Acórdão nº 50094795420218210027 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50094795420218210027
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003118361
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5009479-54.2021.8.21.0027/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATORA: Desembargadora ANA PAULA DALBOSCO

APELANTE: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU)

APELADO: JOSE ADELAR GONCALVES DE SOUZA (AUTOR)

RELATÓRIO

BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. opõe embargos declaratórios em face do acórdão proferido nos autos da apelação cível, o qual foi assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. INÉPCIA DA INICIAL. CONTRATO DE CRÉDITO BANCÁRIO – JUROS EXCESSIVOS. CRÉDITO CONSIGNADO SOBRE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO E LIMITAÇÃO DOS JUROS. PIRÂMIDE DE KELSEN. MORA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS.

INÉPCIA DA INICIAL.

Preliminar de inépcia da inicial afastada, tendo em vista que os fundamentos da peça inaugural foram indicados de forma satisfatória, tendo cada um deles a respectiva defesa, demonstrando a inexistência de qualquer prejuízo à ré. Economia processual e primazia do julgamento de mérito que recomendam o enfrentamento da matéria posta a exame.

CONTRATO DE CRÉDITO BANCÁRIO – JUROS EXCESSIVOS. CRÉDITO CONSIGNADO SOBRE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO E LIMITAÇÃO DOS JUROS. PIRÂMIDE DE KELSEN.

No norte fixado pelo eg. STJ em sede de recurso repetitivo, o excesso de juros deve ser demonstrado caso a caso, a partir do confronto entre as taxas de juros cobradas pela instituição financeira e as médias constantes da tabela divulgada pelo BACEN para as mesmas operações de crédito, admitindo-se, quando restar demonstrada a exorbitância do encargo, a interferência judicial no contrato para proceder-se à ablação da parcela que ultrapasse aquela média definida pelo Banco Central.

É intrinsicamente contraditório o argumento de que o empréstimo consignado sobre pensão previdenciária possa ser onerado com uma maior carga de juros que os demais.

O risco da inadimplência é afastado nos empréstimos consignados, porque as parcelas são descontadas diretamente da folha do salário ou do benefício previdenciário. Daí resultar, de ordinário, taxas de juros mais baixas, o que aqui está ausente, dado de que o valor dos encargos superou o da média mensal de juros do mercado aferida pelo BACEN.

Não se pode dar a uma Instrução Normativa do INSS, força derrogatória do Código de Defesa do Consumidor, sob pena de se infringir a regra da obediência à hierarquia da leis. A estrutura escalonada dos diferentes tipos de normas jurídicas, graficamente representada pela denominada Pirâmide de Kelsen, contém implicitamente o princípio de que as normas de menor hierarquia não podem neutralizar nem muito menos derrogar as de maior grau.

DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA.

Constatada abusividade contratual nos encargos da normalidade, resta descaracterizada a mora.

REPETIÇÃO DO INDÉBITO.

O pagamento resultante de cláusula contratual, declarada nula em sede judicial deve ser devolvido de modo simples, e não em dobro.

No caso de ser apurado eventual excesso, poderá ser compensado com o restante da dívida, ou, se a obrigação restar quitada, a sua devolução, de forma simples.

REDIMENSIONAMENTO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.

Proporção da sucumbência mantida, considerando-se não apenas o aspecto quantitativo dos pedidos formulados – número de cláusulas controvertidas –, mas também o qualitativo – impacto da revisão no contrato.

APELO DESPROVIDO.

Em suas razões, alega que houve omissão e obscuridade no julgado, porquanto deixou de considerar certa “margem de tolerância” entre a taxa de juros pactuada e a média divulgada pelo BACEN. Sustenta ausência de fundamentação no acórdão que não utilizou da Normativa do INSS para realizar o cotejo. Pede provimento do recurso, com efeito infringente, visando à improcedência da ação.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Mérito do recurso

Eminentes colegas.

Ensina-se na área da administração que um dos objetivos da política de controle de qualidade é o de chegar-se ao patamar do “zero defeito”, o que implica a adstrição à regra de que nenhum erro ou falha pode ser ignorado nem muito menos relevado. Esse desiderato requer não apenas a tomada das correspondentes medidas corretivas, como a implementação de ações ou procedimentos para detectar o defeito ou auxiliar na sua identificação.

Transplantando-se esse conceito para a área jurídica, há que se reconhecer que o recurso de embargos de declaração tem se revelado um eficaz instrumento para o controle de qualidade do trabalho jurisdicional, permitindo, a partir do olhar atento e interessado do embargante, que o próprio decisor efetue a pronta correção do erro material ou dos defeitos listados no artigo 1.022 do Código de Processo Civil.

Em que pese essa estimável vocação, destaca com a propriedade de sempre o Des. Araken de Assis que “os embargos declaratórios enfrentam relutância natural do órgão judiciário” (sic), porque, “à diferença dos recursos remetidos ao órgão ad quem, compete ao próprio juiz que emitiu o provimento apreciar a crítica direta que lhe é feita e deliberar acerca dos defeitos que, objetivamente, não depõe a favor do anterior exame atento da causa e do emprego da correta técnica em julgar. Em vão se prega, a esse propósito, largueza de espírito no julgamento dos embargos. Integra a natureza humana tanto a soberba quanto a modéstia. Só homens e mulheres muito evoluídos e superiores exibem a humildade necessária para reconhecer e corrigir os próprios erros.” (Manual dos Recursos, ed. RT 2007, p. 580, n. 65).

No mesmo sentido, Pontes de Miranda: Os juízes e tribunais devem atender com largueza, aos pedidos de declaração, tanto mais quanto pode haver sutileza que influa na eficácia da decisão, e o juiz ou o tribunal não conheça o interesse das partes em eliminá-la, ou em fazê-la explícita. A impertinência do embargante só se manifesta quando o seu fito é protelatório; não o sendo, é de todo o interesse, ainda para a Justiça, que se declare o conteúdo das sentenças. Nem sempre os tribunais tem atendido a esse elemento de interesse público – e estatal - da declaração.” (Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo VII, Forense, 1975, p. 395).

Na esfera jurisprudencial, há que se ter a permanente memória de paradigmático aresto do eg. STF, que sob a pena brilhante do Min. Marco Aurélio assentou que:

Os embargos de declaração não consubstanciam crítica ao ofício judicante, mas servem-lhe ao aprimoramento. Ao apreciá-los, o órgão deve fazê-lo com espírito de compreensão, atentando para o fato de consubstanciarem...

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