Acórdão nº 50085755920148210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50085755920148210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003250706
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008575-59.2014.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Reajuste contratual

RELATOR: Desembargador GELSON ROLIM STOCKER

APELANTE: LUCENA HARTMANN HINDRICHSON (AUTOR)

APELADO: BRADESCO SAUDE S/A (RÉU)

RELATÓRIO

LUCENA HARTMANN HINDRICHSON interpõe recurso de apelação nos autos da Ação Ordinária com Pedido de Liminar ajuizada em desfavor de BRADESCO SAUDE S/A.

Adoto o relatório da sentença (evento 22, SENT1), que transcrevo:

LUCENA HARTMANN HINDRICHSON ajuizou ação contra BRADESCO SAUDE S/A.

Relatou que é beneficiária de plano de saúde privado e que, ao completar 61 anos de idade, as mensalidades sofreram reajuste por critério tão somente etário. Alegou ter sofrido uma desvantagem exagerada. Requereu, liminarmente, a concessão de tutela antecipada para determinar a revisão e suspensão do reajuste das mensalidades do plano de saúde. Pleiteou a concessão de gratuidade judiciária. Pediu a procedência da demanda para que seja reconhecida a ilegalidade do reajuste. Juntou procuração e documentos.

Gratuidade judiciária concedida.

Deferida a medida liminar, determinando a suspensão da cobrança do reajuste da mensalidade no plano de saúde.

Citada, a ré apresentou contestação. Alegou, preliminarmente, a ocorrência de prescrição. No mérito, sustentou que a requerente figura como segurada dependente de apólice de seguro individual e que teve prévio conhecimento sobre a aplicação de reajustes no seu plano de saúde. Argumentou que todos os reajustes aplicados estão em conformidade com as condições gerais previstas no apólice, inexistindo qualquer prática abusiva ou ilegal por parte da segurada. Pediu a improcedência da demanda. Juntou documentos.

Ofício enviado à ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar para que esclareça sobre os reajustes aplicados na apólice de titularidade da Autora (ev. 03, PROCJUD2, fl. 40).

A Agência Nacional de Saúde Suplementar apresentou resposta e juntou documentos (ev. 03, PROCJUD3 e PROCJUD4).
O processo foi suspenso em razão do Recurso Especial nº 1.568.244/RJ (PROCJUD4, fl. 49).

As partes apresentaram manifestação.

Nada mais, vieram os autos conclusos.

É o relatório.

E a sentença assim decidiu em sua parte dispositiva:

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a demanda proposta por LUCENA HARTMANN HINDRICHSON contra BRADESCO SAUDE S/A, extinguindo o feito com resolução de mérito, fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Em razão da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento da integralidade das custas processuais e honorários do patrono da parte ré, que fixo em R$ 1.000,00, com fundamento no art. 85, §8º do CPC. Suspendo a exigibilidade das verbas devidas pela parte autora em razão da gratuidade judiciária deferida.

A parte autora recorre no evento 28, APELAÇÃO1. Em suas razões, historia que seu contrato foi firmado em 09/11/1995, anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 9.656/1998, pelo que deve-se seguir o que consta no contrato, de acordo com a tese firmada quando do julgamento do Tema 1.016, pelo STJ. Assevera a ilegalidade dos reajustes aplicados ao contrato da apelante, o que é confirmado pelo teor da Nota da SUSEP n.º 1307/2009/GGEFP/DIPRO. Frisa que o ônus de provar a autorização para a aplicação de reajuste etário cabe à ré, eis que i) a apelante sempre afirmou, peremptoriamente, que não autorizou o reajuste etário e ii) a apelada detém todos os documentos firmados e, portanto, caso houvesse autorização, poderia facilmente comprovar. Discorre acerca da possibilidade de aplicação do reajuste em razão da mudança de faixa etária e da variação dos custos médicos e hospitalares. Requer a reforma da decisão recorrida, a fim de que seja reconhecida a ilegalidade dos reajustes aplicados.

Dispensado de preparo o recurso, por litigar com o benefício da Gratuidade da Justiça.

O recurso foi contrarrazoado no evento 31, CONTRAZAP1. A parte apelada sustenta que, no contrato em comento, existem dois tipos de reajustes previstos, conforme se denota pela Cláusula 14 das Condições Gerais da apólice e bem reconhecidos em sentença. Afirma que todos os reajustes aplicados no contrato da apelante estão em conformidade com as Condições Gerais da Apólice, com as autorizações da ANS para os planos contratados até 01/01/1999 e não adaptados à Lei nº 9656/98 até a presente data, decisões judiciais e principalmente não ferem a Lei 10.741. Defende que o reajuste por mudança de faixa etária deve incidir no contrato do apelante, independente do reajuste anual por Variações de Custos Médicos e Hospitalares, e está previsto na Cláusula 14.2 das Condições Gerais da Apólice. Refere que , por ser a apólice anterior e não adaptada à Lei 9.656/98, não constam os percentuais de reajuste por mudança de faixa etária, pois não era uma exigência do órgão de fiscalização responsável à época da comercialização (julho/1984). Salienta que, em caso de eventual condenação da seguradora, a restituição deverá observar a prescrição trienal das parcelas a serem restituídas, conforme trata o artigo 206, §3º, IV, do CC, bem como que os juros de mora serão devidos a partir da citação, nos termos dos arts. 405 do CCB e 240 do CPC. Refere, ainda, que, diante dos temas 112 e 99, do STJ, fica estabelecida a taxa SELIC a ser aplicada a partir da citação da seguradora, a titulo de mora, não sendo permitida sua cumulação com índice de correção monetária. Requer seja negado provimento ao recurso de apelação interposto. Em caso de condenação, pleiteia, para fins de correção monetária, a aplicação da Taxa Selic desde a data da citação, e, sobre o período que anteceder à citação, seja usado como indexador de correção monetária o IPCA-E ou INPC.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 929 a 946, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto. Em não havendo preliminares arguidas, passo diretamente ao exame do mérito.

Trata-se de Ação Ordinária com Pedido de Liminar em que narra a parte autora ter aderido ao plano de saúde ofertado pela ré. Historia que, ao completar 61 anos de idade, teve o valor de sua mensalidade reajustado em função da idade, o que se repetiu aos 62 anos.

A parte ré, por sua vez, argumenta da legalidade e ausência de abusividade nos reajustes implementados, pois estão em conformidade com as condições gerais previstas no apólice, inexistindo qualquer prática abusiva ou ilegal por parte da segurada.

DIRETRIZES GERAIS APLICADAS AOS PLANOS DE SAÚDE INDIVIDUAIS, FAMILIARES OU COLETIVOS, RELATIVAMENTE AOS PERCENTUAIS DE REAJUSTE DA MENSALIDADE EM RAZÃO DA FAIXA ETÁRIA:

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) regula tanto os planos individuais/familiares quanto os coletivos (empresariais e por adesão), inclusive no que se refere ao reajuste, mas as regras para definição e aplicação são diferenciadas.

Nestes termos, diante da multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica tese de direito (validade da cláusula contratual de plano de saúde modalidade individual ou familiar, que prevê o aumento da mensalidade conforme a mudança de faixa etária do usuário), foi recebido o recurso especial como repetitivo e submetido a julgamento junto à Segunda Seção do STJ, conforme o rito dos arts. 1.036 e 1.037 do Código de Processo Civil de 2015 - CPC/2015 - Tema 952, no qual foi fixada a seguinte tese:

O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.

Neste sentido, a ementa do julgado citado:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. MODALIDADE INDIVIDUAL OU FAMILIAR. CLÁUSULA DE REAJUSTE DE MENSALIDADE POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. LEGALIDADE. ÚLTIMO GRUPO DE RISCO. PERCENTUAL DE REAJUSTE. DEFINIÇÃO DE PARÂMETROS. ABUSIVIDADE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. EQUILÍBRIO FINANCEIRO-ATUARIAL DO CONTRATO.
1. A variação das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde em razão da idade do usuário deverá estar prevista no contrato, de forma clara, bem como todos os grupos etários e os percentuais de reajuste correspondentes, sob pena de não ser aplicada (arts. 15, caput, e 16, IV, da Lei nº 9.656/1998).
2. A cláusula de aumento de mensalidade de plano de saúde conforme a mudança de faixa etária do beneficiário encontra fundamento no mutualismo (regime de repartição simples) e na solidariedade intergeracional, além de ser regra atuarial e asseguradora de riscos.
3. Os gastos de tratamento médico-hospitalar de pessoas idosas são geralmente mais altos do que os de pessoas mais jovens, isto é, o risco assistencial varia consideravelmente em função da idade. Com vistas a obter maior equilíbrio financeiro ao plano de saúde, foram estabelecidos preços fracionados em grupos etários a fim de que tanto os jovens quanto os de idade mais avançada paguem um valor compatível com os seus perfis de utilização dos serviços de atenção à saúde.
4. Para que as contraprestações financeiras dos idosos não ficassem extremamente dispendiosas, o ordenamento jurídico pátrio acolheu o princípio da solidariedade intergeracional, a forçar que os de mais tenra idade suportassem parte dos custos gerados pelos mais velhos, originando, assim, subsídios cruzados (mecanismo do community rating modificado).
5. As mensalidades dos...

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