Acórdão nº 50085682420218210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 24-11-2022

Data de Julgamento24 Novembro 2022
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50085682420218210033
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003019130
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008568-24.2021.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Reserva de Domínio

RELATORA: Desembargadora ELISABETE CORREA HOEVELER

APELANTE: LEONILDA DE FATIMA RODRIGUES DE ALMEIDA (AUTOR)

APELADO: BR AR COMERCIO DE VEICULOS LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

LEONILDA DE FÁTIMA RODRIGUES DE ALMEIDA interpôs recursos de apelação contra sentença que, em conjunto, julgou improcedente a ação de reintegração de posse e reconvenção que ajuizou, e procedente a reintegratória proposta por BR AR COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA. Assim o dispositivo do decisum de origem:

Ante ao exposto JULGO IMPROCEDENTE o pedido de reintegração de posse de nº 5008568-24.2021.8.21.0033 ajuizado por LEONILDA DE FÁTIMA RODRIGUES DE ALMEIDA ajuizado em face de BR AR COMERCIO DE VEÍCULOS EIRELI. Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios em favor dos procuradores da parte adversa, os quais fixo em R$1.000,00 (mil reais), conforme artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil, considerando o trabalho desenvolvido e a natureza da causa, com correção monetária pelo IPCA a contar desta data e juros de mora a partir do trânsito em julgado, sendo isento a exigibilidade em razão da parte autora ser beneficiária da gratuidade da justiça (evento 8, DESPADEC1).

Quanto ao processo de nº 5009462-97.2021.8.21.0033, JULGO PROCEDENTE a ação de reintegração de posse ajuizada por BR AR COMÉRCIO DE VEÍCULOS EIRELI em face de LEONILDA DE FÁTIMA RODRIGUES DE ALMEIDA, tornando definitiva a tutela de urgência deferida, consolidando a posse do veículo para a parte autora e rescindindo o contrato realizado pelas partes. Em relação à reconvenção apresentada por LEONILDA DE FÁTIMA RODRIGUES DE ALMEIDA nos autos de nº 5009462- 97.2021.8.21.0033, quanto ao pedido de reintegração de posse JULGO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, nos termos do artigo 485, V, do Código de Processo Civil. Quanto ao pedido de danos morais JULGO IMPROCEDENTE, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil. Condeno a parte ré reconvinte ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios em favor dos procuradores da parte adversa, os quais fixo em R$1.000,00 (mil reais), conforme artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil, considerando o trabalho desenvolvido e a natureza da causa, com correção monetária pelo IPCA a contar desta data e juros de mora a partir do trânsito em julgado, sendo isento a exigibilidade em razão da parte ré ser beneficiária da gratuidade da justiça (evento 52, DESPADEC1).

Apelação da ré/reconvinte Leonilda no processo nº 5009462-97.2021.8.21.0033: realizou (evento 97) resumo processual e defendeu a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Sustentou que efetuou o pagamento de 24 das 40 parcelas contratadas, sendo significativo o valor total pago de R$ 18.744,00. Asseverou que clara a possibilidade de incidência da teoria do adimplemento substancial em respeito ao princípio da boa-fé e função social do contrato. Quanto ao dano moral sublinhou que houve ato ilegal de "autotutela" praticado pela parte recorrida, o que ensejaria a condenação desta ao pagamento de indenização em valor não inferior a R$ 10.000,00. Ao final, postulou o provimento.

Apresentadas contrarrazões (evento 100) requerendo o desprovimento do apelo. A apelante se manifestou reiterando suas razões (evento 103).

Apelação da autora Leonilda no processo nº 5008568-24.2021.8.21.0033: lançou (evento 52) síntese processual e sustentou que o magistrado de origem teria deixado de observar a forma como foi realizada a retomada do veículo, dando guarida para que a recorrida continue buscando "os veículos em posse de armas de fogo e de ameaças". Aduziu que "comprovou o esbulho e a data da turbação" (sic), tendo preenchido os requisitos para a reintegração/manutenção de posse pleiteada. Sublinhou que teria havido "exercício de ato ilegal de autotutela praticado pelo recorrido". Finalizou postulando o provimento do apelo.

Apresentadas contrarrazões (evento 55) pela manutenção da sentença.

Ambos os autos conclusos para julgamento a este Tribunal.

VOTO

Atendidos os requisitos de admissibilidade, recebo os presentes recursos de apelação e passo ao julgamento conjunto.

A relação jurídica entre as partes está demonstrada nos autos, através do "Contrato de Repasse de Veículo nº 1329", com cláusula de reserva de domínio do veículo VW Voyage, placa MFZ 1803 (evento 1, CONT5, do processo nº 500.9462-97.2021.8.21.0033), firmado em 09.05.2018. Em dito pacto está previsto o pagamento, pela compradora Leonilda de Fátima Rodrigues de Almeida, da quantia de R$ 35.240,00, em 40 parcelas mensais consecutivas de R$ 781,00 cada, mais quatro reforços de R$ 1.000,00.

Consoante artigo 525 do Código Civil1 , a execução da cláusula de reserva de domínio está condicionada à prévia constituição do(a) devedor(a) em mora. In casu, a apelante Leonilda não se insurgiu em sede recursal quanto à regularidade da notificação extrajudicial efetivada pela empresa vendedora (demonstada no evento1, OUT8, do processo nº500.9462-97.2021.8.21.0033, através de diversos protestos), ou eventuais abusividades de encargos contratuais. Restringiu seu apelo à tese do adimplemento substancial da dívida e a forma como se deu a apreensão do veículo em liça, o que lhe ensejaria a reintegração ou manutenção da posse sobre o bem.

A recorrente alegou que adimpliu 24 das 40 parcelas ajustadas, ou seja, R$ 18.744,00, o que caracterizaria, segundo alega, a sua boa-fé contratual.

Ocorre que, quanto ao suscitado adimplemento substancial, hodiernamente o egrégio Superior Tribunal de Justiça não está convalidando a aplicação desse instituto em casos semelhantes (REsp. 1.622.555/MG), não sendo a hipótese de acolher a tese suscitada. A toda evidência, o pagamento de pouco mais de metade do valor das parcelas não autoriza o reconhecimento de óbice ao exercício da garantia pelo credor. A teoria do adimplemento substancial é de aplicação excepcional, a se configurar quando o inadimplemento é mínimo frente ao avençado, o que não ocorre no caso destes autos. Sobre o tema a jurisprudência, e.g.:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO. MORA INCONTROVERSA. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL NÃO CARACTERIZADO.O credor tem o direito de reaver o bem objeto de contrato com reserva de domínio, uma vez caracterizada a mora do devedor. Restando demonstrada a regular constituição do devedor em mora mediante protesto do título, nos termos do art. 525 do Código Civil, é cabível a a reintegração de posse. Havendo considerável saldo devedor, com praticamente a metade das parcelas em aberto, não há falar em adimplemento substancial da dívida. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação Cível, Nº 50002764320198210155, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em: 28-10-2021)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESERVA DE DOMÍNIO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. 1. Demonstrada a constituição do devedor em mora, nos termos do artigo 525 do Código Civil, viável a imediata retomada, por parte da credora, do bem objeto do contrato de compra e venda com cláusula de reserva de domínio celebrado entre as partes. 2. Nos termos da Súmula n. 380 do STJ, a mera discussão acerca das cláusulas do contrato não obsta a caracterização da mora do devedor, impondo-se a demonstração da cobrança indevida, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito dos Tribunais Superiores, conforme tese definida também pelo Egrégio STJ por ocasião do julgamento do REsp n. 1.061.530/RS, submetido à sistemática dos recursos repetitivos. 3. O pagamento de pouco mais da metade do débito não configura o adimplemento substancial da obrigação que pressupõe que a parcela faltante seja realmente ínfima, muito próxima do que regularmente se esperaria. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 70082215039, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mário Crespo Brum, Julgado em: 29-08-2019)

Nesses termos, andou bem o magistrado a quo ao prover o pleito de reintegração de posse do credor e, por consequência, desprover o da apelante.

Tangente a forma como o credor agiu inicialmente na busca pela retomada do veículo, em que pese censurável, como se verá adiante, tem-se que, ao final e no seguimento, a posse que atualmente detém a empresa credora é legítima, pois decorrente do cumprimento de liminar judicial, deferida nos autos da reintegração de posse nº 500.9462-97.2021.8.21.0033 (evento 11), por mandado (eventos 25 e 27).

Nessa senda, nada a retificar na sentença vergastada quanto às postulações possessórias sobre o bem objeto do pacto entre as partes.

Da indenização por dano moral

A recorrente Leonilda alega que no dia 03.10.2020, próximo às 16 horas, a empresa BR-AR Comércio de Veículos EIRELI-EPP, através de seus prepostos e a manu militari, levou o veículo Voyage/VW, placas MFZ 1803 (objeto do contrato de compra e venda entre as partes), da sua residência. Registrou ocorrência policial no mesmo dia, às 18h20min (evento 44, BOL12), no qual relatou que houve uma simulação de roubo, com emprego de arma de fogo.

Com efeito, a revenda de veículos não nega objetivamente que seus prepostos tenham usado de força ou simulado outra situção para a retomada do veículo. A empresa recorrida meramente aduziu que seria um "fato alheio à relação jurídica estabelecida entre as partes" e não haveria ato ilícito de sua parte. Em contrarrazões (evento 100 do processo nº 500 9462-97) sustentou que foi deferida a busca do veículo pelo Poder Judiciário e que desconheceria as pessoas envolvidas.

Não obstante, os documentos...

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