Acórdão nº 50096997220178210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 31-08-2022

Data de Julgamento31 Agosto 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50096997220178210001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002506739
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5009699-72.2017.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: UNIMED CURITIBA - SOCIEDADE COOPERATIVA DE MÉDICOS (RÉU)

APELADO: SABINA ROSA LORENZONI MARASCHIN (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por UNIMED CURITIBA - SOCIEDADE COOPERATIVA DE MÉDICOS, nos autos desta ação de obrigação de fazer que lhe move SABINA ROSA LORENZONI MARASCHIN, contra a sentença referente ao Ev. 3 - Doc. 4, pp. 23-28, do processo originário, em que julgada procedente a demanda.

Adoto o relatório da r. sentença, que bem narrou o presente caso:

SABINA ROSA LORENZONI MARASCHIN, já qualificada nos autos, ajuizou ação de obrigação de fazer em face de UNIMED CURITIBA - COOPERATIVA MÉDICA LTDA, igualmente qualificada. Alegou em síntese, ter vínculo contratual com a cooperativa ré, entretanto, essa não autorizou os serviços solicitados pela autora. Aduziu ter sido diagnosticada com demência mista que inclui características da doença de Alzheimer bem como deterioro vascular, diagnóstico preexistente de arritmia cardíaca e sequelas de acidente vascular cerebral isquêmico. Referiu necessitar de cuidados contínuos - home care -, fisioterapia e dieta por gastrostomia + VO. Afirmou ser o plano Uniplan de abrangência nacional. Requereu a procedência da ação e, em caráter liminar, o fornecimento dos serviços postulados, sob pena de multa diária. Postulou a concessão do benefício da gratuidade de justiça e a designação de audiência. Juntou procuração e documentos (fls. 14/27).
Juntada custas (fls. 12/13).
Deferida a antecipação de tutela (fl. 28 e verso).

Tendo em vista a inércia da requerida quanto ao deferimento da tutela antecipada, a autora requereu a contratação de empresa terceirizada, às expensas da parte ré (fls. 31/44).

Deferido pedido da parte autora (fls. 45/46).
A requerente regularizou sua representação processual e informou o cumprimento da medida liminar pela demandada, requerendo, entretanto, sua penalização devido ao tempo despendido até o cumprimento (fls.
54/56).

Citada, a ré apresentou contestação alegando não haver arbitrariedade por sua parte, a qual agiu de acordo com o contrato firmado entre as partes e as diretrizes da Agência Reguladora. Aduziu esse ser um tratamento expressamente não ofertado pela modalidade de plano da autora. Requereu a improcedência do feito. Juntou procuração e documentos (fls. 66/84).

Houve réplica (fls. 86/89).
Instadas as partes sobre a produção de outras provas, as partes manifestaram-se pelo prosseguimento do feito.

Tendo em vista ser a requerente interditada, representada por curador, o Ministério Público apresentou parecer (fls.
99/101 e verso).
Convertido o julgamento em diligência, intimando a demandada a juntar avaliação atua de seu estado clínico (fl. 102).

Juntado laudo pela parte autora (fls.
105/106).

Acostado laudo médico da autora (fls. 107/126).
Nova manifestação da autora (fls.
129/130) e do Ministério Público (fl. 132).
Nada mais sendo requerido, vieram os autos conclusos para sentença.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

Isso posto, torno definitiva a liminar deferida e julgo PROCEDENTE o pedido aforado por SABINA ROSA LORENZONI MARASCHIN em face de UNIMED CURITIBA - COOPERATIVA MÉDICA LTDA.
Pelo resultado operado, condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte autora, os quais fixo em 15% sobre o valor atualizado da causa, levando em consideração a natureza e a importância da ação, consoante entendimento do § 2º, art. 85, do CPC.

Em suas razões recursais (evento 19, APELAÇÃO1), a parte ré defende a inexistência do dever de cobertura em razão da cláusula contratual expressa que exclui o tratamento em âmbito domiciliar. Diz que o contrato foi celebrado anteriormente ao advento da Lei 9.656/98, consistindo em contrato não regulamentado. Argumenta que foram observadas as normas consumeristas na avença. Requer o provimento do recurso com o julgamento de improcedência da demanda ou, subsidiariamente, seja limitada a obrigação de fazer ao pedido médico de fl. 16 dos autos físicos, no qual foi baseada a liminar deferida.

Sobrevieram contrarrazões (evento 25, CONTRAZ1).

O Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento do apelo (evento 8, PARECER1).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Por primeiro, cumpre reconhecer a inovação recursal da parte ré no que concerne ao pedido subsidiário para que limitada a obrigação de fazer ao pedido médico de fl. 16 dos autos físicos, uma vez que não foi veiculado perante o Juízo de Origem, sendo que o seu conhecimento implicaria em ofensa ao duplo grau de jurisdição.

Para além disso, sequer subsiste interesse recursal no tópico, porquanto a r. sentença recorrida tão somente tornou definitiva a liminar concedida, nada referindo acerca da tratamentos excedentes àqueles previstos no laudo médico acostado à fl. 16 dos autos físicos (Ev. 3, Doc.2, fl. 16 do processo originário digitalizado).

Portanto, sob qualquer ótica, não pode ser conhecido o recurso no ponto.

No mais, o recurso da parte ré é de ser conhecido, porquanto preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade, sendo tempestivo e estando comprovado o preparo (evento 19, CUSTAS8).

Inicialmente, cumpre referir que não há mais dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de seguros e de planos de saúde1. Trata-se de entendimento sumulado pelo e. STJ que, em 2010, editou a Súmula n. 469, que assim dispõe: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. Observo que o entendimento foi mantido com a edição da Súmula n. 608 do e. STJ2, a qual cancelou a anterior, tendo a última apenas criado exceção para os casos dos planos de autogestão.

Dessa forma, tornou-se clara a identificação das seguradoras ou operadoras de planos de saúde como fornecedoras de serviço e do beneficiário (segurado) como destinatário final (consumidor), nos termos do que dispõem os artigos 2º, “caput”3, e 3º, §2º4, da legislação consumerista.

Com efeito, os contratos de seguro e planos de assistência à saúde devem se submeter às regras constantes na legislação consumerista, para evitar eventual desequilíbrio entre as partes, considerando a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor; bem como manter a base do negócio a fim de permitir a continuidade da relação no tempo.

Destarte, estando os contratos submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se, dentre outras, as seguintes regras: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (art. 47 do CDC). E, considerar-se-ão abusivas, as que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada; sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor e as que se mostrem exageradas, como as excessivamente onerosas ao consumidor, as que restrinjam direitos ou ofendam princípios fundamentais do sistema (art. 51, incisos IV e XV e § 1º, incisos, I, II e III, do CDC).

Aliás, com relação à aplicação do CDC nos planos de saúde, a lição de Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem5:

“O reconhecimento da aplicação do Código do Consumidor implica subordinar os contratos aos direitos básicos do consumidor, previsto no art. 6º do Código. Daí porque o STJ tenha superado as discussões dogmáticas sobre a natureza do contrato, como seguro ou plano, e tem decidido impor a este importante tipo contratual de consumo de massa uma boa-fé extremamente qualificada, exigindo de todos os fornecedores (operadoras, seguradoras e outros), o cumprimento do dever de informação, cooperação e cuidado. (…) se de um lado é certo que a necessidade de manter equilíbrio econômico-atuarial do contrato, em vista da previsão de riscos e probabilidades, e a respectiva sustentabilidade econômica que lhe assegure – tema que pertence à expertise do fornecedor - também é correto determinar a estes contratos uma interpretação conforme à boa-fé e sempre a favor do consumidor.”

No mesmo sentido, a jurisprudência desta colenda Câmara (com meus grifos):

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DE VALORES. APOSENTADORIA. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. MANUTENÇÃO DO BENEFICIÁRIO NO PLANO. ARTIGO 31 DA LEI N.º 9.656/98. PLANO ESPECÍFICO PARA INATIVOS. POSSIBILIDADE. 1. Os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 35 da Lei 9.656/98, pois envolvem típica relação de consumo. Súmula 608 do STJ. Assim, incide, na espécie, o artigo 47 do CDC, que determina a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor. 2. É possível a manutenção do titular e seus dependentes por prazo indeterminado nos contratos de plano de saúde firmado por empresa em que o titular tenha trabalhado, desde que assuma o pagamento integral das mensalidades, exegese do art. 31 da Lei nº 9.656/98. 3. Hipótese de inclusão do autor em plano específico para inativos, com manutenção das condições de cobertura, porém com diferentes critérios para estabelecimento do valor das mensalidades. Possibilidade, nos termos da RN 279 da ANS. Precedentes. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível, Nº 70083529487, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em: 27-05-2020)

APELAÇÃO CÍVEL....

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT