CABIMENTO DO RECURSO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. Tratando-se de rejeição de denúncia, o recurso cabível é a apelação, e não o recurso em sentido estrito, em face do caráter de definitividade da decisão, atraindo o disposto no inciso II do art. 593 do CPP. Aplicação do princípio da fungibilidade recursal. Tempestividade. Recurso conhecido como apelação. (...) RECURSO EM SENTIDO ESTRITO RECEBIDO COMO APELO E PROVIDO. DENÚNCIA RECEBIDA.(Recurso em Sentido Estrito, Nº 50016495120208210163, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em: 28-09-2022)

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CONHECIDO COMO APELAÇÃO. INSURGÊNCIA MINISTERIAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. FUNGIBILIDADE RECURSAL. 1. EXAME DE ADMISSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. A decisão que deixa de receber a denúncia por ausência de justa causa para a persecução penal, rejeitando-a com fundamento no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal, como no caso, desafia recurso de apelação, subsumindo-se, por sua natureza, ao conceito de decisão definitiva preceituada no inciso II do artigo 593 do Código de Processo Penal. Caso concreto em que, respeitado o prazo de interposição do recurso cabível - de apelação - não verificada a existência de má-fé pelo insurgente, não havendo falar em erro grosseiro, e não estando evidenciado qualquer prejuízo para o recorrido, porquanto o recurso foi processado regularmente, com a apresentação de contrarrazões, inclusive, possível o reconhecimento da insurgência como recurso de apelação, pela aplicação do princípio da fungibilidade recursal, disposto no artigo 579 do Código de Processo Penal. (...) RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CONHECIDO COMO APELAÇÃO, QUE SEGUE PROVIDA, PARA RECEBER A DENÚNCIA E DETERMINAR O REGULAR PROSSEGUIMENTO DO FEITO. UNÂNIME. (Recurso em Sentido Estrito, Nº 50014399520218210023, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Viviane de Faria Miranda, Julgado em: 26-09-2022)

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO RECEBIDO COMO APELAÇÃO. FUNGIBILIDADE. HOMICÍDIO QUALIFICADO, OCULTAÇÃO DE CADÁVER E ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO DE DROGAS. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O EXERCÍCIO DA AÇÃO PENAL. 1. Considerando que o decisum que rejeita (e não deixa de receber apenas) a denúncia tem caráter definitivo, pois põe fim à relação processual, desafia o manejo da apelação e não o recurso em sentido estrito – art. 593, inciso II, do CPP. Aplicação do princípio da fungibilidade recursal, com observância do quinquídio legal. Precedentes. (...) RECURSO IMPROVIDO. UNÂNIME.(Recurso em Sentido Estrito, Nº 50119347520188210001, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado em: 28-07-2022)

(Suprimi e grifei)

Portanto, torno sem efeito a decisão que recebeu a apelação como recurso em sentido estrito, examinando a apelação ministerial, nos devidos termos.

Observa-se, também, que este voto, além de objetivar a solução à controvérsia examinada no caso específico, busca, ainda, proporcionar maior uniformidade ao entendimento desta relatora e, mais além, se possível, deste colendo Órgão Fracionário, frente às diversas controvérsias originadas pela inclusão do instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) no ordenamento jurídico, com notáveis lacunas legislativas, que demandam interpretação judicial e consequente pacificação de jurisprudência.

Então, no mérito, a apelação deve ser parcialmente provida.

Na espécie, o recorrido foi denunciado, em 01/04/2022, como incurso nas sanções do artigo 155, parágrafo 4°, inciso IV, e artigo 244-B, caput, da Lei nº 8.069/90, na forma do artigo 69 do Código Penal, por fatos praticados em 23/12/2021.

O Ministério Público manifestou-se pela impossibilidade do oferecimento de proposta de acordo de não persecução penal, ANPP, por ausência de confissão do denunciado, perante a autoridade policial.

O ilustre magistrado a quo, considerando inidôneo...

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