Acórdão nº 50089366720208210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50089366720208210033
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003300956
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5008936-67.2020.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de medicamentos

RELATOR: Desembargador NIWTON CARPES DA SILVA

APELANTE: UNIMED VALE DOS SINOS LTDA (RÉU)

APELADO: PEDRO PRATES CASTILHOS (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELADO: TAINA CARDOSO PRATES (Pais) (AUTOR)

RELATÓRIO

PEDRO PRATES CASTILHOS, representado por sua mãe TAINA CARDOSO PRATES, ajuizou ação de obrigação de fazer em face de UNIMED VALE DO SINOS SOC COOP DE TRABALHO MEDICO LTDA. Na exordial, relatou que possui Síndrome de Prader-Willi (CID 10 Q87.1), a qual possui origem em uma desordem genética devido à perda de função de genes específicos. Discorreu sobre os sintomas da doença e sobre a necessidade de utilizar o medicamento denominado SOMATROPINA (NORDITROPIN) a fim de minimizar os efeitos deletérios da patologia que o acomete e, assim, lhe conceder melhor desenvolvimento e qualidade de vida. Referiu também sobre a indicação médica do tratamento denominado Therasuit, método especializado no qual são utilizados diferentes recursos visando desenvolver a coordenação motora. Destacou sobre o caráter de essencialidade e indispensabilidade do tratamento prescrito. Mencionou a negativa da parte demandada acerca do fármaco e do tratamento pleiteados. Teceu considerações acerca dos prejuízos físicos e psíquicos irreparáveis com a negativa do plano de saúde requerido. Discorreu sobre a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Estatuto da Pessoa com Deficiência e do Código de Defesa do Consumidor. Pontuou sobre a negativa de cobertura do plano de saúde. Requereu, em sede de tutela provisória, a determinação para a parte ré fornecer/custear ao demandante o medicamento e o tratamento pretendidos. Ao final, requereu a procedência da ação.

Sobreveio sentença que julgou procedente a ação, para determinar que a parte ré forneça ao autor o medicamento Somatropina (Norditropin) e o tratamento fisioterápico do método Therasuit, conforme prescrição do médico que assiste o demandante. Vencida, condenou a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários do advogado da parte vencedora, os quais fixou em 10% sobre o valor da causa, corrigidos pelo IGP-M, a contar do ajuizamento da ação, com juros moratórios de 1% ao mês, a partir da data do trânsito em julgado da sentença, forte no que dispõe o artigo 85, §2º, do CPC.

A requerida apela, em suas razões recursais, reitera os termos da contestação alegando que nada há de abusivo em cláusula que exclui a cobertura de procedimentos e tratamentos não previstos no rol da ANS. Afirma que, quanto ao tratamento pelo método TheraSuit, se trata, na prática, de roupas especiais, utilizadas para os métodos diferenciados de fisioterapia, ou seja, materiais de uso externo, removíveis, sem qualquer relação com ato cirúrgico e que, portanto, tampouco tem cobertura contratual por força do seguinte dispositivo legal, da Lei 9.656/98. Quanto ao medicamento, alega ausência de previsão no rol de cobertura por se tratar de medicamento de uso domiciliar. Postula, assim, o provimento do recurso.

Não foram apresentadas contrarrazões.

O Parecer do Ministério Público foi pelo desprovimento do recurso.

Os autos vieram-me conclusos em 17/11/2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de ação de obrigação de fazer, através da qual a parte autora busca cobertura do medicamento denominado SOMATROPINA (NORDITROPIN), bem como de fisiterapia pelo método Therasuit, tendo em vista ser portador da Síndrome de Prader-Willi (CID 10 Q87.1), julgada procedente na origem.

Preenchidos os pressupostos processuais, recebo o apelo.

Em procedimento de overruling, no julgamento do Recurso Especial 1.733.013/PR, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, restou consolidado que as operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a custear tratamentos e/ou medicamentos não incluídos no rol de procedimentos da ANS, em razão da necessidade de preservar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema suplementar de assistência à saúde, considerando que o raciocínio relativo de que o rol seria exemplificativo teria o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito pelo médico assistente do usuário, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas, conforme expressamente previsto nos arts.10 e 12 da Lei n. 9656/98, in verbis:

PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. RECURSO ESPECIAL. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. IMPOSSIBILIDADE. MUDANÇA DO ENTENDIMENTO DO COLEGIADO (OVERRULING). CDC. APLICAÇÃO, SEMPRE VISANDO HARMONIZAR OS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E ATUARIAL E SEGURANÇA JURÍDICA. PRESERVAÇÃO. NECESSIDADE. RECUSA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO NÃO ABRANGIDO NO ROL EDITADO PELA AUTARQUIA OU POR DISPOSIÇÃO CONTRATUAL. OFERECIMENTO DE PROCEDIMENTO ADEQUADO, CONSTANTE DA RELAÇÃO ESTABELECIDA PELA AGÊNCIA. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. INVIABILIDADE.1. A Lei n. 9.961/2000 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, que tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. O art. 4º, III e XXXVII, atribui competência à Agência para elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656/1998, além de suas excepcionalidades, zelando pela qualidade dos serviços prestados no âmbito da saúde suplementar. 2. Com efeito, por clara opção do legislador, é que se extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n. 9.961/2000, a atribuição dessa Autarquia de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n. 439/2018 da ANS, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID da Organização Mundial da Saúde. 3. A elaboração do rol, em linha com o que se deduz do Direito Comparado, apresenta diretrizes técnicas relevantes, de inegável e peculiar complexidade, como: utilização dos princípios da Avaliação de Tecnologias em Saúde - ATS; observância aos preceitos da Saúde Baseada em Evidências - SBE; e resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor. 4. O rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, em revisitação ao exame detido e aprofundado do tema, conclui-se que é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas. 5. Quanto à invocação do diploma consumerista pela autora desde a exordial, é de se observar que as técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor devem reverência ao princípio da especialidade e ao disposto no art. 4º daquele diploma, que orienta, por imposição do próprio Código, que todas as suas disposições estejam voltadas teleologicamente e finalisticamente para a consecução da harmonia e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. 6. O rol da ANS é solução concebida pelo legislador para harmonização da relação contratual, elaborado de acordo com aferição de segurança, efetividade e impacto econômico. A uníssona doutrina especializada alerta para a necessidade de não se inviabilizar a saúde suplementar. A disciplina contratual exige uma adequada divisão de ônus e benefícios dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões. Isso tem de ser observado tanto em relação à transferência e distribuição adequada dos riscos quanto à identificação de deveres específicos do fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo custos de forma racional e prudente. 7. No caso, a operadora do plano de saúde está amparada pela excludente de responsabilidade civil do exercício regular de direito, consoante disposto no art. 188, I, do CC. É incontroverso, constante da própria causa de pedir, que a ré ofereceu prontamente o procedimento de vertebroplastia, inserido do rol da ANS, não havendo falar em condenação por danos morais. 8. Recurso especial não provido. (REsp 1733013/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 20/2/2020) (grifei)

No mesmo sentido, destarte, vários outros precedentes podem ser...

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