Acórdão nº 50082963620208210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 24-11-2022

Data de Julgamento24 Novembro 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50082963620208210010
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003018253
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008296-36.2020.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Processo Administrativo Disciplinar ou Sindicância

RELATOR: Desembargador NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO

APELANTE: CESAR ANDRE WEGNER (AUTOR)

APELADO: MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por CESAR ANDRE WEGNER, uma vez que está inconformado com a sentença que julgou improcedente o pedido formulado na ação de conhecimento por ele ajuizada contra o MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL, pretendendo a anulação do ato administrativo que o exonerou, bem com a sua reintegração ao cargo que ocupava, bem como o pagamento de diferenças vencimentais decorrentes do exercício de cargo público em desvio de função (87.1).

Em suas razões, sustentou que à época da demissão estava sofrendo com o alcoolismo, doença que era de conhecimento do Município, que agiu de forma equivocada e violando o seu direito social, previsto no art. 6º da CF. Referiu que a sindicância instaurada se limitou à análise objetiva das faltas, aplicando consequente pena de demissão, entretanto, não há nos autos elementos que demonstrem o animus abandonandi, já que estava buscando tratamento médico e sua última licença havia terminado recentemente, mas ainda não estava em condições de laborar. Afirmou ser evidente a inércia da Administração Pública, pelo que não adotou providências concretas, inclusive para fins de concessão de auxílio-doença. Asseverou que cabe ao Poder Judiciário examinar a legalidade formal do PAD, o que certamente, não houve, inclusive, em razão da condição da sua capacidade civil e laboral. Por fim, defendeu a ocorrência de desvio de função, pois nomeado para o cargo de Pedreiro mas exercia as atividades de Motorista, cargo de maior complexidade, situação que enseja o pagamento de diferenças vencimentais, na forma da Súmula nº 378 do STJ. Pediu o provimento da apelação (96.1).

Intimado, o ente municipal ofertou contrarrazões pugnando pela manutenção da sentença (99.1).

Os autos foram com vista à Drª. Cristiane Todeschini, Procuradora de Justiça, que opinou pelo improvimento da apelação (7.1).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Encaminho voto pelo improvimento da apelação.

De início, como sempre digo em meus votos ao analisar a relação entre o servidor e a administração, o que não é diferente neste caso concreto, a Administração é livre para organizar o quadro de seus servidores em virtude da estrutura do Direito Administrativo se fundar na perspectiva de que as relações mantidas entre a Administração e seus funcionários não se baseiam em qualquer vínculo puramente privado, dito contratual; no âmbito da Administração todas as relações com os servidores são marcadas pela natureza institucional do vínculo. A propósito disso, é importante referir que “o Estado, ressalvadas as pertinentes disposições constitucionais impeditivas, deterá o poder de alterar a legislativamente o regime jurídico de seus servidores, inexistindo a garantia de que continuarão sempre disciplinados pelas disposições vigentes quando de seu ingresso. Então, benefícios ou vantagens, dantes previstos podem ser ulteriormente suprimidos. Bem por isso, os direitos que deles derivem não se incorporam integralmente, de imediato, ao patrimônio jurídico do servidor... (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 28ª Ed, p. 286).

Em segundo lugar, destaco que a Administração, ao contrário do que sucede com os particulares, só pode atuar conforme a lei (art. 37 da CF-88 e 19 da CE-89). É a materialização do que a doutrina e a jurisprudência chamam de primado da legalidade, consoante a lição de Hely Lopes Meirelles, in verbis:

A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e dele não pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil ou criminal, conforme o caso.

(...).

Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”. (in Direito Administrativo Brasileiro, 30ª edição, p. 87-8).

Em terceiro lugar, a atuação administrativa também deve se pautar pelo respeito ao princípio da proporcionalidade (razoabilidade), mesmo não estando expresso diretamente em quaisquer dos artigos da CF-88, opera como critério de interpretação inseparável da Constituição e de aplicação obrigatória pelo administrador em seu agir, estando agora inserido expressamente no art. 19 da CE-89.

No caso dos autos, o apelante era servidor público do Município de Caxias do Sul e ocupava o cargo de Pedreiro, antes de ser demitido pelo fato de ter registrada mais de 30 faltas faltas consecutivas não justificadas (8.14, fls. 12-6 e 8.15, fl. 9), configurando, assim, o abandono de cargo público, na forma prevista no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos do Município de Caxias do Sul:

LC-CS Nº 3.673/91

Artigo 241. São deveres dos servidores:
I - manter assiduidade;

(...)

Artigo 242. Ao servidor é proibida qualquer ação ou omissão capaz de comprometer a dignidade e o decoro da função pública, ferir a disciplina e a hierarquia, prejudicar a eficiência do serviço, causar dano à Administração Pública, e especialmente:
(...)
XlV - deixar de comparecer ao serviço sem causa justificada;

(...)

Art. 257. Será aplicada a pena de demissão nos casos de:
III - abandono de cargo, caracterizado pelo não-comparecimento do servidor por mais de trinta (30) dias consecutivos, sem permissão legal;

Contextualizada a controvérsia, cumpre realçar que o mérito das decisões proferidas nos autos do procedimento administrativo não poderão ser alvo de análise pelo Poder Judiciário. Logo, os fundamentos que embasaram a demissão por abandono de cargo, salvo a existência de ilegalidade ou abuso de poder, não serão objeto do mérito desta demanda judicial.

No ponto, serve precedente ilustrativo do e. Superior Tribunal de Justiça:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. TÉCNICO DA RECEITA FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. MANIFESTAÇÃO EXPRESSA ACERCA DOS TÓPICOS. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO. ART. 142 DA LEI 8.112/90. PRAZO QUINQUENAL. INTERRUPÇÃO. REINÍCIO DA CONTAGEM. PORTARIA INAUGURAL. PRESCINDIBILIDADE DA DESCRIÇÃO MINUCIOSA DA IMPUTAÇÃO. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. DISPENSABILIDADE NO PROCEDIMENTO PRELIMINAR. ALEGAÇÃO DE NULIDADE QUE EXIGE A DEMONSTRAÇÃO DE EVENTUAL PREJUÍZO. PRODUÇÃO DE PROVAS. VIA INADEQUADA AO REEXAME. INCURSÃO NO ART. 117, IX, DA LEI N. 8.112/90. DEMISSÃO. VINCULAÇÃO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
[...]
4. A Portaria de instauração do Processo Administrativo Disciplinar dispensa a descrição minuciosa da imputação, exigida tão somente após a instrução do feito, na fase de indiciamento, o que é capaz de viabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa. Precedentes.
5. O STJ entende que as irregularidades apontadas no processo disciplinar devem afetar as garantias do devido processo legal para justificarem a anulação deste, dependendo, portanto, da efetiva demonstração de prejuízos à defesa do servidor, segundo o princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief).
6. A ação mandamental não constitui via adequada para o reexame das provas produzidas em processo administrativo disciplinar, tampouco à revisão do juízo de valor que a autoridade administrativa faz sobre elas, ressalvada a avaliação do grau de proporcionalidade da pena aplicada (MS 13.771/DF, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, DJe 02/06/2015).
7. Conforme a jurisprudência desta Corte Superior, uma vez incurso o servidor público no art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90, não resta à autoridade competente para a aplicação da penalidade no âmbito administrativo qualquer juízo de discricionariedade a autorizar pena diversa da demissão.
8. Embargos de declaração rejeitados.
(EDcl-MS 11.493-DF, 3ª Seção, rel.
Ministro Nefi Cordeiro, j. em 09MAI18) - suprimi e grifei.

As irresignações do servidor recorrente, porém, lastreiam-se no mérito administrativo, não havendo demonstração da ilegalidade no ato de demissão, sendo digno de destaque a presunção que milita em seu desfavor, face à legitimidade presumida dos atos administrativos.

O que pretende o apelante, ao fim e ao cabo, é rediscutir, na esfera do Poder Judiciário, o julgamento do processo administrativo e a penalidade aplicada e sobre a impossibilidade da rediscussão do mérito administrativo, cito o seguinte precedentes desta Corte de Justiça, senão vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE SÃO LEOPOLDO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL OBSERVADO . 1. Decadência inexistente na hipótese, porquanto somente desde a data em que tomou conhecimento da falta o Município, é que teve início o prazo de cinco anos para a revisão administrativa. Precedente. 2. O controle jurisdicional dos atos administrativos limita-se à análise de sua legalidade e legitimidade de sua motivação, sendo vedado ao Estado-Juiz que se...

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