Acórdão nº 50084892920218210006 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 30-08-2022

Data de Julgamento30 Agosto 2022
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50084892920218210006
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002573133
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008489-29.2021.8.21.0006/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATORA: Desembargadora ANA PAULA DALBOSCO

APELANTE: ANA MARIA DE OLIVEIRA TAVARES (AUTOR)

APELADO: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

RELATÓRIO

ANA MARIA DE OLIVEIRA TAVARES interpõe recurso de apelação em face da sentença que julgou procedentes os pedidos formulados por si contra FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, nos seguintes termos:

Diante do exposto, com base no artigo 487, inciso I, do CPC, julgo procedentes os pedidos formulados por ANA MARIA DE OLIVEIRA TAVARES em desfavor de FACTA FINANCEIRA S/A CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, para, na cédula de crédito bancário ora revisada, afastar a mora e fixar os juros remuneratórios em 22,75% ao ano, correspondente à taxa média divulgada pelo Banco Central para o período da contratação.

Frisa-se que a presente revisão deverá retroagir até o início da contratação entabulada entre as partes.

Restam mantidos os demais termos do contrato.

Os valores eventualmente cobrados a maior, corrigidos pelo IGP-M, serão compensados no eventual débito do autor ou devolvidos na forma simples, caso a dívida já tenha sido quitada.

Sucumbente, condeno o réu ao pagamento das custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono da parte autora, que fixo em 10% do valor atualizado da causa, diante da natureza da ação e do trabalho realizado no feito (artigo 85, §2º, do CPC).

Interposto recurso de apelação, proceda-se na forma do artigo 1.010 e seus parágrafos do CPC, com a intimação do apelado para contrarrazões e remessa dos autos ao egrégio TJRS, independentemente do juízo de admissibilidade.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões, a parte autora alega que não se pode compensar dívida ainda não vencida, consoante o disposto no artigo 369 do Código Civil. Pugna ainda pela majoração dos honorários, por apreciação equitativa.

Apresentadas contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Os pressupostos de admissibilidade foram atendidos.

O recurso de apelação é próprio, há interesse e legitimidade para recorrer. Aliado a isso, foi apresentado tempestivamente e dispensado de preparo. Não há, por outro lado, nenhum fato extintivo ou modificativo do direito de recorrer.

Assim, conheço do recurso, o qual passo a analisar.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Trata-se a presente demanda de ação revisional do contrato de empréstimo pessoal consignado nº 4925784, na qual a sentença julgou procedentes os pedidos e a parte autora, em recurso de apelação, insurge-se, alegando que não se pode compensar dívida ainda não vencida e defende a majoração dos honorários advocatícios.

Dito isso, passo ao exame da insurgência recursal.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Este colegiado, com a convicção de que se está frente à relação de consumo, entende aplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados com instituições financeiras, como na espécie, na esteira de maciça jurisprudência e da Súmula 297 do STJ: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Paralelo a isso, impende referir que é pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de, em havendo indícios de abusividade, ser possível a apreciação do contrato e de suas cláusulas com o intuito de afastar eventuais ilegalidades, mesmo em face das parcelas já pagas, em homenagem ao princípio que impede o enriquecimento sem causa, sendo inclusive prescindível a discussão a respeito de erro no pagamento.

A única ressalva a respeito do tema, contudo, é a inadmissibilidade de revisão ex officio das cláusulas contratuais consideradas abusivas, ainda que incidentes as regras do Estatuto Consumerista na espécie, na exegese da Súmula nº 381 da Corte Superior: Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.

Destarte, tem-se por possível a revisão da relação contratual havida entre as partes, limitada, entretanto, às questões suscitadas pela parte interessada.

COMPENSAÇÃO DO INDÉBITO. DECORRÊNCIA LEGAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. PARCELAS VINCENDAS. IMPOSSIBILIDADE.

Nas ações revisionais, como aqui em exame em que reconhecidas cláusulas abusivas, perfeitamente possível a ocorrência de pagamento de valores a maior por parte do consumidor demandante. A compensação desses valores pagos a mais e o montante do débito persistente é decorrência natural da revisão.

Tal postulado decorre de uma combinação entre o que preveem os artigos. 876 e 940 do Código Civil

Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

A compensação, como se observa, decorre da vontade da lei e independe de convenção entre as partes, e tem efeitos, mesmo com a oposição de uma delas. Neste sentido a jurisprudência da nossa Corte:

APELAÇÕES CÍVEIS. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL.

(...)

ENCARGOS DO INADIMPLEMENTO DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. ACERCA DA POSSIBILIDADE DE DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA E AFASTAMENTO DOS ENCARGOS DELA DECORRENTES, EXISTEM ORIENTAÇÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EXTRAÍDAS DO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL N. 1.061.530/RS. NO CASO, POR DECORRÊNCIA LÓGICA, O RECONHECIMENTO DA ABUSIVIDADE CONTRATUAL IMPLICA DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA ATÉ O RECÁLCULO DO MONTANTE DA DÍVIDA, BEM COMO A INEXIGIBILIDADE DOS ENCARGOS DE MORA, NOS TERMOS DA SENTENÇA. NO PONTO, APELO DA RÉ DESPROVIDO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO/COMPENSAÇÃO DE VALORES. ESTABELECE O ART. 876, CAPUT, DO CC QUETODO AQUELE QUE RECEBEU O QUE LHE NÃO ERA DEVIDO FICA OBRIGADO A RESTITUIR (...). PORTANTO, HAVENDO PAGAMENTO A MAIOR, CONSIDERANDO A SOLUÇÃO TOMADA NO PROCESSO JUDICIAL, SÃO DEVIDAS A COMPENSAÇÃO E A REPETIÇÃO DO INDÉBITO, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 368 E 876 DO CCB. EM RESPEITO AOS PRINCÍPIOS QUE VEDAM O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA E A RESTITUIÇÃO INTEGRAL, CABÍVEL A COMPENSAÇÃO DE VALORES E A REPETIÇÃO DO INDÉBITO A SER EFETIVADA ENTRE AS PARCELAS PRESTADAS INEFICAZMENTE PELO CONSUMIDOR E O EVENTUAL DÉBITO PENDENTE EM RAZÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS CELEBRADOS COM O FORNECEDOR. ASSINALE-SE, AINDA, QUE ESTÃO PREENCHIDOS OS REQUISITOS DO INSTITUTO, POIS OS OBJETOS DAS PRESTAÇÕES RECÍPROCAS TÊM IGUAL NATUREZA, DECORRENDO A COMPENSAÇÃO DE CAUSA LEGAL, EVITANDO-SE O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO FORNECEDOR QUE RECEBEU INDEVIDAMENTE QUANTIAS DECORRENTES DE CLÁUSULAS INVÁLIDAS. TAL REPETIÇÃO, NO ENTANTO, É CABÍVEL NA FORMA SIMPLES. OCORRE QUE, EM RECENTE DECISÃO, A CORTE ESPECIAL DO STJ APROVOU TESE NO SENTIDO DE QUE A RESTITUIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO (PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 42 DO CDC) INDEPENDE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO DO FORNECEDOR QUE COBROU VALOR INDEVIDO, REVELANDO-SE CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA. ENTRETANTO, TRATANDO-SE DE DEMANDA REVISIONAL, TAL ENTENDIMENTO NÃO SE APLICA, UMA VEZ QUE ATÉ A DECISÃO QUE REVISA O CONTRATO O DÉBITO MOSTRA-SE HÍGIDO,...

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