Acórdão nº 50082639320228210004 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 16-02-2023

Data de Julgamento16 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50082639320228210004
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003204865
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008263-93.2022.8.21.0004/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ELISABETE CORREA HOEVELER

APELANTE: NATALIA FRANCO ARRIERA (AUTOR)

APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por NATALIA FRANCO ARRIERA contra sentença (evento 21) que julgou improcedentes os pedidos da ação revisional que move em face de BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.

Em seu apelo (evento 27) a parte autora alegou que há abusividade no percentual previsto aos juros remuneratórios. Afirmou ser indevida a cobrança de taxas/tarifas bancárias, no caso, a tarifa de cadastro, tarifa de avaliação e registro de contrato. Arguiu a caracterização do seguro prestamista como venda casada. Aduziu estar fragilizada a mora, autorizando-se o deferimento das tutelas antecipadas de manutenção da posse e abstenção da inscrição do seu nome nos arquivistas. Postulou o provimento do apelo.

A instituição financeira ré apresentou contrarrazões ao evento 34.

Subiram os autos à Corte.

Vieram conclusos.

VOTO

Atendidos os requisitos de admissibilidade, recebo o presente recurso.

DO CONTRATO

Cuida-se da Cédula de Crédito Bancário n.0197520110, garantida por cláusula de alienação fiduciária, firmada pelas partes em 21 de maio de 2020 (evento 1, contrato 11).

JUROS REMUNERATÓRIOS

Os juros remuneratórios são devidos como compensação ao mutuante pela disposição do dinheiro ao mutuário, sendo lícita a sua incidência. A discussão, pois, diz respeito ao limite de tais juros e sua abusividade, ou não.

O Sistema Financeiro Nacional (SFN) tem como regra a não aplicação das restrições da Lei da Usura (Decreto nº 22.626 de 1933), em se tratando de instituições financeiras, não as sujeitando, pois, à limitação dos juros remuneratórios. Ademais, o §3º do artigo 192 da Constituição Federal, que dispunha sobre a limitação dos juros, foi revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 29/05/2003.

A jurisprudência, com o tempo, encaminhou-se, maciçamente, pela livre pactuação, com restrições pontuais em casos de prova inarredável de abusividade (Resp nº 915.572/RS). Nesse sentido a Súmula n. 382 do Superior Tribunal de Justiça:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”.

E mais recentemente, o REsp nº 1.061.530/RS - julgado de acordo com o rito dos recursos repetitivos - consolidou o posicionamento no sentido de que a taxa de juros remuneratórios somente se caracteriza como abusiva quando significativamente destoante da média do mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil (BACEN) à época da contratação.

Na sedimentação sobre o critério a ser adotado, por seu turno, também indicou o egrégio tribunal superior que a análise deve ocorrer de forma casuística.

Assim aquilatadas as diretrizes supra, entendo que no caso dos autos são regulares os juros remuneratórios pactuados (29,10% ao ano - CONTR11), porquanto não ultrapassam o dobro da taxa média de mercado estabelecida pelo BACEN para a data da contratação (19,46%a.a.1, em maio/2020), critério esse que vem sendo amplamente aceito pelo STJ.

CARACTERIZAÇÃO DA MORA

A matéria da caracterização da mora já foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme o paradigma assentado no REsp. nº 1.061.530/RS, julgado em 22/10/2008, que assim dispôs:

I. Afasta a caracterização da mora:

(i) a constatação de que foram exigidos encargos abusivos na contratação, durante o período da normalidade contratual.

II. Não afasta a caracterização da mora:

(i) o simples ajuizamento de ação revisional;

(ii) a mera constatação de que foram exigidos encargos moratórios abusivos na contratação.

Ainda, dito entendimento foi convalidado pela corte superior no Recurso Especial paradigma nº 1.639.320/SP, o qual fixou tese de que “a abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora”.

Dessa forma, no caso concreto, a mora não resta afastada, pois não revisados os encargos da normalidade contratual.

TARIFA DE CADASTRO

O egrégio STJ sedimentou entendimento no julgamento dos Recursos Especiais ns. 1.251.331/RS e 1.255.573/RS, os quais seguiram o rito dos recursos repetitivos nos termos do artigo 543-C do antigo Código de Processo Civil, no sentido de ser legal a tarifa de cadastro, consoante se verifica na seguinte tese:

“Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC:

[...]

- 2ª Tese: Com a vigência da Resolução CMN 3.518/2007, em 30.4.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pela autoridade monetária. Desde então, não mais tem respaldo legal a contratação da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador. Permanece válida a Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.”

Sedimentando a matéria, foi editada pelo egrégio STJ a Súmula n.º566, segundo a qual “Nos contratos bancários posteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008, pode ser cobrada a tarifa de cadastro no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira”

No caso dos autos, o contrato foi celebrado após 30/04/2008, data da entrada em vigor da Resolução 3.518/2007 do CMN. Sendo assim, não há falar em abusividade da tarifa de cadastro pactuada, prevista em valor razoável e cobrada no início da relação consumerista. Nesses termos, descabe falar em restituição de valores em relação a essa rubrica.

TARIFAS DE AVALIAÇÃO DO BEM E REGISTRO DE CONTRATO

Nos autos do Recurso Especial paradigma nº 1.578.553/SP, o egrégio Superior Tribunal de Justiça consolidou o posicionamento acerca das tarifas de avaliação do bem e registro de contrato. A tese foi fixada nos seguintes termos:

“2. TESES FIXADAS PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015:

[...]

2.3. Validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas a: 2.3.1. abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; e a 2.3.2. possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto”.

Tangente ao registro do contrato, não foi suscitada dúvida alguma nos autos quanto à sua realização. Presume-se prestado o serviço, destarte. De outro lado, não se verifica excesso no valor. É válida, destarte, sua cobrança.

Acerca da tarifa de avaliação, também logrou a instituição financeira demonstrar a efetiva realização do serviço (evento 15, doc.21), sendo que não se vislumbra abusividade em relação ao quantum. Não há falar em irregularidade quanto à dita rubrica, destarte.

SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA

Sobre o seguro de proteção financeira (modalidade de seguro prestamista), inicialmente cumpre referir que inexiste vedação, seja no âmbito de regulação bancária, seja em sede legislativa, à contratação vinculada ao financiamento bancário. Ou seja, há liberdade às partes para, querendo, estabelecer seguro para cobertura de evento morte, invalidez, despedida involuntária, perda de renda para profissionais autônomos etc.

Contudo, o que não ultrapassa filtro legal, em razão da venda casada vedada pelo Código de Defesa do Consumidor2, é a eventual imposição, pela credora fiduciária, de adesão a seguro oferecido por seguradora do seu grupo econômico (ou outra seguradora por si indicada). Assim agindo, a instituição financeira injustificadamente amplia o serviço inicialmente desejado pelo consumidor, bem como retira deste a possibilidade de procurar oferta mais vantajosa no mercado.

Nessa ratio foi sedimentada a jurisprudência no egrégio Superior Tribunal de Justiça, com a força de resolução de recursos repetitivos, em sede do Recurso Especial paradigma nº 1.639.320/SP. A tese foi fixada no seguinte sentido:

“Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada”.

In casu, entendo que logra êxito o autor ao postular a configuração da venda casada.

Isso porque não se extrai do contrato qualquer elemento que pudesse informar ao consumidor sobre a sua liberalidade quanto à adesão ao seguro; há mera imputação do valor do prêmio na Cédula de Crédito Bancário, juntamente às demais taxas/tarifas (CONTRA11 - evento 1). Vale referir que não há...

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