Acórdão nº 50092001520228210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50092001520228210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003065056
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5009200-15.2022.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador NEWTON BRASIL DE LEAO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

1. O Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de LUCAS PEREIRA IGNÁCIO, dando-o como incurso nas sanções do 16 §1º inciso IV da Lei nº 10.826/03, pela prática do fato delituoso assim narrado:

"FATO DELITUOSO:

No dia 20 de janeiro de 2022, por volta da 12h, na Rua José Carlos do Nascimento, 271, Bairro Restinga, nesta Capital, o denunciado LUCAS PEREIRA IGNÁCIO possuiu, mantendo sob guarda, no interior de sua residência, arma de fogo de uso permitido consistente na pistola Taurus, calibre 380, de numeração suprimida, e vinte e quatro munições de mesmo calibre (Evento 1, AUTOCIRCUNS5), sem autorização legal ou regulamentar.

Quando dos fatos, o denunciado, que guardava a arma de fogo antes descrita no interior de sua residência, foi procurado por policiais civis em razão de cumprimento de mandado de prisão. Após comunicado da prisão, questionado sobre drogas e armas em sua residência, admitiu a posse da pistola, arma que foi apreendida, juntamente com um carregador sobressalente e a munição.

O denunciado, por ocasião dos fatos, encontrava-se foragido do sistema prisional, consoantes informações constantes no histórico prisional anexo.

O denunciado é reincidente, registrando condenações transitadas em julgado por porte ilegal de arma de fogo e por roubo (Ação Penal 001/2.15.0053684-7, da 5ª Vara Criminal do Foro Central, e 001/2.18.0059705-1 da 4ª Vara Criminal do Foro Centra, a), e responde a Ações Penais pela prática de receptação e adulteração de sinal identificador de veículo e por roubo ( 5134901- 20.2021.8.21.0001 da 13ª Vara Criminal do Foro Central, e 5122448- 27.2020.8.21.0001 da 10ª Vara Criminal do Foro Central - embora conste a informação “não denunciado”, LUCAS IGNÁCIO é réu nas ações penais), consoante certidão de antecedentes criminais (Evento 15)."

A denúncia foi recebida pelo Juízo singular em 24.01.2022 (evento 4, DESPADEC1).

Após regular tramitação do feito sobreveio sentença julgando procedente a pretensão acusatória para condenar LUCAS PEREIRA IGNÁCIO como incurso nas sanções do artigo 16 §1º inciso IV da Lei nº 10.826/03, c/c o 61 inciso I do Código Penal, às penas de 03 anos de reclusão, no regime semiaberto, e de 10 dias-multa (evento 56, SENT1).

A sentença foi publicada e registrada em 28.05.2022 (evento 56, SENT1).

Inconformados, o MINISTÉRIO PÚBLICO e LUCAS apelaram.

Nas suas razões, o MINISTÉRIO PÚBLICO requer a exasperação da pena-base, diante da existência de maus antecedentes, bem como em razão das circunstâncias do delito e culpabilidade do réu (evento 62, RAZAPELA2).

LUCAS, por sua vez, alegando inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato e atipicidade da conduta por ausência de lesividade, pugna por absolvição. Subsidiariamente, requer a isenção da pena de multa (evento 11, RAZAPELA1).

Os recursos foram contra-arrazoados (evento 13, CONTRAZAP1 e evento 17, CONTRAZAP1)

Em parecer, a Dra. Procuradora de Justiça opina pelo não provimento do apelo defensivo e pelo provimento do apelo ministerial (evento 20, PARECER1).

Esta Câmara adotou o sistema informatizado, tendo sido atendido o disposto no artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

2. No mérito, não vinga o pleito absolutório.

No que diz com os argumentos de inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato e de atipicidade da conduta por ausência de lesividade, não assiste razão à defesa.

O delito de porte ilegal de arma de fogo se trata de crime de perigo abstrato, cuja norma objetiva prevenir a ocorrência de outros ilícitos.

O tipo penal em tela não exige que o agente pretenda praticar algum crime com a arma, bastando que incorra numa das condutas tipificadas no dispositivo denunciado.

Por isso, tal crime é considerado como de mera conduta, ou seja, não exige nenhum resultado fático para sua consumação. Aliás, o escopo do legislador, ao tipificar as condutas relativas às armas de fogo, foi o de garantir proteção contra ofensa à incolumidade pública, a qual, nos termos da lei, é presumida.

Nesses crimes, o legislador tipifica um agir que, por si só, representa alta potencialidade danosa à sociedade, e o reprova, não exigindo qualquer resultado para sua configuração.

Não protegem diretamente a vida, mas, sim, a incolumidade pública, independendo, portanto, da demonstração efetiva de ocorrência de perigo à coletividade.

Outrossim, de acordo com a Súmula Vinculante n.º 10, da Corte Suprema, que consolidou o princípio da reserva de plenário, instituído no artigo 97, da Constituição Federal, não seria possível a esta Câmara Criminal declarar a inconstitucionalidade do artigo 12 da Lei n.º 10.826/03, por descaber a um órgão fracionário dos Tribunais afastar a incidência, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo.

Eis sua redação:

Súmula Vinculante nº 10, STF: Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.”

No ponto, trago, ainda, decisão da Excelentíssima Desembargadora Elba Aparecida Nicolli Bastos, quando do julgamento, pela Colenda 3ª Câmara Criminal desta Corte, da apelação crime nº 70029523222, na sessão do dia 18.06.2009.

Assim se manifestou Sua Excelência:

“A Lei tutela a incolumidade pública, a segurança coletiva, estabelecendo penas proporcionais ao bem jurídico que busca proteger e garantir. O Estado, objetivando tutelar o interesse coletivo, assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, como valores supremos, garantidos pela Carta Política de 1988, através do legislador pretendeu punir de forma mais rigorosa, o cidadão comum que pretendesse armar-se, ameaçando com isto a incolumidade pública. E não há inconstitucionalidade no exercício de sua função legislativa. O agravamento das penas cominadas na Lei 10.826/03 em comparação às Contravenções (artigo 19) e à Lei 9.437/97, buscou atender o interesse em punir mais severamente, aqueles que circulam, portam ou propagam o comércio de armas. Toda a severidade dos dispositivos, é verdade, justificava-se com maior propriedade, caso tivesse sido aprovado o Referendum de 2005, que proibia a comercialização de armas, mas rejeitado este, não significa que a punição de condutas normativas, comportamentais, delitos de perigo sejam inconstitucionais, pois como se disse, cabe ao Estado o poder regulatório, disciplinar da conduta dos cidadãos, a fim de assegurar a segurança da coletividade e neste se insere a Lei 10.826/03.

Além disso, vale lembrar que o STF, ao julgar a ADIN nº 3.112-1, relativa à Lei de Armas, declarou como inconstitucionais, tão-somente, os parágrafos únicos dos seus artigos 14 e 15, bem como seu artigo 21.

Nada há de inconstitucional,...

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