Acórdão nº 50085509320218210003 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50085509320218210003
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001549277
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008550-93.2021.8.21.0003/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: ADEJERSON ABSON DE FREITAS (AUTOR)

APELADO: BANCO OLE CONSIGNADO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por ADEJERSON ABSON DE FREITAS em face da sentença que julgou improcedente a pretensão deduzida na ação de obrigação de fazer ajuizada contra BANCO OLÉ CONSIGNADO S.A., cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos (Evento 26):

“[...] Diante do exposto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE a presente ajuizada por ADEJERSON ABSON DE FREITAS em face de BANCO OLE BONSUCESSO CONSIGNADO S.A..

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais vão fixados em 12% sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, § 2º, do CPC. Suspendo a exigibilidade do pagamento por litigar sob o pálio da gratuidade da justiça.

Em face da nova sistemática do Código de Processo Civil, e diante da inexistência de juízo de admissibilidade (art. 1010, § 3º do NCPC), em caso de interposição de recurso de apelação, proceda-se na intimação da parte apelada para que apresente contrarrazões, querendo, no prazo de 15 dias. Decorrido o prazo, subam os autos ao E. Tribunal de Justiça do Estado do RS.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões recursais, a parte apelante sustenta que a contratação é abusiva e que o cartão de crédito sequer foi desbloqueado. Refere que não há data final para quitação das faturas, o que caracteriza prejuízo excessivo ao consumidor, uma vez que a dívida se torna impagável. Colaciona precedentes desta Corte. Menciona que o banco réu não juntou aos autos a integralidade das faturas. Requer seja convertido o contrato de cartão de crédito consignado em empréstimo consignado tradicional. Pleiteia a devolução em dobro dos valores pagos a maior. Postula a inversão dos ônus sucumbenciais e a majoração dos honorários advocatícios. Postula o provimento do presente recurso (Evento 30).

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 33.

É o relatório.

VOTO

A presente apelação, interposta pela parte autora no Evento 30 é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 12/11/2021 e findou em 03/12/2021 (Evento 27), sendo que o recurso foi interposto no dia 11/11/2021 (Evento 30). Além disso, a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária (Evento 3), sendo dispensada do pagamento do preparo.

Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.

RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos1.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

Inicialmente, cabe destacar que é objeto da presente demanda o contrato de cartão de crédito consignado nº 00149405824, o qual ensejou os descontos a título de reserva de margem consignável (RMC) no benefício previdenciário auferido pela parte demandante, nº 150.573.311-9 (Evento, CHEQ6).

Compulsando os autos, nota-se que a parte autora ajuizou a presente ação de obrigação de fazer, alegando que lhe foi imposta pelo banco réu a contratação de cartão de crédito consignado quando possuía intenção de pactuar empréstimo consignado. Postulou, em razão do alegado, a conversão do contrato de cartão de crédito consignado para empréstimo consignado, bem como, a repetição em dobro do indébito.

O banco réu, em contestação, sustentou ter sido firmado pela parte demandante contrato de cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha de pagamento, defendendo a validade do negócio jurídico entabulado entre as partes, ao argumento de que a parte autora possuía ciência acerca dos termos da contratação. Requereu a improcedência da demanda.

A sentença recorrida julgou improcedente a demanda.

Tecidas estas considerações iniciais sobre a contratação discutida nos autos, passo à análise do mérito propriamente dito.

Pois bem.

Oportuno referir que a reserva de margem consignável (RMC) foi instituída pela Instrução Normativa do INSS/Decreto n° 121, de julho de 2005, sendo por ela também disciplinada, e consiste na consignação futura de descontos e/ou retenções destinados ao pagamento de empréstimos, financiamentos ou operações de arrendamento mercantil que sejam operacionalizados por meio de cartão de crédito (art. 1°, §9°2).

Sua implementação, no entanto, depende de autorização, por escrito ou por meio eletrônico, do titular do benefício, pelo que se depreende das exigências contidas nos incisos II e III do art. 3º da Instrução Normativa do INSS nº 28/2008, que teve a sua redação alterada pela Instrução Normativa do INSS nº 39/2009:

Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio; e

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência. – grifei.

Ademais, cabe ressaltar que, nos termos do disposto nos artigos 1º, §1º e 6º da lei nº 10.820/20033, com redação dada pela lei nº 13.172/2015, se possibilita aos titulares de benefícios previdenciários que estes autorizem a realização de descontos em seus benefícios para a amortização de empréstimos, no limite de 30%, e de 5% para despesas contraídas por meio de cartão de crédito e para a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.

No caso em tela, o banco réu comprovou a contratação pela parte autora do serviço de cartão de crédito consignado, acostando aos autos o “Contrato de Cartão de Crédito Consignado” (Evento 9, OUT2, p. 01-07).

Da leitura do referido contrato de cartão de crédito consignado, afere-se que, quanto ao pagamento, foi estabelecido, no item 2, que O CLIENTE expressamente autoriza o Órgão, de forma irrevogável, irretratável e irrenunciável, a proceder aos descontos em sua remuneração de valor correspondente ao mínimo da fatura mensal do cartão, que deverão perdurar até integral liquidação do saldo devedor, em favor da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT