Acórdão nº 50091055020218210023 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 30-08-2022

Data de Julgamento30 Agosto 2022
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50091055020218210023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002497752
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5009105-50.2021.8.21.0023/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATORA: Desembargadora ANA PAULA DALBOSCO

APELANTE: VERA REGINA LOPES DOS SANTOS (AUTOR)

APELANTE: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

VERA REGINA LOPES DOS SANTOS e FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO interpõem recursos de apelação em face da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo primeiro em face do segundo, nos seguintes termos:

Em face do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação proposta por Vera Regina Lopes dos Santos em face de Facta Financeira S/A – Crédito, Financiamento e Investimento, nos termos do art. 487, I, do CPC, para revisar o contrato analisado, a fim de limitar os juros remuneratórios à taxa média de mercado à época da contratação, confirmando-se a tutela de urgência concedida, sendo de 1,26% o mês e 16,24% ao ano, ficando autorizada a compensação em relação aos valores ainda pendentes de adimplemento. Em caso de adimplemento total, os valores pagos a maior devem ser devolvidos na forma simples, com atualização pelo IGP-M desde o desembolso e juros de 1% ao mês a partir da citação.

Sucumbente em maior parte, condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios devidos ao procurador da parte adversa, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC.

Em suas razões, a financeira apelante aduz a autorização expressa do conselho monetário nacional para a contratação de juros livres. Discorre sobre os juros remuneratórios, as particularidades do consignado gaúcho em relação ao custo, bem como o Banrisul como detentor da folha de pagamentos de servidores públicos, os índices que compõem a taxa de juros e a inadimplência. Refere sobre a margem consignável. Sustenta a inadequação da taxa média do Bacen como referencial, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da livre concorrência e igualdade material. Assevera que a taxa do Bacen não reflete as peculiaridades do consignado do Estado. Requer, de forma subsidiária, a aplicação das margens de até uma vez e meia a taxa média de mercado. Requer o afastamento da repetição do indébito e a minoração dos honorários advocaticios.Pede provimento do recurso.

Por sua vez, a parte autora sustenta a repetição do indébito com a compensação somente das parcelas vencidas. Destaca que não se pode compensar dívida vincenda, consoante o disposto no artigo 369 do Código Civil. Pede provimento.

Apresentadas contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Eminentes colegas.

Os recursos interpostos atendem aos pressupostos de admissibilidade, sendo próprios e tempestivos, havendo interesse e legitimidade das partes para recorrerem, merecendo conhecimento.

Assim, passo à análise do mérito recursal.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Trata-se a presente demanda de ação revisional do contrato de empréstimo consignado nº 47131679, na qual a sentença limitou os juros remuneratórios à taxa média do Bacen e determinou a compensação/repetição dos valores.

Em recurso de apelação, insurge-se a financeira, defendendo a cobrança do encargo nos moldes supostamente pactuados. Menciona peculiaridades do "Consignado Gaucho" para servidores públicos do Estado do Rio Grande do Sul, que não estariam contempladas na taxa elaborada pelo Bacen. Arrola dificuldades para a concessão desta modalidade de crédito como, por exemplo, a) a impossibilidade de reservar margem; b) a vantagem legal do Banrisul e Caixa Economica Federal no recebimento dos créditos em detrimento das demais financeiras; c) o custo elevado para a operação do consignado; d) alto índice de inadimplência e riscos elevados e; e) as inúmeras ações judiciais de revisão de juros. Aduz que além do Banrisul e CEF, apenas ela e a Portocred disponibilizam o consignado no Estado do RS e que, a resultante das particularidades, impedem a observância do Recurso Repetitivo do STJ e impossibilidade do uso da taxa do Bacen como referencial sob pena de ofensa aos Princípios Constitucionais da Livre Concorrência e Igualdade Material. Por fim, pede a utilização de outro parâmetro e de forma subsidiária a aplicação das margens de tolerância sobre a taxa média. Pleiteia a minoração dos honorários advocatícios com a troca da base de cálculo . Por fim, pugna pelo afastamento da repetição do indébito.

Por sua vez, a consumidora sustenta a impossibilidade de compensar parcelas não vencidas. Pugna pela aplicação do artigo 369 do Código Civil.

Dito isso, passo ao exame da insurgência recursal.

CONSIGNADO SERVIDOR PÚBLICO GAÚCHO

Como relatado na contextualização da demanda no item supra, a apelante Facta Financeira S.A., faz longa explanação acerca das dificuldades para operacionalização do Crédito Consignado aos servidores públicos do Estado do RS, por conta do Decreto Estadual (43.337/2004) e outras particularidades ínsitas do Estado. Requer, em suma, para estes contratos específicos, a não aplicação, na aferição da abusividade contratual, do paradigma (taxa do Bacen) estabelecido no Recurso Repetitivo nº 1.061.530/RS e a criação de uma média específica entre as três instituições financeiras que atuam no mercado do consignado do servidor público gaúcho.

Em que pesem as bem elaboradas razões de defesa e sua consistência, não vejo como acolhe-las, e tampouco como reconhecer ofensa a qualquer principio constitucional.

O argumento de que a concorrência alegadamente privilegiada do Banrisul, na concessão de empréstimos consignados, obriga a recorrente a enfrentar riscos maximizados na realização de seus créditos, não elide nem neutraliza a evidência de que está cobrando taxas superiores à média mensal aferida pelo Bacen. E isso a enquadra nos precedentes do STJ que consideram a ultrapassagem daquela média como indicativa da abusividade na cobrança dos encargos do empréstimo.

Importante referir que o paradigma do STJ, não faz distinção para casos específicos, mas ao contrário, estabelece um critério único e objetivo a ser observado no exame da abusividade da cláusula de pactuação dos juros remuneratórios em todos os contratos de empréstimo.

Por esse prisma, não se pode criticar a eleição dessa taxa média como referencial pelo STJ, eis que, a priori, não se vislumbra, por ora, outra mais adequada do que esta para operar como padrão médio.

Diante disto, passo ao exame da existência ou não da abusividade dos juros, sob o enfoque do Recurso Repetitivo nº 1.061.530/RS.

JUROS REMUNERATÓRIOS

Sustenta a financeira a manutenção dos encargos contratados e, de forma subsidiária, que a simples discrepância dos juros por si cobrados em contraponto à tabela do Banco Central, não é suficiente para caracterizar a abusividade, sendo passível a oscilação do percentual de uma vez e meia sobre a taxa média do Banco Central.

A análise deve ser solvida no norte trilhado pelo eg. STJ - REsp nº 1.061.530/RS -, ou seja, para verificação da configuração, ou não, de abusividade, deve-se fazer o confronto entre as taxas de juros cobradas pela instituição financeira e as constantes da tabela divulgada pelo BACEN para as mesmas operações de crédito.

No presente caso, em consulta as ferramentas disponibilizadas pelo BACEN, verifico que efetivamente os encargos praticados nos contratos revisandos excedem, em muito, a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central:

OPERAÇÃO TAXAS PACTUADAS MÉDIA BACEN
Contrato nº 47131679 2,35% ao mês
35,60% ao ano
1,26% ao mês
16,24% ao ano

Quanto a questão pontual da margem de tolerância para a limitação de juros em observância a taxa média de mercado, inexiste tese firmada pela Corte Superior. Razão disto, esta 23ª Câmara Cível, em julgamento pelo art. 942 do CPC, apelação cível n. 70083564989, no qual fui voto vencido, decidiu que é possível a revisão quando a discrepância entre a taxa de juros praticada e a média aferida pelo Banco Central do Brasil puder colocar o consumidor em desvantagem exagerada. Nas palavras do Des. Alberto Delgado Neto, a taxa média é apenas um parâmetro, não se consubstanciando em limitador, e a perquirição acerca da abusividade não é estanque, devendo ser aceita uma pequena margem de variação na taxa de juros, desde que não caracterizada uma vantagem abusiva da instituição financeira e uma prestação desproporcional por parte do consumidor.

Ou seja, na aferição da abusividade afastou-se o critério objetivo (taxa apontada pelo Bacen), para que cada caso concreto seja examinado à luz da (des)proporcionalidade, como bem referido no voto de desempate proferido pelo Des. Bayard Ney de Freitas Barcellos: Se havia um parâmetro objetivo, a média de juros do Banco Central, a análise do que é abusivo passa a ser subjetiva.

Dito isto, antes do exame do caso aqui posto sob análise, permito-me colacionar meu posicionamento acerca dos juros e respectiva margem de tolerância entre o que é cobrado pela instituição financeira e a tabela do Banco Central.

...

A gênese dos juros1, remonta ao período neolítico, pelo menos 6.000 anos antes de Cristo, no empréstimo de animais ou grãos (o “capital”) com um plus destes na respectiva restituição (juros). Ou seja, mesmo na época em que a troca de mercadorias era direta (escambo), a busca do lucro já existia, constatação em que sociólogos e economistas ancoram a resultante de ser ela integrante da própria natureza humana. Tem densidade, pois, a hipótese de que a figura conceitual dos juros é quase tão antiga quanto a própria civilização, tendo surgido no mesmo momento em que alguém, percebendo que poderia ir além da troca por si só e que, por...

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