Acórdão nº 50086255520218212001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Turma Recursal Criminal, 27-06-2022

Data de Julgamento27 Junho 2022
Tribunal de OrigemTurmas Recursais
Classe processualApelação
Número do processo50086255520218212001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTurma Recursal Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:10019356522
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Turma Recursal Criminal

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5008625-55.2021.8.21.2001/RS

TIPO DE AÇÃO: Posse de Drogas para Consumo Pessoal (Lei 11.343/06, art. 28)

RELATORA: Juiza de Direito KEILA LISIANE KLOECKNER CATTA-PRETA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELADO: PAULO ISIDORO DE OLIVEIRA FELIX (ACUSADO)

RELATÓRIO

O Ministério Público interpôs recurso de apelação contra decisão que rejeitou a denúncia e declarou extinta a punibilidade de Paulo Isidoro de Oliveira Felix, por entender atípica a conduta. Requereu a reforma da decisão para que se dê prosseguimento ao feito.

A defesa apresentou contrarrazões.

Nesta instância, o parquet opinou pelo conhecimento do recurso e por seu provimento.

VOTO

Conheço do recurso, pois cabível e tempestivo.

Acerca da conduta relativa ao porte de substância entorpecente, já firmou esta Turma Recursal Criminal posicionamento majoritário no sentido da sua tipicidade:

APELAÇÃO-CRIME. POSSE DE DROGAS. ART. 28 DA LEI 11.343/06. CONDUTA TÍPICA. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. 1. Preliminar de inconstitucionalidade por violação do princípio da alteridade desacolhida. A disposição busca coibir a difusão da droga, resguardando a saúde pública, sem afronta a qualquer das franquias constitucionais. 2. A Lei n. 11.343/2006 não descriminalizou a conduta de porte de substância entorpecente para uso ... Ver íntegra da ementa próprio, vindo apenas a cominar novas modalidades de sanção para o tipo penal previsto em seu artigo 28, inexistindo impedimento legal a que penas restritivas de direito sejam as únicas sanções cominadas ao tipo penal. Conduta, por sinal, lesiva, por extrapolar a esfera da discricionariedade do indivíduo em causar dano próprio para atingir o coletivo. 3. Princípio da insignificância afastado. Entendimento pacificado quanto à inaplicabilidade de tal princípio no crime de posse de drogas para consumo próprio, haja vista tratar-se de delito de perigo abstrato. 4. A prova produzida, consistente no depoimento de policial militar que participou da apreensão da droga, em conjunto com a confissão do réu, mostra-se suficiente para a condenação. RECURSO DESPROVIDO, POR MAIORIA. (Recurso Crime Nº 71007787005, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Redator: Julgado em 09/07/2018)

Assim, diante do posicionamento consolidado por esta Turma Recursal e de molde a evitar desnecessária tautologia, agrego os fundamentos lançados no precedente acima invocado como razões para decidir.

De outra banda, a materialidade restou devidamente comprovada pelo boletim de ocorrência constante no evento 1 - BOC2 do Termo Circunstânciado de origem sob o nº 50043913020218212001 e pelo laudo de substância tóxica, evento nº 12 do mesmo processo.

Impositivo, portanto, sendo suficientes os indícios para amparar a pretensão acusatória e sendo típica e antijurídica a conduta, oportunizar-se o prosseguimento do feito.

Assim, voto por dar provimento ao recurso ministerial, a fim de desconstituir a decisão guerreada, com a consequente determinação de retomada da marcha processual.



Documento assinado eletronicamente por KEILA LISIANE KLOECKNER CATTA-PRETA, Juíza Relatora, em 27/6/2022, às 15:22:47, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc1g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 10019356522v18 e o código CRC 21e59022.



Documento:10020968874
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Turma Recursal Criminal

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5008625-55.2021.8.21.2001/RS

TIPO DE AÇÃO: Posse de Drogas para Consumo Pessoal (Lei 11.343/06, art. 28)

RELATORA: Juiza de Direito KEILA LISIANE KLOECKNER CATTA-PRETA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELADO: PAULO ISIDORO DE OLIVEIRA FELIX (ACUSADO)

VOTO

Acompanho a eminente Relatora, consignando, contudo, o meu posicionamento acerca da matéria, não sem antes apontar que a questão da inaplicabilidade do princípio da insignificância não é pacífica perante o STF, tal como apontado, aliás, no HC n. 202883, no qual o Ministro Gilmar Mendes sustenta o seu cabimento.

  1. RESSALVA DE POSIÇÃO:

O entendimento majoritário desta Turma Recursal é no sentido da tipicidade do art. 28 da Lei n. 11.343/06.

Ressalvo, no ponto a minha posição minoritária.

O delito tipificado no art. 28 da Lei nº 11.343/06, como é do conhecimento dos eminentes colegas, está sendo objeto de exame perante o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 635.659 centrando-se a discussão, como apontado pelo eminente Relator, Ministro Gilmar Mendes, em eventual violação às garantias constitucionais da intimidade e da vida privada, e que pode ser resumida pelo seguinte parágrafo:

“No caso agora em análise, o art. 28 é impugnado sob o enfoque de sua incompatibilidade com as garantias constitucionais da intimidade e da vida privada. Não se funda o recurso na natureza em si das medidas previstas no referido artigo, mas, essencialmente, na vedação constitucional à criminalização de condutas que diriam respeito, tão somente, à esfera pessoal do agente incriminado.”

Consigno que, embora não haja embaraço ao enfrentamento da questão sob tal prisma, não é esse o enfoque que proponho, não obstante a possibilidade de que se verifiquem pontos de contato.

1.1 DA NECESSIDADE DE UMA INTERETAÇÃO CONSTITUCIONAL:

Na lição de Juarez Freitas[1] Interpretar uma norma é interpretar o sistema inteiro; qualquer exegese comete, direta ou obliquamente, uma aplicação da totalidade do Direito”.

Assim, nenhuma interpretação pode se verificar de forma descolada dos objetivos fundamentais, princípios e fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, da CF), que não se constituem em normas desprovidas de vinculatividade.

Válido, a propósito, o que defende Juarez Freitas[2], no sentido de que:

Em outras palavras, não se deve aceitar que os objetivos fundamentais, os princípios e os fundamentos do Estado Democrático de Direito sejam confundidos com simples disposições isoladas e destituídas de qualquer vinculatividade para a hermenêutica jurídica. Decididamente, então, é de pugnar, nos limites do sistema e sem jamais atentar contra ele, pela completa superação da teoria e, principalmente da práxis, que vê as normas programáticas como sem significado jurídico, esposando-se uma visão material do dever normativo-concretizador, não apenas dos órgãos legiferantes, mas também dos órgãos aplicadores do Direito, que jamais deveriam abdicar desta função ou deste telos de dar vida ao Estado Democrático.

Não apenas isso, a interpretação constitucional, como aponta com propriedade Salo de Carvalho[3], deve atender a um processo de constitucionalização das leis:

É que a consolidação do modelo impositivista dogmático no direito (penal) induz à ignorância da força normativa da Constituição e à resignação com a aplicação mecânica das leis inferiores. Como consequência, obtém-se a manutenção da racionalidade legalista que provoca a dessubstancialização do direito, isto é, ao centrar sua análise na lei ordinária (fetichismo legalista), os aplicadores do direito mantêm eficazes normas isentas de conteúdo constitucional (inválidas materialmente), Desta forma, é comum perceber a ‘penalização’ da Constituição pela recusa do jurista ao processo de constitucionalização das leis.

A patologia que envolve o saber jurídico-penal é demonstrada com precisão por Luís Roberto Barroso: ‘(...) as normas legais têm de ser reinterpretadas em face da nova Constituição, não se lhes aplicando automática e acriticamente a jurisprudência forjada no regime anterior. Deve-se rejeitar uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional brasileira, que é a interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo.’

Dessa forma, é possível afirmar a necessidade de novo processo secularizador no direito penal, não mais voltado à separação entre direito e moral e/ou direito e natureza (processo ainda inconcluso), mas, fundamentalmente, no sentido de conferir primazia aos valores e princípios, objetivando efetivar o conteúdo constitucional das normas.”

Não é, portanto, a Constituição que deve ser lida a partir da legislação infraconstitucional, mas sim esta a partir daquela, pois, do contrário, estaríamos consagrando exacerbado positivismo, tornando válida a advertência trazida por Juarez Freitas[4]:

“A propósito, RADBRUCH foi convincente ao demonstrar que o positivismo, com sua fórmula “lei é lei”, deixou a jurisprudência e a judicatura alemãs inermes contra todas as crueldades nazistas, plasmadas pelos governantes da hora, em consonância com a forma legal.

Em outras palavras, é inadequado sustentar que se possa, numa correta postura hermenêutica, pensa r a base do Direito Positivo, por meios puramente formais, sem, de algum modo, ter de recorrer a critérios axiológicos. Por iguais e relevantes motivos, resulta plenamente inaceitável o princípio jurídico positivista de que a ordem jurídica forma uma unidade fechada, em função de cujo princípio, à feição de autômato, estaria ao juiz vedado o poder criador jurisprudencial, num pressuposto de que o poder judicial, candidamente teria função apenas reprodutiva, como se tal fosse possível, quando se sabe que a lógica jurídica é, queiramos ou não, necessariamente dialética. Não fosse assim, em equivocada perspectiva, o juiz evadir-se-ia de decisões éticas e como que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT