Acórdão nº 50091680420228210003 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 24-05-2023

Data de Julgamento24 Maio 2023
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo50091680420228210003
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003587292
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Recurso em Sentido Estrito Nº 5009168-04.2022.8.21.0003/RS

TIPO DE AÇÃO: Feminicídio (art. 121, §2º, VI e §2º-A)

RELATORA: Desembargadora JANE MARIA KOHLER VIDAL

RECORRENTE: ANDRE LUIS SANTOS DE ARAUJO (ACUSADO)

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por ANDRE LUIS SANTOS DE ARAUJO em face da decisão de pronúncia proferida nos autos da ação penal.

Inicialmente, adoto o relatório lançado na decisão de pronúncia (evento 91, SENT1):

O Ministério Público, com base no inquérito policial n.º 314/2022/100427/A, proveniente da DEAM de Alvorada/RS, ofereceu denúncia contra ANDRÉ LUÍS SANTOS DE ARAÚJO, solteiro, portador do RG n.° 6065208453, natural de Porto Alegre/RS, filho de José Ivonir Franca de Araújo e Maria Neuza Santos de Araújo, nascido em 19 de dezembro de 1975, com 46 (quarenta e seis) anos de idade na data do fato, cor branca, ensino fundamental, profissão e situação econômica não esclarecidas nos autos, residente na Rua Cristóvão Pereira, n.º 392, compl. Casa, em Alvorada/RS, atualmente recolhido em estabelecimento prisional, em razão da suposta prática dos seguintes eventos:

No dia 21 de março de 2022, por volta das 22h00min, na Travessa Tupirambá, n.º 47, bairro Jardim Alvorada, em Alvorada/RS, o denunciado ANDRÉ LUÍS SANTOS DE ARAÚJO, por motivo torpe, mediante recurso que dificultou a defesa da ofendida e contra mulher por razões da condição do sexo feminino, matou a vítima Graziela Albino Lima, causando-lhe ferimentos fatais decorrentes de golpes de faca.

Na oportunidade, o denunciado, após discussão acerca do término do relacionamento que nutria com a vítima, passou a desferir golpes de faca contra o corpo de Graziela, ferindo-a e, por conta disso, causando o resultado morte.

O denunciado praticou o crime por motivo torpe, ciúmes, na medida em que teve como móvel o sentimento de posse em relação à vítima, a qual expressou vontade em não mais continuar com o relacionamento que nutriam.

O acusado praticou o delito mediante recurso que dificultou a defesa da ofendida, vez que, em condição de vulnerabilidade, a vítima foi golpeada por indivíduo com superioridade de arma e de força, sem que, assim, pudesse esboçar efetiva reação defensiva.

O crime foi praticado contra a mulher e por razões da condição do sexo feminino, envolvendo violência doméstica e familiar, haja vista a relação conjugal e de coabitação entre a vítima e o denunciado.

A infração penal foi cometida na presença física de descendente da vítima, que, durante a execução do crime, gritava “não mate minha mãe” e “ele matou a minha mãe”.

Em razão do fato descrito na peça exordial acusatória, o Ministério Público reputou ter o denunciado incorrido no artigo 121, §2º, incisos I, IV e VI, §7º, inciso III, do Código Penal, nos moldes da Lei n.º 8.072/90.

A denúncia foi recebida em 27/04/2022 (Evento 3).

O réu foi citado e apresentou resposta à acusação (Evento 16).

Durante a instrução do feito, foram ouvidas quatro testemunhas arroladas pela acusação e uma arrolada pela defesa, bem como interrogado o demandado, que optou por permanecer em silêncio (Evento 65).

Em alegações finais orais, o Ministério Público argumentou ter sido comprovada a materialidade dos fatos, bem como a sua autoria, postulando a pronúncia do acusado nos exatos termos da denúncia (Evento 71).

A defesa do demandado, por sua vez, em memoriais, sustentou estar comprada autoria do delito descrito no primeiro fato. Por outro lado, discorreu acerca da não preservação do local do crime e ausência de perícia. Pugnou pela absolvição do réu quanto ao delito em questão. Requereu, subsidiariamente, o afastamento das qualificadoras do motivo torpe e do emprego de meio que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima. Postulou a revogação da prisão preventiva (Evento 88).

Vieram os autos conclusos para sentença.

Sobreveio decisão de pronúncia, submetendo o acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri, como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, inciso IV (à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;) e VI (contra mulher por razões de sexo feminino) e § 7º, inciso III (presença física de descendente da vítima) todos do Código Penal, nos moldes da Lei nº 8.072/90.

Inconformado, o acusado interpôs recurso em sentido estrito (evento 109, RAZRECUR1). Em suas razões, sustentou a ausência de provas ou indícios de envolvimento no delito, sendo imperiosa a reforma da sentença. Destacou que as testemunhas afirmaram que André sempre foi bom para a vítima. Referiu que a preservação do local do crime é essencial para que não ocorra alteração até a realização da perícia. Teceu diversas considerações acerca do conjunto probatório existente em juízo, pretendendo a absolvição do réu. Requereu o provimento do recurso para a impronúncia do acusado.

As contrarrazões foram apresentadas (evento 112, CONTRAZ1).

Em juízo de retratação, a decisão de pronúncia foi mantida (evento 114, DESPADEC1).

Neste grau de jurisdição, o Ministério Público apresentou parecer, opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 8, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Pretende a acusação, em síntese, a impronúncia do acusado por não haver indícios mínimos de autoria ou participação no crime em julgamento.

Adianto que a insurgência não prospera.

Inicialmente, destaco que, no procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri, a fase do sumário da culpa funciona como juízo de prelibação. A cognição restringe-se à verificação da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

Oportuno transcrever o disposto no art. 413 do Código de Processo Penal:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

§ 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

§ 2o Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

§ 3o O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.

Segundo dispõe o art. 5°, inciso XXXVIII, alínea 'd', da Constituição Federal, é reconhecida a competência do conselho de sentença para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Por essa razão, na decisão de pronúncia, não cabe fundamentação que evidencie juízo de convencimento acerca da autoria, sob pena de excesso de linguagem. Dessa forma, dá-se a valoração racional da prova em instrução preliminar.

Nesse contexto, o standard probatório para o juízo de pronúncia deve se pautar na preponderância das provas produzidas em contraditório judicial, não podendo se valer, exclusivamente, de elementos de informação colhidos na fase de investigação.

A título ilustrativo, destaco a ementa do Recurso Extraordinário n°...

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