Acórdão nº 50091580820198210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50091580820198210021
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003296049
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

10ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5009158-08.2019.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Moral

RELATOR: Desembargador JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA

APELANTE: IND DE TORRONE NOSSA SENHORA DE MONTEVERGINE LTDA (RÉU)

APELADO: CASSIO STURM SOARES (AUTOR)

RELATÓRIO

A princípio, reporto-me ao relatório da sentença (17.1):

CÁSSIO STURM SOARES ajuizou a presente Ação Indenizatória em desfavor da INDÚSTRIA DE TORRONE NOSSA SENHORA DE MONTEVERGINE LTDA, ambos qualificados nos autos, alegando que no dia 28/12/2018, consumiu um produto fabricado pela empresa ré denominado "torrone com castanha de caju", o qual, apesar de estar dentro do prazo de validade (30/04/2019), estava infestado por pequenas larvas brancas, fato notado pelo consumidor após a ingestão da maior parte do produto. Disse ter sido tomado pelo sentimento de asco, suspendendo o consumo de forma imediata, quando passou a filmar e fotografar o alimento em questão. Afirmou que, apesar de contatar o SAC da ré, as tentativas de conciliação restaram infrutíferas, e o setor responsável jamais retornou contato. Discorreu acerca da responsabilidade objetiva da demandada, com fulcro nos artigos 12 e 18 do CDC. Sustentou ter suportado danos morais em razão da conduta ilícita da ré, pelos quais pretende ser indenizado. Requereu a procedência da ação, a fim de condenar a demandada ao pagamento de indenização a título de danos morais, no valor de R$ 6.000,00. Pediu a concessão da gratuidade judiciária e juntou documentos (Evento 2, INIC E DOCS2).

Intimada, a parte autora comprovou a isenção de declaração de IR (Evento 2, DESP3, p. 5 e 7), sendo-lhe deferida a gratuidade judiciária (Evento 2, DESP4).

Designada audiência de conciliação (Evento 2, DESP4), a qual restou inexitosa (Evento 2, DESP4, p. 10).

Citada (Evento 2, DESP4, p. 9), a ré apresentou contestação (Evento 2, PET5). De início, sustentou a impossibilidade de inversão do ônus da prova no caso concreto. Defendeu a ausência de responsabilidade da contestante sobre os fatos narrados na inicial, diante da ausência de prova acerca da relação de causa e efeito entre a sua conduta e os danos que o autor afirma ter suportado. Teceu considerações sobre as medidas preventivas adotadas em sua linha de produção de alimentos, a fim de evitar o contágio por pragas. Arguiu as excludentes de responsabilidade previstas pelo art. 12, § 3º, incisos II e III do CDC. Insurgiu-se contra a pretensão indenizatória e, em caso de procedência do pedido, que a condenação fosse fixada em quantia menor, tendo em vista os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Postulou a improcedência da ação e acostou documentos.

Houve réplica (Evento 2, RÉPLICA/IMPUG E DOCS9).

Pela decisão do Evento 2, DESP10, o juízo inverteu o ônus da prova, a fim de determinar que a parte ré comprovasse que a contaminação do produto objeto da lide não ocorreu ao longo do processo de fabricação, bem como intimou as partes a se manifestarem acerca do interesse na dilação probatória.

Intimadas as partes acerca da digitalização do feito (Evento 3).

A requerida afirmou ser do autor o ônus de provar que ingeriu o produto contaminado (Evento 7, PET1), ao passo que o demandante postulou pelo julgamento antecipado da lide (Evento 8, PET1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

A Dra. Juíza de Direito decidiu:

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por CÁSSIO STURM SOARES em desfavor da INDÚSTRIA DE TORRONE NOSSA SENHORA DE MONTEVERGINE LTDA, para o fim de condenar a demandada ao autor pagar a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de danos morais, a ser corrigida monetariamente pelo IGP-M, desde o arbitramento (Súmula 362 STJ) e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a contar do evento danoso (art. 398 do CC e Súmula 54 STJ – data da ingestão do alimento impróprio para consumo).

Sucumbente, condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, os quais fixo em 20% sobre o valor atualizado da condenação imposta, tendo em vista a natureza da ação e trabalho exigido daquele profissional, observadas as diretrizes do art. 85, § 2º do CPC.

A ré apela. Sustenta a inexistência dos pressupostos para que se configure sua responsabilidade civil ao caso. Argumenta a ausência de prova do nexo de causalidade entre a conduta da ora recorrente e os alegados danos sofridos pela parte adversa. Defende que a presença de corpo estranho em alimento consumido pelo autor não partiu de problema oriundo da fabricação. Discorre adotar práticas preventivas de higiene e que é recorrentemente fiscalizado pelos órgãos competentes. Alega não ter sido evidenciado que a contaminação do produto deu-se dentro das suas dependências. Refere acerca do ciclo de vida estimado de um inseto e da possibilidade de a contaminação ter se originado a partir do armazenamento do alimento ou mesmo por falta de cuidado pelo consumidor. Assevera a ausência de situação passível de causar danos morais ao demandante, requerendo, com isso, seja afastada a sua condenação. Alternativamente, postula a redução do montante compensatório, bem como que os juros de mora e a correção sejam computados pela SELIC, com termo inicial a citação. Pede o acolhimento da inconformidade.

O autor apresentou contrarrazões de Apelação, rebatendo os argumentos da recorrente e postulando pela manutenção da decisão de 1ª Instância.

Subiram os autos.

É o relatório.

VOTO

Colegas.

O recurso prospera.

Conforme consta, pretende a ré a reforma da sentença que a condenou ao pagamento de indenização por danos morais ao autor, fundamentando o decisum a responsabilidade da empresa pela fabricação de produto impróprio para consumo.

De pronto, cumpre sublinhar que a despeito de a responsabilidade das empresa ré ser objetiva, em face da relação de consumo, regrada pelo art. 12, caput, da Lei nº 8.078/19901, remanesce a(o) consumidor(a) o encargo de demonstrar a existência do dano e do nexo de causalidade entre o alegado prejuízo e, no caso, o produto adquirido, ônus do qual, entendo, o requerente não se desincumbiu a contento.

Sobre o tema, a doutrina que vai citada:

As regras normais do processo civil acerca do ônus da prova sofrem algumas alterações na ação de reparação de danos movida pelo consumidor derivada de acidente de consumo. A norma básica, estabelecida pelo art. 333 do CPC, atribui ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito, conferindo ao réu a demonstração dos fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor.

Como, nas demandas que tenham por base o CDC, o objetivo básico é a proteção ao consumidor, procura-se facilitar a sua atuação em juízo. Apesar disso, o consumidor não fica dispensado de produzir provas em juízo. Pelo contrário, a regra continua a mesma, ou seja, o consumidor, como autor da ação de indenização, deverá comprovar os fatos constitutivos do seu direito.

O fornecedor, como réu da ação de reparação de danos, deverá demonstrar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do consumidor, bem como aqueles cujo ônus probatório lhe for atribuído pela lei ou pelo juiz.

(...).

No Brasil, o ônus probatório do consumidor não é tão extenso, inclusive com possibilidade de inversão do ônus da prova em seu favor, conforme será analisado em seguida. Deve ficar claro, porém, que o ônus de comprovar a ocorrência dos danos e da sua relação de causalidade com determinado produto ou serviço é do consumidor. Em relação a esses dois pressupostos da responsabilidade civil do fornecedor (dano e nexo causal), não houve alteração da norma de distribuição do encargo probatório do art. 333 do CPC. [SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor – SP : Saraiva, 2002, pp. 327-8 – grifei].

Igualmente, valiosa a lição do Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO2:

“Como, nas demandas que tenham por base o CDC, o objetivo básico é a proteção ao consumidor, procura-se facilitar a sua atuação em juízo. Apesar disso, o consumidor não fica dispensado de produzir provas. Pelo contrário, a regra continua a mesma, ou seja, o consumidor, como autor da ação de indenização, deverá comprovar os fatos constitutivos do seu direito”. (grifei)

E daquilo que oportunamente referiu a douta Desª. IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA, integrante deste Tribunal de Justiça, quando de voto proferido da Apelação Cível nº 70066119306, calha transcrever:

Inicialmente, sublinho que a relação entre as partes é regida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, sendo o autor consumidor (art. 2°, CDC), e a ré fornecedora (art. 3º, CDC). Disso decorre que a responsabilidade da ré pelos danos sofridos pela parte demandante é objetiva (art. 14, CDC), ou seja, não se perquire a respeito de culpa da ré, que só se exime do dever de indenizar nas hipóteses do artigo 14, § 3º, da legislação consumerista.

No dizer de Sérgio Cavalheri Filho, no Programa de Responsabilidade Civil, Atlas, 2008, p. 170, a responsabilidade objetiva, no caso em tela, pauta-se sobre a teoria do risco do empreendimento que corresponde:

Pela teoria do risco do empreendimento, todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. […] O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos. O fornecimento de produtos ou serviços nocivos a saúde ou comprometedores da segurança do consumidor é responsável pela grande maioria dos...

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