Acórdão nº 50087984120168210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50087984120168210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001502265
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5008798-41.2016.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATOR: Desembargador LUIZ MELLO GUIMARAES

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RECORRENTE: RAFAEL CARVALHO MURO (ACUSADO)

RECORRENTE: VOLNEI DA SILVA (ACUSADO)

RECORRIDO: OS MESMOS

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra RAFAEL CARVALHO MURO, já qualificado, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, §2º, I e IV, c/c art. 14, II, todos do CP.

Narrou a denúncia que:

No dia 02 de novembro de 2015, por volta das 19h, na Rua Oliveira Lopes, Sarandi, em via pública, nesta Capital, com emprego de arma de fogo (não apreendida), em comunhão de esforços e unidade de desígnios, os denunciados tentaram matar LUCAS DA SILVA RABELO RODRIGUES, desferindo-lhe diversos disparos, causando-lhe as lesões descritas no auto de exame de corpo de delito de fl. 80, que descreve “FAF com entrada e saída na coxa direita”, em razão da vítima estar se relacionando com a ex-namorada do denunciado Rafael, Ketlin.

O homicídio somente não se consumou por circunstâncias alheias às vontades dos denunciados, vez que a vítima buscou fugir dos tiros e dirigiu seu veículo até o batalhão da Brigada militar, buscando proteção, bem como os tiros não atingiram órgão vital, além de ter recebido pronto e eficaz atendimento médico/hospitalar.

O delito foi cometido por motivo torpe, em razão do sentimento de posse do denunciado Rafael em relação a atual namorada da vítima, KETLIN, de quem foi namorado, e não a aceita a separação.

O crime foi cometido de modo a dificultar a defesa da vítima, vez que estava aguardando a guarnição da BM, quando os denunciados, em superioridade numérica e de armas, em uma motocicleta, passaram a desferir tiros contra a vítima, que se encontrava dentro de seu veículo.

O denunciado RAFAEL CARVALHO MURO concorreu para a prática do crime ao efetuar disparos contra a vítima, bem como ao ajustar, planejar e organizar a prática do delito, além de com sua presença prestar apoio e certeza de eventual auxílio ao corréu, solidarizando-se para a prática da empreitada criminosa em todas as suas etapas.

O denunciado VOLNEI DA SILVA, concorreu para a prática do crime ao dirigir a motocicleta até o local do crime, possibilitando que RAFAEL efetuasse os disparos de arma de fogo, bem como ao ajustar a prática do delito com o corréu, além de com sua presença prestar apoio, solidarizando-se para a prática da empreitada criminosa, em todas as suas etapas.

A denúncia foi recebida e, após regular instrução, sobreveio sentença pronunciando os réus em seus exatos termos, excluídas as formas de participação de "ajustar, planejar e organizar a prática do delito, além de com sua presença prestar apoio e certeza de eventual auxílio ao corréu, solidarizando-se para a prática da empreitada criminosa em todas as suas etapas".

Inconformados, Defesa e Ministério Público recorreram em sentido estrito.

Nas razões, o parquet alega que o conjunto probatório contempla a pronúncia dos réus sob todas as formas de participação imputadas na denúncia, tecendo argumentação a respeito e pedindo a reforma da sentença nesse aspecto..

A seu turno, a Defesa alegou que não houve a prática de crime doloso contra a vida, visto que ninguém impediu a consumação de referida prática ilícita, cujo resultado (morte) inocorreu porque não era a vontade dos réus. Argumentou a respeito, abordando a prova coligida. Também se insurgiu contra a dmissibilidade das qualificadoras, que reputou não estarem minimamente caracterizadas. Requereu a desclassificação do fato ou o afastamento das elementares.

Apresentadas as contrarrazões, a decisão foi mantida.

Nesta instância, a douta Procuradoria de Justiça opina pelo desprovimento do recurso defensivo e pelo provimento do recurso ministerial.

É o relatório.

VOTO

A materialidade do fato está devidamente comprovada, conforme laudo acostado ao Evento 3, PROCJUDIC2, pág. 39, dos autos originários.

De resto, a prova oral foi bem resumida na sentença a quo, da lavra da Dra. Lourdes Helena Pacheco da Silva, que abaixo transcrevo, no ponto, como parte da presente decisão:

[...] A vítima Lucas da Silva Rabelo Rodrigues declarou, em juízo, que “[… ] Eu tinha uma namorada na época, e era perto da casa de um desses rapazes. Daí eu passei lá perto quando tô andando. Quando vê, tem um carro me seguindo. Daí eu peguei e fui em sentido à minha casa de novo. Aí, na Rua Oliveira Lopes, eu voltei pra ir pra minha casa. E daí ele pegou e bateu com o carro no meu carro. J: Ele quem? T: O Rafael. E, como o posto da Brigada é lá perto, eu fui pro posto da Brigada. Aí ele desceu do carro com uma faca de churrasco. MP: Mais ou menos de que tamanho? T: Acho que era de churrasco, mais ou menos desse tamanho. MP: Uns vinte centímetros? T: É. […] MP: Então a lâmina tinha uns vinte centímetros, mais o cabo? T: É. Daí eu não parei, fui em direção à Brigada […] E aí cheguei lá pra fazer a ocorrência e o brigadiano falou que não tinha viatura pra me guiar lá. Aí ele falou: “Aguarda não muito perto, longe”. Daí eu fiquei aguardando. Só que eu tive um pressentimento. Quando eu fui arrancar o carro assim, veio uma moto no sentido de baixo da rua, da Oliveira Lopes, e daí eu reconheci… […] E aí passaram e deram os tiros. Daí me agachei. E aí eu senti um inchume. Pegou em mim. […] MP: E quem atirou no senhor? T: Foi o carona. MP: E quem estava na moto? Era uma moto? T: Era moto. MP: Quem estava na moto? T: O Volnei dirigindo e o Rafael atrás. […] MP: O senhor já conhecia ambos? T: Sim. MP: Por que aconteceu isso? T: Porque eu namorava uma guria e ele deu… MP: Como é o nome da guria? T: A Ketlyn. E daí eu descobri que ele tava tentando falar com ela. Aí eu fui no serviço dele falar isso: “Tu não tem que fazer isso. Não é o certo.”. E aí ele me mandou eu largar de lá. Aí deu um acaso que passou algum tempo e, do nada, eu tava andando e ele me seguiu. […] MP: Ele já tinha tido algum relacionamento com a Ketrlyn? T: Não. MP: Eles estavam de capacete? T: Tavam. MP: Os dois? T: Os dois. MP: Mas tu teve certeza que eram eles? T: Sim, por causa da roupa. MP: Doutora, eu gostaria que fossem mostradas a ele as fotografias dos réus para verificar se essas pessoas aí são as que ele refere. J: Fl. 02. T: Sim, esse é o Rafael. J: Fl. 02, verso. T: O Volnei. MP: Isso aqui foi em 2015, novembro. E depois disso? T: Depois disso, passaram lá em casa, deram tiro lá. Não sei quem foi, mas tá lá as balas. […] MP: Quando eles lhe acertaram, o senhor estava dentro ou fora do seu carro? T: Dentro. MP: E aí o senhor conseguiu fugir? T: Sim. Eles foram em sentido para a Assis Brasil. MP: Eles pararam a moto para lhe atirar? T: Não, passaram… diminuíram, passaram devagarinho. MP: E aí o senhor conseguiu fugir com o seu carro? T: Sim. Eles foram para a direita e eu fui para a esquerda. […] MP: E o senhor chegou a ver quantos tiros ele desferiu? T: Foi um no motorista, um no capô e dois no carona. MP: Mas eles foram direcionados a ti? T: A mim. [...]” (fls. 204/206v).

A testemunha César Augusto Vieira Lucarelli, policial civil, relatou que “[…] Eles teriam uma desavença pessoal, o Lucas e o Rafael, por causa de uma menina […] E, em uma situação dessas, eles colidiram os veículos. […] Em seguida, após essa colisão, o Lucas foi até o 20º Batalhão de Polícia, ali próximo, e foi orientado a voltar ao local e aguardar ali para fazer uma ocorrência do acidente de trânsito. Nesse momento, a vítima relata que estava ali aguardando a Brigada pra fazer o registro de ocorrência e o Rafael passou de moto ali, com o Volnei na direção, e desferiu disparos de arma de fogo contra ele, que estava dentro do carro. Nós fomos acionados, fomos até o local, não encontramos lá o Rafael, tampouco o veículo dele, que depois ele nos relatou que teria… O Rafael nos relatou que o Lucas teria jogado o carro por cima dele e ele teria batido o carro, inclusive quebrado a suspensão. Nós voltamos lá, não localizamos o carro esse que, em tese, teria sido batido, pra gente provar que teria havido realmente a colisão ou que o Lucas tentou jogar o carro por cima do Rafael. Porém, o Rafael tirou o carro do local, nós não localizamos o carro, não localizamos o Rafael, não localizamos o Volnei. […] MP: Chegou a verificar o veículo da vítima? T: Verifiquei o veículo da vítima. MP: Tinha marcas de disparo? T: Tinha. […] Era na porta, se não me engano. […]" (fls. 206v/207v).

No mesmo sentido foi o depoimento da policial civil Daiane Wizer, a qual narrou que “[…] A vítima tinha disparo de arma de fogo. Ele não estava sedado, estava sendo atendido, e já declarou que conhecia bem o autor, que eram amigos – o Rafael. […] eles passaram a ter desavenças com relação a uma namorada. […] e naquele dia, colidiram os carros numa esquina do Sarandi […] o autor voltou de moto, acompanhado de outra pessoa, que ele identificou também como sendo o Volnei. O Volnei dirigia a moto, o Rafael estava na carona e passou a disparar contra o carro dele, onde ele foi atingido. [...]” (fls. 207v/209).

A testemunha Leandro Daniel Vieira, amigo do acusado Rafael, além de abonar sua conduta, referiu que tinha conhecimento de que ele sofria ameaças por parte da vítima: “MP: Essas histórias que o senhor falou de ameaça o senhor soube por quem? O senhor testemunhou alguma? T: Sim, a gente trabalha lá, é um pavilhão, então tem porta na frente a gente trabalha pra dentro, e esse rapaz passava na frente do pavilhão que é a oficina né. MP: O senhor viu isso ou o senhor soube por ele? T: Não, ele fazia isso, se a gente trabalhava lá a gente via né, não só eu, mas quem...

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