Acórdão nº 50086226620208210019 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Primeira Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50086226620208210019
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Primeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002108626
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

21ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008622-66.2020.8.21.0019/RS

TIPO DE AÇÃO: Consulta

RELATOR: Desembargador MARCELO BANDEIRA PEREIRA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO e o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL interpõem recurso de apelação de sentença que, nos autos da medida protetiva ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, em favor de ELETE MARIA SIPPERT PINTO, julgou procedente o pedido de custeio da internação da idosa, por tempo indeterminado, em lar de acolhimento de longa permanência, devendo ser utilizado 50% do benefício da favorecida para o custeio parcial e o restante deve ficar ao encargo da filha para custeio de despesas com fraldas, medicamentos e outras necessidades da idosa. Além disso, condenou os réus ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, conforme o art. 85, §§ 3º, inc. I, § 4º, inc. III e as diretrizes do § 2º, do Código de Processo Civil (CPC). Isentos os réus do pagamento da Taxa Única de Serviços Judiciais, de acordo com a Lei Estadual nº 14.634/2014.

O Estado sustenta que, nos termos do Estatuto do Idoso (Lei nº 10741/20030 em seus arts. 3º, 11, 12, 14 e 37 (caput e § 1º), o poder público deveria prestar moradia a idoso (ou a incapaz, por analogia) somente se comprovado que este e sua família (todos os filhos e/o irmãos incluídos, forte nos arts. 1697/1698 do Código Civil (CC) não puderem fazê-lo. Assegura que os entes públicos somente podem ser condenados subsidiariamente às participações específicas do beneficiário e complementar de parentes próximos, restringindo-se a condenação do ente público à diferença entre o valor da clínica e o benefício assistencial recebido pela parte favorecida e os recursos dos seus familiares (Estatuto do Idoso, art. 35, § 2º). Ainda, assevera ser vedado recebimento, a qualquer título, sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais pelos membros do Ministério Público, com base no art. 128, §5º, II, “a” da Constituição Federal. Dessa forma, requer o provimento ao recurso. (Evento 96 do originário)

O Município sustenta que não há nos autos elementos concretos que permitem concluir a necessidade de 50% do benefício permanecer ao encargo da filha da favorecida, sendo a restrição feita de forma genérica e infundada concretamente. Alega o entendimento do Tribunal de Justiça de que a utilização do benefício previdenciário/assistencial deve ser de 70% para custear o acolhimento de idosos em ILPIs e internação compulsória. Assegura que, nos termos do art. 128, §5, II, "a", da Constituição Federal, é vedado o pagamento de honorários sucumbenciais ao Ministério Público. Dessa forma, requer parcial reforma da v. sentença para que seja autorizada a utilização do benefício previdenciário no percentual de 70% e para que seja excluída a condenação dos demandados ao pagamento de honorários advocatícios. (Evento 97 do originário)

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 100 do originário).

A Procuradoria de Justiça manifesta-se pelo conhecimento e parcial provimento dos recursos, a fim de isentar os réus do pagamento de honorários ao Ministério Público (Evento 8).

É o relatório.

VOTO

Conforme documentos contidos nos autos, especialmente o relatório do Serviço Social Judiciário, a parte autora, portadora de sequelas de acidente vascular cerebral que a deixou a sem condições de fala e mobilidade dos membros superiores muito reduzida, diante das peculiaridades da situação em que se encontrava, necessitava, e continua necessitando, de internação em Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI).

Confira-se pequeno trecho da decisão que antecipou a tutela de urgência, em 13/08/2020, determinando aos entes públicos estadual e municipal providências para o acolhimento/abrigamento da idosa em instituição de longa permanência:.

"No caso em exame, neste momento liminar, de cognição sumária, verifico preenchidos os requisitos autorizadores da tutela de urgência.

Com efeito, o Ministério Público constatou que a idosa se encontra em situação de extrema vulnerabilidade social e necessita de cuidados especiais/permanentes, causando perplexidade o fato de que uma criança de 08 anos de idade é quem coloca o medicamento na sonda que a idosa possui, inclusive por onde se alimenta."

Além disso, foi esclarecido pelo INSS, em cumprimento à determinação do juízo, que a parte autora percebia, em novembro de 2020, o valor de R$ 522,40 (metade de um salário mínimo) relativo à pensão por morte previdenciária (Evento 57, INFBEN2, Página 4), que no curso do processo, especificamente pelo estudo social, soube-se que devida à morte do seu segundo esposo.

Outrossim, porque invocada a questão no recurso apresentado pelo Estado, não obstante ter tido dez filhos do primeiro casamento, todos foram entregues a outras pessoas quando ainda crianças para "suprirem as necessidades básicas que elas necessitavam", inclusive a única filha que acabou tendo contato com a mãe somente quando adulta, e que acabou acolhendo-a, apesar de sua condição precaríssima.

Atenta-se a trechos do extenso relatório social (Evento 77) quanto às circunstâncias que giram em torno dessa filha, que conta com 33 anos de idade:

"Vive com as filhas Camille (09) e Kauane (07) em casa de alvenaria, moradia que foi reformada por pessoas sensibilizadas com as condições habitacionais da família e mobiliada por doações feitas pela igreja evangélica que Josiliete frequenta, (sic). Trabalha em uma empresa calçadista há sete anos, com renda de R$ 1.200,00 mensais.

(...)

O relato de Josiliete é que ela não tem condições de cuidar adequadamente da genitora, não tem condições financeiras para custear uma cuidadora para manter a mãe na sua residência. Segundo ela, a moradia sequer tem chuveiro com água quente, não têm as mínimas condições de manter os cuidados básicos que Elete necessita no momento,(sic). A idosa recebe R$ 500,00 mensalmente da pensão por Morte do segundo marido. Essa quantia, a qual Josiliete é responsável, ela usa para comprar fraldas e medicamentos para a genitora. Atualmente, a visita quinzenalmente."

Ainda, do segundo casamento, a parte em prol de quem se postula a providência judicial teve dois filhos, um com as dificuldades próprias da dependência química e o outro morando de aluguel em uma única peça.

Tem-se nos autos informação de que em 01/10/2020 a autora foi acolhida na Casa de Acolhimento Bom Pastor, e que aguardava transferência para uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) (Evento 25, OUT2, Página 1).

Ainda que o aspecto saúde possa ser aquele que não aparece em primeiro lugar, admitindo-se a preponderância da questão relacionada com assistência social, é inegável que ele (saúde) também está presente, visto que, a par do abrigo, e juntamente com o abrigo, necessários também os cuidados respeitantes à mantença da saúde da visada, idosa, com consequências na área de saúde, e também das compatíveis com sua longevidade, o que se acresce a sua condição social e a da referida filha, que até então tentava lhe prestar os cuidados necessários, cujas condições financeiras também são parquíssimas.

Nessas condições, não custa enfatizar que, como sabido, a responsabilidade pela saúde pública é do Poder Público, compreendido como qualquer um dos seus entes, conforme leitura dos artigos 23, II, e 196, da Constituição Federal, normas definidoras de direitos e garantias fundamentais e que têm aplicação imediata. Também, a Constituição Estadual, pelo princípio, da simetria, prevê no seu artigo 241: A saúde é direito de todos e dever do Estado e do Município, através de sua promoção, proteção e recuperação.

Relembre-se o acórdão dos Embargos de Declaração do RE 855.178/SE, em que explicitada a tese do que consolidado no Tema 793 em referência:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. DESENVOLVIMENTO DO PROCEDENTE. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DE SOLIDÁRIA NAS DEMANDAS PRESTACIONAIS NA ÁREA DA SAÚDE. DESPROVIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

2. A fim de otimizar a compensação entre os entes federados, compete à autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

3. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União. Precedente específico: RE 657.718, Rel. Min. Alexandre de Moraes.

4. Embargos de declaração desprovidos.

(RE 855178 ED, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-090 DIVULG 15-04-2020 PUBLIC 16-04-2020)

Tese de repercussão geral (Tema 793):

“Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.”

E outra não deve...

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