Acórdão nº 50093374320178210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 22-06-2022

Data de Julgamento22 Junho 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50093374320178210010
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002204643
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5009337-43.2017.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: ICMS/ Imposto sobre Circulação de Mercadorias

RELATORA: Desembargadora LUCIA DE FATIMA CERVEIRA

APELANTE: JATT ADMINISTRACAO E PARTICIPACOES LTDA (EMBARGANTE)

APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (EMBARGADO)

RELATÓRIO

JATT ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA apela da sentença que, nos autos dos Embargos de Terceiros opostos contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, assim dispôs:

Vistos etc.

[...]

ISSO POSTO, julgo IMPROCEDENTES os EMBARGOS DE TERCEIRO oferecidos por JATT ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA., condenando o embargante ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da causa, corrigido pelo IPCA-E desde a sua propositura, na forma do art. 85 do CPC.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Em suas razões, sustenta a parte apelante, em síntese, preliminarmente, nulidade por não ter sido intimada antes da sentença. Aponta cerceamento de defesa em face do julgamento surpresa. No mérito, argumenta ser proprietária do imóvel de matrícula n. 45.870 do Registro de Imóveis da Primeira Zona de Caxias do Sul/RS, adquirido de boa-fé em junho de 2012, conforme data de pagamentos, pelo valor total de R$ 1.650.000,00. Alega que diligenciou, ao tempo da aquisição do bem, todas as certidões necessárias para resguardar a segurança do negócio jurídico. Defende que certificou-se que, mesmo após a alienação, a vendedora possuía reserva de bens suficientes para fazer frente aos débitos fiscais. Informa que os ativos superavam, ao tempo da venda, os passivos. Atesta a inaplicabilidade do art. 185 do Código Tributário Nacional. Cita o Tema 290 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Colaciona jurisprudência. Aduz que, de forma subsidiária, em caso de vencidas as razões anteriores, não pode responder pela totalidade do débito fiscal da parte executada, se não até o montante equivalente ao das inscrições em dívida ativa até a data da alienação do bem (junho de 2012). Pede provimento.

Com contrarrazões, vêm os autos conclusos para julgamento.

Observado o disposto nos artigos 931 e 934 do Código de Processo Civil.

É o relatório.

VOTO

Preliminar de nulidade da sentença

Alega a parte apelante que não lhe foi oportunizada manifestação prévia acerca do julgamento, circunstância que acarretaria a nulidade da sentença em face da violação do Princípio da não-surpresa, insculpido no art. 10 do CPC.

Sem razão.

Tratando-se de matéria de direito, faz-se possível o julgamento da lide, inexistindo, deste modo, julgamento surpresa. Ademais, a sentença hostilizada não inovou ou decidiu sobre questões não mencionadas nos autos, ao contrário, decidiu à luz dos elementos jurídicos constantes nos autos e produzidos sob o crivo do contraditório.

Afasto a preliminar.

Mérito

Cuida-se de Embargos de Terceiros opostos em face da decisão que intimou o adquirente a manifestar-se nos termos do art. 792, §4º, do CPC, em virtude da alegação do ente estadual de fraude à execução nos autos da execução fiscal de n. 010/1.12.0017458-5, em que o Estado do Rio Grande do Sul move contra TMW Indústria Metalúrgica Ltda.

De início, importa referir que a inscrição em dívida ativa do crédito cobrado na referida execução fiscal, referente a ICMS declarado em GIA em atraso, foi realizada em 21/01/2012, tendo a execução em questão sido ajuizada na data de 05/06/2012 (Evento 15, OUT5, p. 3 dos autos originários de n. 010/1.12.0017458-5).

A empresa embargante, Jatt Administração e Participações Ltda, alega boa-fé na aquisição do imóvel de matrícula de n. 45.870 do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Caxias do Sul/RS, sendo possuidores e legítimos proprietários do bem. Informa que adquiriu o imóvel por meio de escritura pública, lavrada em 02 de novembro de 2012 e registrada em 20 de novembro de 2012 (Evento 3, PRODJUCID2, fl. 59v dos autos originários), sendo terceiros na discussão de dívida ativa no executivo fiscal supracitado, não podendo serem penalizados pelos ilícitos praticados por outrém.

Pois bem.

Como se observa dos autos, o imóvel em questão, localizado na cidade de Caxias do Sul/RS, pertencia a empresa Jatt Administração e Participações Ltda, de CNPJ n. 16.616.098/0001-46 na época do ajuizamento da ação, conforme o documento do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Caxias do Sul.

Logo, resta evidente que o negócio entabulado entre a empresa executada, TMW Indústria Metalúrgica LTDA, e o terceiro Jatt Administração e Participações Ltda, se deu quando haviam débitos inscritos em dívida ativa em nome do executado.

Nesse sentido, resta caracterizada a fraude à execução, nos termos do artigo 185 do Código Tributário Nacional, considerando que a alienação restou efetivada em novembro de 2012, ou seja, após a entrada em vigor da Lei Complementar n. 118/2005.

Deste modo, em executivo fiscal, revela-se suficiente à configuração da fraude a alienação de bens integrantes do patrimônio do devedor após a inscrição em dívida ativa e sem a reserva de capital suficiente à quitação do débito tributário.

A propósito, disciplina o CTN:

Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)

É, pois, desnecessário para o reconhecimento da fraude o registro de penhora ou a comprovação de má-fé da parte adquirente, tal qual exige o verbete nº 3751 do Superior Tribunal de Justiça.

A não-aplicação deste enunciado em feito executivo fiscal, inclusive, foi ratificada pelo STJ quando do julgamento do REsp nº 1.141.990/PR, em 10/11/2010, submetido ao regime do art. 543-C do CPC/73, correspondente ao art. 1.036 do CPC/2015, como se depreende da seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE BEM POSTERIOR À CITAÇÃO DO DEVEDOR. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO NO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO - DETRAN. INEFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. ARTIGO 185 DO CTN, COM A REDAÇÃO DADA PELA LC N.º 118/2005. SÚMULA 375/STJ. INAPLICABILIDADE.

1. A lei especial prevalece sobre a lei geral (lex specialis derrogat Lex generalis ), por isso que a Súmula n.º 375 do Egrégio STJ não se aplica às execuções fiscais.

2. O artigo 185, do Código Tributário Nacional - CTN, assentando a presunção de fraude à execução, na sua redação primitiva, dispunha que: "Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução . Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados pelo devedor bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida em fase de execução ."

3. A Lei Complementar n.º 118, de 9 de fevereiro de 2005, alterou o artigo 185, do CTN, que passou a ostentar o seguinte teor: "Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita."

4. Consectariamente, a alienação efetivada antes da entrada em vigor da LC n.º 118/2005 (09.06.2005) presumia-se em fraude à execução se o negócio jurídico sucedesse a citação válida do devedor; posteriormente à 09.06.2005, consideram-se fraudulentas as alienações efetuadas pelo devedor fiscal após a inscrição do crédito tributário na dívida ativa.

5. A diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas.

6. É que, consoante a doutrina do tema, a fraude de execução, diversamente da fraude contra credores, opera-se in re ipsa, vale dizer, tem caráter absoluto, objetivo, dispensando o concilium fraudis. (FUX, Luiz. O novo processo de execução: o cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 95-96 / DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 278-282 / MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 210-211 / AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 472-473 / BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 604).

7. A jurisprudência hodierna da Corte preconiza referido entendimento consoante se colhe abaixo: “O acórdão embargado, considerando que não é possível

aplicar a nova redação do art. 185 do CTN (LC 118/05) à hipótese em apreço (tempus regit actum), respaldou-se na interpretação da redação original desse dispositivo legal adotada pela jurisprudência do STJ”. (EDcl no AgRg...

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