Acórdão nº 50091131320208210039 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50091131320208210039
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003210365
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5009113-13.2020.8.21.0039/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador CAIRO ROBERTO RODRIGUES MADRUGA

APELANTE: RONALDO CARDOSO DO PRADO (AUTOR)

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por RONALDO CARDOSO DO PRADO e BANCO BMG S/A., contra sentença proferida nos autos da ação revisional em que litigam, cujo dispositivo é o seguinte: JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação revisional, com base no art. 487, inciso I, do CPC, para limitar os juros remuneratórios à taxa média do mercado financeiro, estipulada pelo sistema gerenciador de séries do BACEN, para a data da contratação, em abril de 2019, em 126,90% ao ano; b) condenar o réu à compensação simples dos valores pagos a maior, na forma do art. 884 do CC, atualizada pelo IGP-M a contar dos respectivos pagamentos; c) denegar o pedido de danos morais e restituição do valor referente ao seguro prestamista. Diante da sucumbência recíproca, condeno as partes no pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas processuais, para cada uma. Fixo os honorários advocatícios em R$ 700,00 (setecentos reais), distribuídos na mesma proporção, sem compensação, considerando-se os critérios previstos no artigo 85, §§ 8º e 14, do Código de Processo Civil. Suspendo a exigibilidade do ônus sucumbencial do autor, ante o beneplácito da AJG, conforme o art. 98, § 3º, do CPC. Após o trânsito em julgado, não sendo o caso de pagamento de custas, arquive-se com baixa. Publique-se. Registre-se. Intimem-se” (Evento 39).

A instituição financeira suscitou, em suas razões, preliminarmente, a impossibilidade de revisão dos contratos, pela intangibilidade da autonomia da vontade das partes. No mérito, alegou que não há abusividade dos juros remuneratórios, devendo eles ser mantidos conforme pactuados. Requereu o provimento do recurso (Evento 46).

A parte autora, por sua vez, também recorreu, defendendo a ilegalidade do seguro contratado, sob alegação de ocorrência de venda casada. Postulou a repetição em dobro do indébito, bem com a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais. Requereu o provimento do recurso e majoração dos honorários advocatícios (Evento 44).

Ambas as partes apresentaram contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do recurso uma da outra (Eventos 51 e 52).

Cumpridas as formalidades legais, vieram-me os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Da admissibilidade

Os apelos são tempestivos e preenchem os demais requisitos de admissibilidade, sendo o recurso do banco preparado, e o da parte autora dispensado de preparo, em razão do benefício da gratuidade que lhe foi deferido na origem (Eventos 46 e 3).

Do contrato objeto da ação

- Contrato de empréstimo pessoal nº 985271, celebrado em 15-04-2019, cujo valor financiado foi de R$2.672,19, a ser pago em 12 parcelas mensais de R$633,20, com previsão de taxa de juros de 17,98% ao mês e 647,50% ao ano ("Contrato 2" do Evento 10).

APELAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

Da preliminar de impossibilidade de revisão do contrato

As relações bancárias, financeiras e de crédito submetem-se às normas do Código de Defesa do Consumidor (art. 3º, § 2º).

Essa é a orientação da Súmula 297, do STJ:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Dessa forma, é possível a revisão judicial do contrato celebrado pelas partes, ainda mais se a instituição financeira estiver exigindo encargos e valores eventualmente abusivos, por afronta aos arts. 1º; 6º, IV e V; 39, V; 47 e 51, IV, todos do CDC.

Prefacial desacolhida.

Dos juros remuneratórios

De acordo com o entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça, somente se verifica a abusividade quando os juros remuneratórios ultrapassam significativamente a taxa média de mercado divulgada pelo BACEN.

A propósito:

“BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONTRATO QUE NÃO PREVÊ O PERCENTUAL DE JUROS REMUNERATÓRIOS A SER OBSERVADO.
I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.
ORIENTAÇÃO - JUROS REMUNERATÓRIOS.
1 - Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é imediata, o montante dos juros remuneratórios praticados deve ser consignado no respectivo instrumento.
Ausente a fixação da taxa no contrato, o juiz deve limitar os juros à média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo Bacen, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente.
2 - Em qualquer hipótese, é possível a correção para a taxa média se for verificada abusividade nos juros remuneratórios praticados.

II - JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO
- Consignada, no acórdão recorrido, a abusividade na cobrança da taxa de juros, impõe-se a adoção da taxa média de mercado, nos termos do entendimento consolidado neste julgamento.

- Nos contratos de mútuo bancário, celebrados após a edição da MP nº 1.963-17⁄00 (reeditada sob o nº 2.170-36⁄01), admite-se a capitalização mensal de juros, desde que expressamente pactuada.

Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
Ônus sucumbenciais redistribuídos.” (Resp 1112879/PR, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 2ª Seção, julgado em 12/05/2010). g.n.

Importante referir que este Colegiado adotou como parâmetro para apuração da existência de abusividade na contratação sujeitada a revisão, a taxa média de mercado registrada pelo BACEN à época da contratação e em conformidade com a respectiva operação, acrescida do percentual de 30% (trinta por cento).

Assim, quando os juros remuneratórios contratados superarem a taxa média mais o percentual de 30%, devem ser revisados.

No caso, há abusividade no percentual de juros remuneratórios pactuados, pois a taxa média divulgada pelo BACEN, para as operações de crédito pessoal não consignado (cod. 25464 e 20742), no período (abril de 2019), era de 7,07% ao mês e 126,90% ao ano, a qual, acrescida da margem de tolerância de 30% adotada pela Câmara, totalizava o patamar de 9,19% e 164,97%, ao passo que a taxa contratada é de 17,98% ao mês e 647,50% ao ano.

Desprovido no ponto.

APELAÇÃO DA PARTE AUTORA

Da venda casada de seguro

Consiste em prática abusiva, vedada nas relações de consumo, o condicionamento do fornecimento de um produto ou serviço ao fornecimento de outro, conforme o inciso I do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

No caso, há comprovação da cobrança de seguro ("seguro prestamista"), no valor de R$138,95, o qual está expresso no próprio instrumento contratual (item 10 do contrato - fls. 1-2 do "Contrato 2" do Evento 10), com o pagamento do prêmio incluído e diluído nas parcelas relativas ao empréstimo, evidenciado, assim, que a parte contratante não possuía a opção de não contratar esse serviço, tendo a instituição financeira os incluído no contrato no momento em que autor buscou a contratação do empréstimo.

Veja-se:

Nesse sentido:

“APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. SEGURO PRESTAMISTA. VENDA CASADA. A VINCULAÇÃO ENTRE O SEGURO E O MÚTUO, EM REGRA, CONFIGURA A DENOMINADA “VENDA CASADA, EXPRESSAMENTE VEDADA PELO ART. 39, I, DO CDC, QUE CONDENA QUALQUER TENTATIVA DO FORNECEDOR DE SE BENEFICIAR DE SUA SUPERIORIDADE ECONÔMICA OU TÉCNICA PARA ESTIPULAR CONDIÇÕES NEGOCIAIS DESFAVORÁVEIS AO CONSUMIDOR, CERCEANDO-LHE A LIBERDADE DE ESCOLHA. NO CASO EM TELA, NOTA-SE QUE O SEGURO PRESTAMISTA IMPUGNADO PELA PARTE DEMANDANTE ESTÁ RELACIONADO AO CONTRATO DE EMPRÉSTIMO N. 04100000000004120255 POR ELA CONTRATADO, A DEMONSTRAR A OCORRÊNCIA DE VENDA CASADA. COM ISSO, MOSTRA-SE CABÍVEL A COMPENSAÇÃO DE VALORES E A REPETIÇÃO DO INDÉBITO, NA FORMA SIMPLES, DESDE QUE COMPROVADO O PAGAMENTO A MAIOR. NO QUE TANGE AOS CONTRATOS N. 2014006530140155001468 E 04100000000000489645, NÃO HOUVE VINCULAÇÃO DE SEGURO. APELAÇÃO CÍVEL PARCIALMENTE PROVIDA, POR UNANIMIDADE." (Apelação Cível, Nº 51181318320208210001, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Altair de Lemos Junior, Julgado em: 30-11-2022),.

“APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. OBJETO. Contrato de Financiamento nº 930403/2010, no valor de R$1.500,00. (...) VENDA CASADA. A denominada venda casada é prática abusiva vedada nas relações de consumo conforme dispõe o inciso I do artigo 39 do CDC. No caso concreto, conforme documentos juntados, a opção pela contratação do titulo do seguro prestamista - acidentes pessoais e "bilhete da sorte" veio prevista no mesmo instrumento contratual. Isso evidencia que o contrato do seguro não era do interesse direto da parte contratante, mas, sim, incluído na oportunidade em que buscado outros produtos, a caracterizar a ocorrência de "venda casada", prática repudiada pela lei. (...) RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.” (Apelação Cível Nº 70064934912, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em 29/07/2015). g.n.

Assim, constatada a abusividade da contratação, deve ser afastada a cobrança desse encargo.

Provido no particular.

Da repetição do indébito/compensação

A sentença autorizou a repetição simples dos valores pagos a maior, pretendendo a parte autora que a repetição seja em dobro quanto ao valor do seguro prestamista.

Razão não assiste à recorrente.

A repetição de indébito e a compensação de valores são admitidas, no que couber, como consequência lógica do julgado e para vedar o enriquecimento injustificado do credor, sem necessidade de prova do erro, conforme a súmula 322 do STJ.

Nesse sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ART. 544, DO CPC) - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE MÚTUO - DECISÃO...

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