Acórdão nº 50088568120218210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50088568120218210029
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002341342
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008856-81.2021.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATORA: Desembargadora LIEGE PURICELLI PIRES

APELANTE: CANTILHA VEIGA DA ROSA (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Inicialmente, adoto o relatório da sentença (evento 27, SENT1 ):

Vistos.

Cantilia Veiga da Rosa ajuizou "ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (rmc), c/c pedido de tutela de urgência antecipada, restituição de valores em dobro e indenização por dano moral" contra Banco BMG S.A., ambos já qualificados nos autos.

Na inicial, a parte autora afirmou que nunca realizou ou desejou realizar contratação de cartão de crédito com o réu e, se alguma vez realizou contratação, foi de empréstimo consignado simples. Contou que estranhou ao perceber que sofre descontos a título de cartão de crédito consignado desde fevereiro de 2020. Disse que procurou saber quando os descontos terminariam e foi informada de que ainda não havia adimplido nenhuma parcela e que se tratava de um Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável, serviço que não reconhece ter contratado. Sustentou a incidência de danos morais. Suscitou a incidência do CDC. Nesse sentido, em sede de tutela de urgência antecipada, requereu que fossem suspensos os descontos a título de empréstimo sobre a RMC. Por fim, postulou a procedência dos pedidos, declarando-se nula a contração de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC). Sucessivamente, pugnou fosse realizada a conversão do empréstimo de RMC para empréstimo consignado tradicional. Ainda, postulou pela condenação do requerido a restituir, em dobro, os valores pagos a maior e ao pagamento de danos morais. Pleiteou o benefício da gratuidade da justiça. Juntou documentos (evento 1).

Recebida a inicial, foi deferida a gratuidade judiciária e, na mesma oportunidade, indeferido o pedido de tutela de urgência (evento 3).

A parte autora interpôs agravo de instrumento da decisão que indeferiu a liminar aforada em exordial (evento 4), foi dado provimento ao agravo de instrumento interposto pela parte autora (evento 5).

Citado, o requerido contestou a ação (evento 9). Em prejudicial de mérito, arguiu a prescrição. Quanto ao mais, defendeu a regularidade da sua conduta, afirmando que a parte autora contratou e usufruiu do cartão de crédito consignado. Registrou que não há falar em ausência de transparência ou vício de consentimento quanto à modalidade do empréstimo contratado, uma vez que os termos do instrumento são claros, precisos e inteligíveis, identificando de maneira inequívoca seu objeto, havendo, igualmente, menção expressa à autorização para o desconto no benefício previdenciário do contratante. Discorreu sobre a diferença entre o crédito consignado e o cartão de crédito consignado. Sustentou a licitude da reserva de margem consignável. Asseverou a inexistência de danos morais, o descabimento da repetição de indébito. Ao final, requereu a improcedência da pretensão deduzida na inicial. Subsidiariamente, pugnou pela devolução dos valores sacados pelo autor. Colacionou documentos.

Houve réplica (evento 12).

Instadas sobre o interesse na dilação probatória (evento 14), a parte ré requereu a designação de audiência de instrução e julgamento (evento 20).

A autora requereu a suspensão dos descontos, conforme decisão do agravo de instrumento interposto (evento 21), o que foi realizado pela ré, conforme demonstrado em evento 22.

Vieram os autos conclusos para sentença.

Sobreveio o dispositivo da decisão supracitada:

ISSO POSTO, com fulcro no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão deduzida por Cantilia Veiga da Rosa na presente ação ajuizada contra o Banco BMG S.A.

Sucumbente, arcará a parte autora com as custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor dado à causa, na forma do artigo 85, § 2º, do CPC. Suspensa a exigibilidade em razão da AJG.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Irresignada recorre o autora CANTILHA VEIGA DA ROSA ( evento 31, APELAÇÃO1 ) narrando os fatos e alegando que deverá ser convertida a contratação para empréstimo consignado comum e abatido o valor já descontado. Requereu repetição do indébito em dobro e indenização por danos morais.

Contra-arrazoado o recurso ( evento 36, CONTRAZ1 ).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Cumpridas as formalidades elencadas nos artigos 931, 934 e 935 do Código de Processo Civil.

É o relatório.

VOTO

Por atendimento aos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.

Trata-se de demanda em que a autora alega, em síntese, ter ocorrido vício de consentimento em pactuação havida com o Banco réu, por ter sido realizada reserva de margem consignada de cartão de crédito, quando tinha a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado.

Contra o julgamento de improcedência, apela a autora.

Pois bem.

Dispõe o art. 138 do Código Civil:

São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Teoricamente, existe diferença entre erro e ignorância. O erro é uma falsa representação positiva da realidade, ao passo que a ignorância é um estado de espírito negativo, traduzindo desconhecimento. Na prática não é simples traçar, contudo, uma diferenciação, de modo que se costuma tratá-los da mesma forma.

O erro pode descaracterizar o negócio jurídico, pois é vício da vontade, causa de anulação. Na doutrina mais clássica costuma-se dizer que o erro, para anular o negócio jurídico (vício da vontade), deve ser substancial e escusável, ou seja, perdoável. Deve o erro atacar a substância do negócio para ser anulável. Deve, ainda, ser perdoável, pois a lei não existe para proteger os desatentos. Segundo a doutrina clássica, o erro é anulável quando ataca a substância do ato e é perdoável ao homem médio. Trata-se, contudo, de entendimento demasiadamente subjetivo, razão pela qual a doutrina moderna, com base no princípio da confiança, que protege a boa-fé das pessoas, e, considerando a dificuldade na análise da escusabilidade do erro, tem dispensado esse segundo requisito.

Para justificar a anulação do negócio deve haver, ainda, um efetivo prejuízo da parte. Nesse viés, possível identificar basicamente três espécies de erro: a) erro sobre o negócio; b) erro sobre o objeto; c) erro sobre a pessoa. O exemplo mais comum é o erro sobre o objeto previsto no artigo 138 e inciso I do artigo 139 do CC/02.

No caso, a parte autora firmou contrato de cartão de crédito com autorização de reserva de margem consignável, mas que a intenção era a de contratar empréstimo consignado, sendo impagável a dívida tal como colocada pela parte mutuante. A parte ré demonstrou que disponibilizou valores a parte autora em decorrência do contrato firmado entre as partes. Entretanto, dos extratos de cartão de crédito colacionados aos autos, não consta qualquer compra realizada pela autora, ou seja, a parte autora não fez uso do cartão em nenhum momento.

A demandante recebe benefício previdenciário de baixo valor e fez empréstimo mediante condições mais onerosas que as previstas para contrato de empréstimo pessoal, que era sua real intenção. Está previsto no contrato em voga CET de 53,33% ao ano (evento 1, ANEXO10), ao passo que, para o mesmo período de celebração (maio/2018), a taxa média de juros estipulada pelo BACEN para crédito consignado a aposentados do INSS era de 26,16% ao ano (20746 - Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal consignado para aposentados e pensionistas do INSS)1.

É dever dos fornecedores e prestadores de serviços o agir com lealdade e confiança na formação dos contratos, protegendo a expectativa de ambas as partes. Em outras palavras, a boa-fé objetiva - premissa basilar que deve ser observada em toda relação contratual - constitui um padrão ético de comportamento que deve ser seguido por ambos os contratantes em todas as fases da relação contratual.

Em que pesem as formalidades na formação da relação negocial tenham sido observadas, é preciso considerar que o contrato fornecido ao autor se mostra excessivamente oneroso com flagrante desequilíbrio entre as partes, caracterizando prática abusiva e vedada pelo ordenamento jurídico (art. 39, inc. V, do Código de Defesa do Consumidor).

O Código do Consumidor dispõe ainda sobre a nulidade de cláusulas contratuais, nos seguintes termos:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

[...]

Assim dispõe o Código Civil acerca das declarações de vontade:

Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Por outro lado, a nulidade de uma cláusula não resulta em inexistência da relação jurídica estabelecida entre as partes, na medida em que o autor se beneficiou do valor tomado em empréstimo, cabendo assim tão somente adequar a relação ao fim pretendido, sob pena de enriquecimento sem causa (art. 884 do CCB).

Nesse sentido, precedentes desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO COM M...

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