Acórdão nº 50096933120188210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 04-05-2022

Data de Julgamento04 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50096933120188210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001926836
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5009693-31.2018.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador TASSO CAUBI SOARES DELABARY

APELANTE: LEANDRO JOSE DE ALMEIDA BENINI (AUTOR)

APELADO: ADRIANA MARTINS DA SILVEIRA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por LEANDRO JOSE DE ALMEIDA BENINI, nos autos da ação de indenização ajuizada em face de ADRIANA MARTINS DA SILVEIRA, contra sentença [ Evento 3, PROCJUDIC7 - fls. 4/8], que julgou improcedente a pretensão deduzida na exordial, condenando o autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios devidos à parte adversa, fixados em 15% sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade por litigar sob o amparo da assistência judiciária gratuita.

Em suas razões [ Evento 3, PROCJUDIC7 - fls. 14/43], referiu que a demandada, atuando como advogada nos autos do processo n. 9000323-85.20188.21.4001, no 8º Juizado Especial Cível - JEC, no Foro Regional da Restinga desta capital, o ofendeu em audiência de instrução e julgamento realizada, quando verbalizou para o cliente dela afirmando "é muito burro", no momento em que o demandante interrogava uma testemunha dos autores daquela demanda. Destacou que se encontravam aproximadamente 12 pessoas na sala, incluindo partes, advogados, testemunhas, a juíza leiga e a magistrada presidente. Argumentou que o fato foi constrangedor e colocou em dúvida a capacidade profissional do autor perante todos os presentes. Aliado a isso, ressaltou que o fato foi devidamente registrado em ata pela magistrada presidente, que finalizou a solenidade e perguntou à demandada, Dra. Adriana, sobre o ocorrido, tendo ela confirmado a ofensa praticada. Mencionou que a ofensa irrogada em juízo só está agasalhada pela imunidade do advocado se as expressões empregadas configurarem crime de injúria e/ou difamação e seu conteúdo versar sobre o litígio. Indagou como se sentiria um membro do Ministério Público ou mesmo um magistrado se fosse chamado por um dos advogados de "burro" ou "muito burro". Teceu considerações acerca da prova produzida, aduzindo ter a recorrida mudado sua versão no curso do processo, tentando fazer crer que nada fez. Requereu, assim, o provimento do recurso, com a reforma da sentença recorrida.

Apresentadas contrarrazões [Evento 3, PROCJUDIC7 - fls.49/50 e Evento 3, PROCJUDIC8 - fls. 1/12], foram os autos remetidos a esta Corte e vieram distribuídos por sorteio.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço dos recursos, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Reclama o autor a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais alegadamente sofridos em razão de manifestação feita em audiência que reputa injuriosa e ofensiva à sua honra.

Com efeito, a responsabilidade civil consubstanciada no dever de indenizar é oriunda do ato ilícito resultante da violação da ordem jurídica, com ofensa ao direito alheio, exigindo-se, necessariamente, a presença dos seguintes pressupostos legais, quais sejam: a ação do agente, o resultado lesivo e o nexo causal entre o ato danoso e o resultado. A culpa, por sua vez, também deve estar presente, caracterizando um elemento nuclear da responsabilidade civil subjetiva.

Quanto ao primeiro elemento, deve haver a noção de voluntariedade, de modo que a conduta pode ser positiva ou negativa. A ação ou a omissão trata-se de aspecto físico da conduta, sendo a vontade o seu aspecto subjetivo, sua carga de energia psíquica que impele o agente. Em outras palavras, é o impulso causal do comportamento humano. Além disso, em regra, a conduta deve ser ilícita, considerando que os casos de indenização por ato lícito são excepcionalíssimos, só tendo lugar nas hipóteses expressamente previstas em lei. Enquanto o dolo se constitui na “vontade consciente de violar direito1”, a culpa em stricto sensu se traduz no comportamento equivocado, açodado, exagerado ou excessivo da pessoa, despido da intenção de lesar ou de violar direito, mas da qual se poderia exigir outro comportamento.

De se ressaltar, ainda, que a violação de um dever jurídico possibilita formular dois juízos de valor. O juízo sobre o caráter antissocial ou socialmente nocivo do ato ou do seu resultado e um juízo de valor sobre a conduta do agente, sendo necessário, sobre este aspecto, que o ato seja imputável ao ofensor, isto é, a quem tenha procedido culposamente2.

Sobre a culpa como pressuposto do dever de indenizar, ensina com maestria Sergio Cavalieri Filho3, verbis:

Não basta a imputabilidade do agente para que o ato lhe possa ser imputado. A responsabilidade subjetiva é assim chamada porque exige, ainda, o elemento culpa. A conduta culposa do agente erige-se, como assinalado, em pressuposto principal da obrigação de indenizar. Importa dizer que nem todo comportamento do agente será apto a gerar o dever de indenizar, mas somente aquele que estiver revestido de certas características previstas na ordem jurídica. A vítima de um dano só poderá pleitear ressarcimento de alguém se conseguir provar que esse alguém agiu com culpa; caso contrário, terá que conformar-se com a sua má sorte e sozinha suportar o prejuízo.

Rui Stoco4, ao seu turno, também assevera:

[...] quando o legislado, na Parte Geral do Código Civil, conceituou o ato ilícito, fê-lo com as seguintes exigências: a existência de uma ação ou omissão voluntária; que essa ação ou omissão tenha sido pratica mediante negligência ou imprudência e que tal comportamento viole o direito preexistente, que quer dizer, que seja contra jus.

Exigiu-se, como se verifica, para que nasça o ato ilícito, além da ofensa ao ordenamento jurídico, que essa conduta tenha ocorrido intencionalmente ou por imprudência ou negligência.

Conclui-se, assim, que não basta a prática de um ato prejudicial aos interesses de outrem, sendo imprescindível a ilicitude, consubstanciada na violação de dever jurídico preexistente.

O nexo de causalidade é o liame que une a conduta humana ao resultado danoso. Trata-se, igualmente, de elemento essencial da responsabilidade civil. Como destaca Sergio Cavalieri Filho5, “o conceito de nexo causal não é exclusivamente jurídico; decorre primeiramente das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado”. Por outro lado, não basta que as possibilidades de dano tenham sido acrescidas pelo fato alegado. É necessário ficar suficientemente demonstrado que, sem o fato alegado, o dano não teria ocorrido.

O dano, ao seu turno, é a lesão a um interesse jurídico tutelado, material ou imaterial, este ligado aos direitos da personalidade. Dano possui um sentido de diminuição do patrimônio do ofendido, por ato ou fato estranho à sua vontade, equivalendo à perda ou prejuízo. O dano é elemento fundamental da responsabilidade civil. Conforme ressalta Sergio Cavalieri Filho6, “sem dano não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa”.

A responsabilidade aquiliana, ademais, rege-se pelo princípio denominado de neminem laedere, segundo o qual a ninguém é facultado causar prejuízo a outrem, extraído do disposto no artigo 186, do Código Civil Brasileiro, o qual trata sobre o ato ilícito, verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Do ato ilícito, deflui o inexorável dever de indenizar, a teor do disposto no artigo 927 do Código Civil, verbis:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Ademais, por força da redação do artigo 953 do Código Civil, “A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido”.

Sabe-se, ainda, que a honra deve ser examinada sob dúplice aspecto. O subjetivo é constituído pelo juízo que cada indivíduo faz de si mesmo, ou seja, o sentimento de seu próprio valor social. O aspecto objetivo, por sua vez, é representado pela consideração que cada indivíduo tem na comunidade.

Na seara penal, são considerados crimes contra a honra a calúnia (art. 138, CP), a difamação (art. 139, CP) e a injúria (art. 140, CP). A calúnia, por certo, é o mais grave dos crimes contra a honra, pois a imputação falsa versa sobre fato concreto, determinado e criminoso. Aqui, o ofensor, mesmo sabendo ser o ofendido inocente, imputa à vítima um fato definido como criminoso. Diversamente da calúnia, a difamação consiste na imputação de um ato determinado que, sem revestir-se do caráter de delito, significa uma ofensa à reputação de uma pessoa. Trata-se, pois, de um minus em relação à calúnia e de um majus no que tange à injúria. Esses dois delitos atingem a honra objetiva da vítima e, por isso, consumam-se quando a falsa imputação é ouvida, lida ou percebida por uma só pessoa, além do ofendido. Não há, pois, a necessidade de que o fato chegue à ciência de uma pluralidade de pessoas para a configuração desses crimes. Por injúria, entende-se a palavra ou o gesto ultrajante com o qual o agente profere um juízo de valor depreciativo capaz de ofender a honra da vítima no seu aspecto subjetivo. Consequentemente, na injúria, não se faz necessário sequer que seu conteúdo seja comunicado a terceiro. Ao contrário, basta que seja ouvido, lido ou percebido apenas e tão somente pelo sujeito passivo7.

Aliado a isso, antes do enfrentamento da questão fática que contorna o caso sub judice, é imprescindível firmar que a inviolabilidade dos atos e manifestações do advogado não tem o caráter absoluto, como a própria Carta Política de 1988 prevê em seu artigo 133. O dispositivo...

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