Acórdão nº 50086936620188210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 24-06-2022

Data de Julgamento24 Junho 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50086936620188210010
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002302696
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008693-66.2018.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: MICHELLY CHASSOT SOMMER MOREIRA 00698150031 (AUTOR)

APELADO: REQUINTE REVISTA & EDITORA LTDA - ME (RÉU)

RELATÓRIO

MICHELLY CHASSOT SOMMER MOREIRA apela da sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada em face de REQUINTE REVISTA & EDITORA LTDA - ME. Transcrevo o dispositivo sentencial (Evento 3, SENT7, dos autos originários):

"Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE A AÇÃO, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios aos procuradores das rés, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, com base no artigo 85, § 2º do CPC/15.

Em razões a parte autora alega que contratou serviços de publicidade com a parte ré, os quais não foram cumpridos a contento e na data combinada, mesmo após insistentes cobranças e contatos com os responsáveis. Assevera que a parte ré nada comprova em seu favor, fazendo falsas alegações para justificar o atraso, especialmente com relação à greve de caminhoneiros, ocorrida em 2018. Argumenta que o contrato apenas prevê direitos em favor da parte ré, não prevendo qualquer responsabilidade em caso de descumprimento daquilo que se obrigou. Refere que na capa da revista apenas consta uma foto com tecidos, sem qualquer referência à empresa autora, nem "cenário com máquinas e produtos' que evidenciem a marca Lojas de Bibi". Argumenta que a autora era a destinatária final dos serviços, pois pretendia veicular propaganda de seus produtos e cursos na revista da parte ré, já que é uma artesã e vive do que produz, se enquadrando na condição de consumidora, à luz da teoria finalista. Refere que é notório que quando se efetua a contratação de qualquer tipo de publicidade, o que se busca é o destaque de marcas e produtos, o que não se verifica na capa da revista em questão, a qual, ainda que tivesse sido publicada no prazo previsto, resultaria inócua ao proposito ao qual se colimava. Refere que a ré lhe procurou, em sua loja de artesanato, para vender seus serviços, mas entregou algo muito diverso do que fora prometido, devendo, por tal razão, ser condenada. Argumenta que a publicidade deve ser realizada sem ampliar ou omitir informações sobre o que está anunciando, o que não foi observado pela ré, que cobrou R$ 3.000,00 por um serviço que não foi entregue como combinado e no prazo estipulado. Salienta que a greve dos caminhoneiros ocorreu após o descumprimento do prazo pela parte ré, o que foi desconsiderado pelo juízo a quo. Por tal razão, postula o provimento do recurso, a fim de que sejam julgados totalmente procedentes as pretensões autorais, com a condenação da parte ré ao pagamento de indenização pelos danos materiais e materiais decorrentes de tal conduta.

Regularmente intimado, o apelado apresentou contrarrazões (evento 3, CONTRAZ9, da origem) referindo que o apelante não comprovou os danos materiais que alegou haver sofrido. Pugna pela manutenção da sentença de improcedência por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Remetidos os autos a esta Egrégia Corte, foram inicialmente distribuídos por sorteio ao e. Desembargador Eugenio Facchini Neto, na subclasse "responsabilidade civil", tendo sido redistribuídos a esta Relatora em razão de declinação (Evento 4 destes autos).

Suscitada dúvida de competência por esta Relatora (Evento 10), a mesma foi acolhida, com enquadramento do feito na subclasse "responsabilidade civil" (Evento 13).

Remetidos aos autos ao e. Desembargador Eugenio Facchini Neto, este suscitou conflito negativo de competência junto ao Órgão Especial deste Tribunal, autuado sob o n.º 5239089-19.2021.8.21.7000 e acolhido, com definição da competência interna na subclasse "direito privado não especificado".

Os autos retornaram conclusos a esta Relatora em 03/03/2022.

É o relatório.

VOTO

O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e comporta conhecimento.

1. Pretensão de incidência do CDC ao caso concreto.

Na interpretação finalista do art. 2º do CDC, adotada em nosso ordenamento e há muito consagrada pela doutrina e jurisprudência1, entende-se por consumidor a pessoa física ou jurídica que recebe o produto ou serviço como destinatário final e sem que a utilização do mesmo se reverta em prol do incremento de atividade lucrativa.

Assim, consumidor é aquele que, além de retirar o produto da cadeia de produção, não o adquire para revenda ou uso profissional (uso econômico). Exceções a esse critério são elaboradas jurisprudencialmente, mas sempre fundamentadas na vulnerabilidade daquele que consome.

Com efeito, pode ficar eventualmente caracterizada a relação de consumo quando o adquirente, não obstante destine o produto à sua atividade produtiva, apresente-se vulnerável frente ao fornecedor.

Neste sentido, bem leciona o e. Des. Eugênio Facchini Neto, em sua obra A revitalização do direito privado brasileiro a partir do Código de Defesa do Consumidor (fls. 43/45)2:

“O CDC, como código feito para os diferentes, os vulneráveis, destina-se a tutelar os consumidores, em suas relações de consumo. O art. 2º do CDC define o consumidor como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. A pedra de toque do conceito, como se percebe, reside na expressão destinatário final. O referido conceito deu azo ao surgimento de duas correntes básicas, a maximalista e a finalista. A primeira interpreta de maneira ampliativa o referido conceito (noção de destinatário fático), ao passo que os finalistas são adeptos de uma interpretação mais restritiva (noção de destinatário econômico).

Segundo a concisa e esclarecedora lição de Adalberto Pasqualotto3, para a corrente maximalista, consumidor “seria o adquirente ou o usuário que retira o bem de circulação, independentemente da finalidade que particularmente vai atribuir-lhe. (...) Esse ato é de consumo, mesmo que o praticante seja uma empresa que venha a utilizar o produto como insumo de sua produção.”

De acordo com essa corrente, é irrelevante o fato do adquirente do bem vir a usá-lo para satisfação de necessidades pessoais (a compra de um PC para uso doméstico, por exemplo) ou profissionais (a compra de um PC por um escritório contábil). Em ambos os casos, segundo essa corrente, haveria um consumidor final.

Por outro lado, para a corrente finalista (ou subjetivista, segundo alguns), que predomina entre os consumeristas, consumidor seria somente “quem se encontra na etapa derradeira da atividade econômica”, o “destinatário final da produção”, aquele que retira definitivamente o produto de circulação e não o utilizará para produzir outros bens. A razão invocada por essa teoria é que o CDC destina-se a proteger apenas os vulneráveis, os diferentes. Na medida em que se interpretasse e aplicasse ampliativa e generosamente o CDC, a proteção diferenciada e forte aos vulneráveis restaria fragilizada, pois outros sujeitos, não vulneráveis, acabariam também por se beneficiar da tutela protetiva do CDC, esmaecendo, assim, a diferenciação entre os ‘iguais’ e os ‘diferentes’.

Na esclarecedora lição de Cavalieri4, “a corrente subjetivista sofreu certo abrandamento, na medida em que se admite, excepcionalmente e desde que demonstrada ‘in concreto’ a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica, a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor a determinados consumidores profissionais, como pequenas empresas e profissionais liberais.” Refere o mestre carioca que o STJ adotou por longo tempo a doutrina maximalista (Recursos Especiais 208.793, 329.587, 286.441, 488.274, 468.148, 445.854, 235.200, 263.229). Todavia, a partir do julgamento do REsp 541.867/BA, julgado em 2004, pela 2ª Seção, passou a prevalecer a corrente finalista, tendo sido afirmado, na ocasião, que “não há falar em relação de consumo quando a aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, tem como escopo incrementar a sua atividade comercial”. Tal entendimento passou a ser adotado desde então, como se vê do trecho da ementa do acórdão proferido no REsp n. 660.026/RJ, da 4ª Turma:

“1. No que tange à definição de consumidor, a Segunda Seção desta Corte, ao julgar, aos 10.11.2004, o REsp n. 541.867/BA, perfilhou-se à orientação doutrinária finalista ou subjetiva, de sorte que, de regra, o consumidor intermediário, por adquirir produto ou usufruir de serviço com o fim de, direta ou indiretamente, dinamizar ou instrumentalizar seu próprio negócio lucrativo, não se enquadra na definição constante no art. 2º do CDC. Denota-se, todavia, certo abrandamento na interpretação finalista das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, desde que demonstrada, in concreto, a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica.”

A razão de ser da necessidade de se manter a distinção deriva do fato de que o Código de Defesa do Consumidor inspira-se em princípios parcialmente diversos do Direito Civil clássico. Aquele surgiu para proteção dos vulneráveis, dos diferentes. Este é classicamente visto como a disciplina legal dos iguais. O paradigma da igualdade formal presidiu o Direito Civil desde a antiguidade, com recrudescimento a partir das revoluções burguesas, especialmente a francesa. Esta, com a retórica proclamação da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, pressupôs uma igualdade materialmente inexistente, diante das permanentes e acentuadas diferenças de posição social, econômica e cultural reinantes na sociedade. Já o direito do consumidor surgiu exatamente diante da constatação das diferenças que muitas vezes...

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