Acórdão nº 50089234520178210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 01-03-2023

Data de Julgamento01 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50089234520178210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002839020
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008923-45.2017.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATOR: Desembargador JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

APELANTE: UNIMED NORDESTE RS SOCIEDADE COOP DE SERV MEDICOS LTDA (RÉU)

APELADO: MAICON JULIAN PRESTES (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos Maicon Julian Prestes e Unimed Nordeste RS Sociedade Cooperativa de Serviços Médicos Ltda. contra a sentença que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer ajuizada pelo primeiro contra a segunda apelante, julgou a demanda nos seguintes termos:

ISSO POSTO, confirmo a antecipação de tutela deferida e julgo procedente o pedido para condenar a demandada a fornecer o tratamento prescrito pelo médico do autor, na sua totalidade e enquanto se fizer necessário.

Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador do autor, os quais fixo em R$ 800,00 (oitocentos reais), levando em consideração a natureza da causa, bem como o tempo e o trabalho despendidos, em conformidade com o disposto nos § 2º do art. 85 do Código de Processo Civil.

Sobre o valor dos honorários fixados, a título de atualização, deve incidir correção monetária pelo IGP-M desde o arbitramento e juros de mora de 1% ao mês, na forma do art. 406 do Código Civil, combinado com o art. 161, § 1º do Código Tributário Nacional, a partir do trânsito em julgado da decisão.

A apelação do autor postula a majoração do valor arbitrado a título de honorários advocatícios aos seus patronos, bem como a concessão do benefício da justiça gratuita a estes para fins de tramitação do presente recurso.

Requer o provimento do apelo (Evento 4, PROCJUDIC5, fls. 18/24 dos autos originários).

A apelação da ré sustenta que o contrato estabelecido entre as partes ressalta que os serviços cobertos pela Unimed são aqueles previstos nas ditas normas regulamentadoras. Menciona que o Rol da ANS determina que há cobertura obrigatória do tratamento ocular quimioterápico com antiangiogênico para pacientes com diagnóstico de Degeneração Macular Relacionada à Idade. Menciona que não há abusividade na cobertura contratual firmada. Destaca que a estipulação que vincula a amplitude da cobertura ao rol da ANS e aos critérios e diretrizes por ela estabelecidos não viola e/ou vai de encontro a qualquer dos ditames consumeristas. Explicita que o Rol de procedimentos obrigatórios da ANS possui caráter taxativo e não exemplificativo.

Requer o provimento do apelo (Evento 27 - APELAÇÃO1 dos autos originários ).

Intimadas, as partes apresentaram as contrarrazões (Evento 32 - CONTRAZ1 dos autos originários).

Subiram os autos a este Tribunal.

Distribuídos, vieram conclusos.

Cumpriram-se as formalidades previstas nos arts. 929 a 935, do CPC.

É o relatório.

VOTO

Os apelos são tempestivos. O preparo da apelação da ré está comprovado. Defiro o benefício da justiça gratuita aos patronos do autor para fins de tramitação do presente recurso, considerando os documentos juntados com a apelação que dão conta de que não apresentaram declaração de imposto de renda nos últimos anos, o que corrobora a alegação de hipossuficiência financeira.

Os recursos serão analisados conjuntamente.

Inicialmente, para um melhor entendimento dos fatos debatidos na presente demanda, peço vênia para transcrever parte do relatório da sentença:

MAICON JULIAN PRESTES ajuizou a presente ação contra UNIMED NORDESTE, postulando a condenação da ré ao pagamento do medicamento e custo de aplicação do medicamento prescrito pelo médico que lhe assiste.

Em sede de antecipação de tutela, requereu que fosse determinado a ré que fornecesse imediatamente o tratamento postulado.

Disse que possui contrato de plano de saúde com a ré, tendo sido diagnosticado com deslocamento de retina seroso complicada por edema Macular Cistóide ( CID H35.3). Asseverou que o tratamento prescrito pelo seu médico não foi autorizado pelo plano de saúde.

Discorreu a respeito da necessidade e urgência do tratamento prescrito, bem como acerca da obrigação da ré em custear os valores necessários para tanto.

Com a inicial, foram juntados os documentos das fls. 17-40.

A decisão da fl. 45 deferiu o pedido de antecipação de tutela.

O réu interpôs agravo de instrumento da aludida decisão, o qual foi convertido em agravo retido, às fls. 182-186.

Citada, a ré apresentou contestação. Afirmou que o medicamento solicitado pelo autor não está previsto no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, bem como que o contrato celebrado entre as partes exclui a cobertura.

Pois bem. Buscando conceituar os contratos de plano de assistência à saúde, Arnaldo Rizzardo afirma que (in Contratos, 2ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 892):

Trata-se do contrato pelo qual o segurador se obriga a cobrir a indenização por riscos ligados à saúde e à hospitalização, mediante o pagamento do prêmio em determinado número de prestações. Fica a pessoa protegida dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, com a garantia da assistência médico-hospitalar. Genericamente, é a garantia de interesses pela cobertura dos riscos da doença. Através dele, o indivíduo ou segurado fica protegido dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, e tendo direito à própria assistência médico-hospitalar. No entanto, tradicionalmente, duas as formas de cobertura: ou pelo reembolso de despesas com liberdade de escolha de quem presta os serviços, caracterizando o seguro-saúde; ou pelo credenciamento de médicos e hospitais, para os quais se encaminha o segurado que receberá o tratamento médico-hospitalar, tendo-se, os planos de assistência. Nesta última espécie, os serviços médicos e hospitalares organizam-se através de convênios. As pessoas signatárias do contrato pagam, mediante contribuições mensais, o dispêndio com os serviços médico-hospitalares futuros. De modo que, ao lado do seguro-saúde, aparecem os planos de assistência à saúde, que se organizam na forma de pessoas jurídicas, para a prestação de atividades ligadas à saúde, tanto no concernente ao tratamento médico como para finalidade da recuperação por meio de atendimento ambulatorial e internamento hospitalar.

No presente caso, a autora pretende ver reconhecida a obrigação da operadora de plano de saúde em cobrir os custos necessários à realização do tratamento com aplicação de Anti-VGF LUCENTIS/Ranibizumab.

Conforme o laudo médico do Evento 4, PROCJUDIC1, fl. 21 dos autos originários, o autor apresenta quadro de Descolamento de Retina Seroso complicada por Edema Macular Cistóide em olho esquerdo (CID10 H35.3), sendo indicadas duas aplicações de Terapia Anti-VGF LUCENTIS/Ranibizumab, tratamento que deve ser realizado com urgência sob risco de perda permanente da visão.

Por sua vez, a ré negou a cobertura do tratamento sob a alegação de que não restaram atendidas as diretrizes de utilização previstas no rol da ANS.

Todavia, o contrato em tela está submetido às normas do Código de Defesa do Consumidor. Inclusive, pacificada tal orientação no egrégio STJ, foi editada a Súmula 608, com o seguinte teor:

Súmula 608. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

Nestas circunstâncias, o art. 47, do CDC, determina que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Igualmente, deve incidir o disposto no art. 51, IV, § 1°, II, do CDC, segundo o qual é nula a cláusula que estabeleça obrigações consideradas iníquas, que coloquem o consumidor em desvantagem. Também, mostra-se exagerada a cláusula que restringe direitos ou obrigações inerentes à natureza do contrato, ameaçando seu objeto e equilíbrio, ou ainda que seja excessivamente onerosa ao consumidor.

Sobre o tema, Karyna Rocha Mendes, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela ESMP de São Paulo, assevera que (in Curso de Direito da Saúde, 1ª ed., Editora Saraiva, 2013, p. 635):

(...)

Com efeito, nos contratos de prestação de serviço de saúde, como já vimos, as cláusulas que infrinjam os princípios trazidos do Código de Defesa do Consumidor devem ser consideradas abusivas e, consequentemente, desconsideradas do pacto contratual. Nos contratos firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/98, somente se aplicavam as normas trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor e pela legislação anterior especial aos seguros – num verdadeiro diálogo de fontes.

Pelo Código de Defesa do Consumidor temos a aplicação de cláusulas gerais de boa-fé, transparência, informação, normas que buscam o equilíbrio contratual com a proteção da parte vulnerável na relação, o consumidor. O que a Lei nº 9.656/98 fez foi consolidar o que já era considerado abusivo. O espírito do intérprete deve ser guiado pelo art. 7º, do CDC, que autoriza a aplicação de lei e tratados que visem dar ao consumidor maior proteção.

De outro lado, os planos de saúde apenas podem estabelecer para quais doenças oferecerão cobertura, não lhes cabendo limitar o tipo de tratamento que será prescrito, incumbência essa que pertence ao profissional da medicina que assiste o paciente, ainda que não haja previsão em Rol da ANS, o qual constitui apenas referência básica de cobertura, conforme § 12 do art. 10 da Lei n° 9.656/98, incluído pela Lei n° 14.454/2022, não sendo, portanto, taxativo.

E aqui, vale dizer que ainda não foi publicado o acórdão proferido no julgamento do EREsp nº 1.886.929/SP, não havendo também o trânsito em julgado daquela decisão, cujo entendimento firmado restou parcialmente superado com a entrada em vigor da referida Lei n° 14.454/2022.

Ademais,...

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