Acórdão nº 50086454620218212001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Turma Recursal Criminal, 27-06-2022

Data de Julgamento27 Junho 2022
Tribunal de OrigemTurmas Recursais
Classe processualApelação
Número do processo50086454620218212001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTurma Recursal Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:10018943328
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Turma Recursal Criminal

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5008645-46.2021.8.21.2001/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Juiza de Direito KEILA LISIANE KLOECKNER CATTA-PRETA

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (MINISTÉRIO PÚBLICO)

APELADO: DIOGO ORLANDO DE ALMEIDA OLIVEIRA (AUTOR FATO)

RELATÓRIO

O Ministério Público interpôs recurso de apelação contra decisão que julgou extinta a punibilidade de Diogo Orlando de Almeida Oliveira, por incurso nas sanções do art. 28 da Lei 11.343/06, por entender atípica a conduta. Requereu a reforma da decisão para que se dê prosseguimento ao feito.

A defesa apresentou contrarrazões.

Nesta instância, o parquet opinou pelo conhecimento do recurso e por seu provimento.

VOTO

Conheço do recurso, pois cabível e tempestivo.

A apelação foi interposta equivocadamente, pois o instrumento recursal adequado para atacar decisão que declara extinta a punibilidade, a teor do artigo 581, inciso VIII, do Código de Processo Penal, c/c artigo 92 da Lei n. 9.099/95, que permite aplicação subsidiária do processo penal no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, é o Recurso em Sentido Estrito.

Sobre o tema

APELAÇÃO CONHECIDA COMO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PELO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTOECENTE. ART. 28 DA LEI Nº 11.343/2006. DECISÃO REFORMADA. 1. O Recurso em Sentido Estrito é o recurso adequado para atacar decisão que decreta a extinção da punibilidade de acusado, a teor do disposto no art. 581, inc. VIII, do CPP, combinado com o art. 92 da Lei n. 9.099/95, que preceitua a aplicação subsidiária do processo penal ao Juizado Especial Criminal. 2. Aplicação do princípio da fungibilidade recursal, já que atendidos os pressupostos processuais do recurso adequado. 3. Impositiva a reforma da decisão que determina o arquivamento de Termo Circunstanciado, por entender inconstitucional o art. 28 da Lei 11.343/2006. 4. Típica se afigura a conduta de quem porta substância entorpecente, mesmo que ínfima a quantidade, o que se constitui em característica do delito em questão. 5. Não se cogita quanto à descriminalização da conduta em face do advento da lei nº 11.343/06. Com efeito, a infração tipificada no artigo 28 da Lei de Drogas se caracteriza como de menor potencial ofensivo, comportando a aplicação de penas mais brandas, dentre as quais não se insere a privação de liberdade, o que não significa dizer tenha a conduta sido descriminalizada. Impossível desconsiderar, na hipótese, que o seu cometimento configura dano à saúde pública, bem jurídico tutelado, não se abrindo espaço, portanto, para a aplicação do Princípio da Insignificância. RECURSO PROVIDO. (Recurso Crime Nº 71007107758, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Keila Lisiane Kloeckner Catta-Preta, Julgado em 27/11/2017)

Entretanto, em homenagem ao princípio da fungibilidade recursal, já que respeitado o prazo processual de cinco dias, a teor do disposto no artigo 586 do Código de Processo Penal, conheço da apelação como recurso em sentido estrito.

Acerca da conduta relativa ao porte de substância entorpecente, já firmou esta Turma Recursal Criminal posicionamento majoritário no sentido da sua tipicidade:

APELAÇÃO-CRIME. POSSE DE DROGAS. ART. 28 DA LEI 11.343/06. CONDUTA TÍPICA. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. 1. Preliminar de inconstitucionalidade por violação do princípio da alteridade desacolhida. A disposição busca coibir a difusão da droga, resguardando a saúde pública, sem afronta a qualquer das franquias constitucionais. 2. A Lei n. 11.343/2006 não descriminalizou a conduta de porte de substância entorpecente para uso próprio, vindo apenas a cominar novas modalidades de sanção para o tipo penal previsto em seu artigo 28, inexistindo impedimento legal a que penas restritivas de direito sejam as únicas sanções cominadas ao tipo penal. Conduta, por sinal, lesiva, por extrapolar a esfera da discricionariedade do indivíduo em causar dano próprio para atingir o coletivo. 3. Princípio da insignificância afastado. Entendimento pacificado quanto à inaplicabilidade de tal princípio no crime de posse de drogas para consumo próprio, haja vista tratar-se de delito de perigo abstrato. 4. A prova produzida, consistente no depoimento de policial militar que participou da apreensão da droga, em conjunto com os dados informativos da fase pré-processual, quando o réu admitiu ser usuário de entorpecentes, é suficiente, no caso, para a condenação por posse de substância entorpecente. 5. Revelia. Se o não comparecimento não implica em confissão, deixa o réu, com tal conduta, de produzir qualquer adminículo probatório que se contraponha à informação trazida pelas testemunhas que realizaram a apreensão. RECURSO DESPROVIDO, POR MAIORIA. (Recurso Crime Nº 71007008055, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Julgado em 21/08/2017) (grifei).

Inarredável, portanto, a cassação da decisão guerreada a fim de que, com o retorno dos autos à origem, dê-se o regular processamento do feito, mediante a designação de audiência preliminar.

Assim, voto por dar provimento ao recurso, desconstituindo a decisão recorrida, para que o feito tenha regular tramitação.



Documento assinado eletronicamente por KEILA LISIANE KLOECKNER CATTA-PRETA, Juíza Relatora, em 27/6/2022, às 15:22:47, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc1g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 10018943328v12 e o código CRC a13fa1d9.



Documento:10020969304
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Turma Recursal Criminal

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5008645-46.2021.8.21.2001/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Juiza de Direito KEILA LISIANE KLOECKNER CATTA-PRETA

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (MINISTÉRIO PÚBLICO)

APELADO: DIOGO ORLANDO DE ALMEIDA OLIVEIRA (AUTOR FATO)

VOTO

Acompanho a eminente Relatora, consignando, contudo, o meu posicionamento acerca da matéria, não sem antes apontar que a questão da inaplicabilidade do princípio da insignificância não é pacífica perante o STF, tal como apontado, aliás, no HC n. 202883, no qual o Ministro Gilmar Mendes sustenta o seu cabimento.

  1. RESSALVA DE POSIÇÃO:

O entendimento majoritário desta Turma Recursal é no sentido da tipicidade do art. 28 da Lei n. 11.343/06.

Ressalvo, no ponto a minha posição minoritária.

O delito tipificado no art. 28 da Lei nº 11.343/06, como é do conhecimento dos eminentes colegas, está sendo objeto de exame perante o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 635.659 centrando-se a discussão, como apontado pelo eminente Relator, Ministro Gilmar Mendes, em eventual violação às garantias constitucionais da intimidade e da vida privada, e que pode ser resumida pelo seguinte parágrafo:

“No caso agora em análise, o art. 28 é impugnado sob o enfoque de sua incompatibilidade com as garantias constitucionais da intimidade e da vida privada. Não se funda o recurso na natureza em si das medidas previstas no referido artigo, mas, essencialmente, na vedação constitucional à criminalização de condutas que diriam respeito, tão somente, à esfera pessoal do agente incriminado.”

Consigno que, embora não haja embaraço ao enfrentamento da questão sob tal prisma, não é esse o enfoque que proponho, não obstante a possibilidade de que se verifiquem pontos de contato.

1.1 DA NECESSIDADE DE UMA INTERETAÇÃO CONSTITUCIONAL:

Na lição de Juarez Freitas[1] Interpretar uma norma é interpretar o sistema inteiro; qualquer exegese comete, direta ou obliquamente, uma aplicação da totalidade do Direito”.

Assim, nenhuma interpretação pode se verificar de forma descolada dos objetivos fundamentais, princípios e fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, da CF), que não se constituem em normas desprovidas de vinculatividade.

Válido, a propósito, o que defende Juarez Freitas[2], no sentido de que:

Em outras palavras, não se deve aceitar que os objetivos fundamentais, os princípios e os fundamentos do Estado Democrático de Direito sejam confundidos com simples disposições isoladas e destituídas de qualquer vinculatividade para a hermenêutica jurídica. Decididamente, então, é de pugnar, nos limites do sistema e sem jamais atentar contra ele, pela completa superação da teoria e, principalmente da práxis, que vê as normas programáticas como sem significado jurídico, esposando-se uma visão material do dever normativo-concretizador, não apenas dos órgãos legiferantes, mas também dos órgãos aplicadores do Direito, que jamais deveriam abdicar desta função ou deste telos de dar vida ao Estado Democrático.

Não apenas isso, a interpretação constitucional, como aponta com propriedade Salo de Carvalho[3], deve atender a um processo de constitucionalização das leis:

É que a consolidação do modelo impositivista dogmático no direito (penal) induz à ignorância da força normativa da Constituição e à resignação com a aplicação mecânica das leis inferiores. Como consequência, obtém-se a manutenção da racionalidade legalista que provoca a dessubstancialização do direito, isto é, ao centrar sua análise na lei ordinária (fetichismo legalista), os aplicadores do direito mantêm eficazes normas isentas de conteúdo constitucional (inválidas materialmente), Desta forma, é comum perceber a ‘penalização’ da Constituição pela recusa do jurista ao processo de constitucionalização das...

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