Acórdão nº 50097644020178210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50097644020178210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002516846
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5009764-40.2017.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATOR: Desembargador LEANDRO FIGUEIRA MARTINS

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra A. D. P., afirmando que estava incurso (a) nas sanções do artigo 214, combinado com os artigos 224, letra "a", e 226, inciso II, na forma do artigo 71, todos do Código Penal (CP), até 06/08/2009; e (b) nas penas do artigo 217-A, combinado com o artigo 226, inciso II, na forma do artigo 71, todos igualmente do CP, a partir de 07/08/2009, pela prática do seguinte fato descrito na peça inicial (processo 5009764-40.2017.8.21.0010/RS, evento 3, PROCJUDIC1, fls. 2/4):

"Em período incerto, a partir de 2008 até 2011, na Rua XXXXX nº XXX, ap. XX, em Caxias do Sul, RS, bem como na residência onde os pais do acusado residiam, também em Caxias do Sul, RS, por diversas vezes, o denunciado A. D. P., mediante violência presumida, em face da idade da ofendida, constrangeu a vítima L. R. P., nascida em 30/05/1996, então com doze anos de idade, conforme documento anexo ao expediente policial, a praticar e a permitir que com ela se praticasse atos libidinosos diversos da conjunção carnal.

Na ocasião, o acusado, pai da vítima, por diversas vezes, passou a mão pelo corpo dela, pelos genitais, inclusive, e beijou-a na boca. Ainda, o acusado forçava a filha a tocar seu pênis, sentava-a no colo quando estava com o pênis ereto, bem como tentou penetrá-la com os dedos.

O acusado é ascendente da vítima" (adaptado).

Recebida a denúncia em 30/01/2019 (processo 5009764-40.2017.8.21.0010/RS, evento 3, PROCJUDIC3, fls. 29/30) e produzida a prova, a pretensão, nos seguintes termos, foi julgada improcedente (processo 5009764-40.2017.8.21.0010/RS, evento 3, PROCJUDIC7, fls. 18/34):

"Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação penal, para o efeito de ABSOLVER o réu A. D. P., já qualificado, da acusação veiculada na denúncia, o que faço com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal" (adaptado).

O Ministério Público ingressou com apelação, sustentando, em resumo, que (processo 5009764-40.2017.8.21.0010/RS, evento 3, PROCJUDIC7, fls. 38/39 e 43/50): (a) "não há como dar crédito à alegação do réu no sentido de que foi acusado por uma adolescente que queria voltar a viver com a mãe" (fl. 45); (b) "a vítima, em todas oportunidades em que ouvida, foi firme e coerente em seus depoimentos" (fl. 45); (c) "os fatores que circundam a ação criminosa servem e bastam para comprovar a autoria e a materialidade da conduta ilícita descrita na denúncia, surgindo a condenação como desfecho lógico da presente ação penal" (fl. 50). Pediu, assim, o provimento do recurso, com a condenação do acusado.

O réu, em contrarrazões, postulou o desprovimento do recurso (processo 5009764-40.2017.8.21.0010/RS, evento 3, PROCJUDIC8, fls. 3/32).

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça lançou parecer, manifestando-se pelo desprovimento do recurso (processo 5009764-40.2017.8.21.0010/TJRS, evento 8, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso de apelação, porquanto atendidos os requisitos previstos no artigo 593 do Código de Processo Penal (CPP).

No entanto, adianto ser caso de manutenção da sentença absolutória, visto que, analisado o contexto probatório, inexiste a certeza exigida pelo direito criminal para formação de um juízo de responsabilização na esfera penal, mostrando-se pertinente a lição de Renato Brasileiro de Lima1:

"Enfim, não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar-se – para que se qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica – em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambiguidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir qualquer magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet".

Com efeito, envolvendo a denúncia crimes contra a dignidade sexual, que, via de regra, não são presenciados por testemunhas, a palavra da vítima assume peculiar importância, revelando-se capaz de sustentar um juízo condenatório.

Contudo, isso só deve acontecer quando o conjunto de elementos formadores da convicção apontar para o mesmo sentido, ratificando o apresentado pela vítima:

"APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ESTUPRO. ART. 213 DO CP. PROVA INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A AUTORIA. SENTENÇA REFORMADA. Nos crimes cometidos com violência contra a pessoa e sem a presença de testemunhas, é certo que a palavra da vítima deve ser valorada e considerada para a condenação do réu. No entanto, a palavra deve ser coerente entre si e com os outros elementos existentes nos autos, o que não se observa no caso concreto. O depoimento prestado pela vítima padece de credibilidade, e é fragilizado em razão das demais provas colhidas nos autos, em especial o depoimento de sua própria genitora, que afirma que a filha é usuária de drogas e que a amiga da ofendida teria lhe confidenciado que a vítima disse ter dúvida acerca da imputação feita ao réu. Assim sendo, a fundada dúvida acerca da autoria delitiva milita em favor do acusado, e leva à presunção de inocência de acordo com o princípio do in dubio pro reo, de modo que sua absolvição é medida que se impõe. APELO DEFENSIVO PROVIDO PARA ABSOLVER O RÉU. UNÂNIME" (Apelação Criminal n. 70084040435, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glaucia Dipp Dreher, Julgado em: 19-10-2020).

"ESTUPRO TENTADO. PROVA INSUFICIENTE DA OCORRÊNCIA DO FATO. APELAÇÃO PROVIDA PARA ABSOLVER O APELANTE. A palavra da vítima, nos crimes contra os costumes, assume valor probante de alta relevância. Mas a narrativa da vítima perde essa qualidade de prova privilegiada quando em dissonância com outros elementos probatórios ou quando alguma circunstância possa lançar dúvida sobre a veracidade do relato. Como consabido, a condenação criminal só pode ser proclamada ante a existência de prova iniludível. Qualquer dúvida, por menor que seja, impõe a absolvição do acusado" (Apelação Crime n. 697185957, 1ª Câmara Criminal do TJRS, Três de Maio, Rel. Des. Ranolfo Vieira. j. 22.04.98. - grifou-se).

No caso em tela, objetivamente, a prova produzida para acolhimento da acusação ficou restrita aos depoimentos da vítima e de testemunha (genitora), não existindo qualquer exame técnico/pericial para avaliação psicológica ou psíquica dos envolvidos a corroborar a descrição fática contida na denúncia.

Além disso, os laudos de lesão corporal, de ato libidinoso diverso da conjunção carnal e de conjunção carnal (processo 5009764-40.2017.8.21.0010/RS, evento 3, PROCJUDIC2, fls. 22/24) nada comprovaram, diretamente, sobre os fatos indicados como ilícitos na peça inicial. Referiram, somente, em termos de particularidade, "no braço direito, joelho direito e panturrilha direita, equimoses roxo-amareladas; no leito ungueal do polegar direito, coleção hemática" (fl. 22), ficando a prova resumida, portanto, objetivamente, a um conflito de versões.

Dentro deste quadro, transcrevo, inicialmente, o consignado na sentença sobre a prova oral (processo 5009764-40.2017.8.21.0010/RS, evento 3, PROCJUDIC7, fls. 18/34):

"L. R. P., ouvida na condição de vítima, recordou que os fatos começaram quando tinha 11 anos, logo depois que começou a menstruar. Disse que costumavam ir para uma chácara, o acusado esperava M. dormir e deitava-se do seu lado para abraçá-la. Além disso, passava a mão nos seus seios e vagina, quando estava dormindo. Informou que acordava durante os abusos e fingia que estava dormindo por medo. Referiu que, nas primeiras vezes, acreditou que estivesse imaginando, porém, os abusos começaram a acontecer frequentemente. Disse que os fatos ocorriam nos finais de semana, no momento em que pernoitavam na casa dos avós. Percebeu que era errado e o réu começou a “forçar a barra”, usando chantagens para convencê-la, prometendo que deixaria ir na casa de alguém ou que poderia ganhar presentes e passou a tentar beijá-la “de língua”. Informou que o réu dizia que poderia deixar fazer algumas coisas, caso fosse “boazinha”. Referiu que pouco antes de ir embora o acusado havia parado com os abusos. Contou que tiveram uma fase bem conflituosa e, depois, ele dizia que tinham colocado uma pedra sobre o assunto. Informou que o denunciado era violento e tinha muito medo em razão das agressões físicas que sofria. Referiu que os fatos aconteceram até os seus 15 anos. Explicou que crime começou na casa dos avós e foi progredindo. Relatou que o acusado não a deixava trancar a porta do seu quarto. Referiu que, em uma ocasião, foi viajar com o pai, ficaram em um hotel num quarto com duas camas, ele tentou passar a mão no seu corpo e tirar a sua calcinha, tendo sentido muito medo, porém, ele dizia que não iria mais incomodá-la. Comentou sobre o fato para um amigo da escola e, depois, para um namorado, de nome E. Começou a querer ir embora, o acusado autorizou, porém depois mudou de ideia, dizendo que deveria enfrentar os problemas de frente e estava tendo um comportamento de adolescente revoltada. Nesse dia, apanhou do acusado e contou para a Diretora da Escola na segunda-feira, o Conselho Tutelar a retirou de casa, ficou na casa da mãe do namorado um dia, até o acusado comprar a passagem para ir embora. Informou que a genitora ficou sabendo do fato, quando chegou em Santa Catarina. Contou que tinha um bom relacionamento com M., com a qual conversa bastante, porém, acreditou que ela fosse ficar do seu lado. Declarou que M....

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