Acórdão nº 50098014420218210037 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Criminal, 18-07-2022

Data de Julgamento18 Julho 2022
ÓrgãoSétima Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50098014420218210037
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002336376
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

7ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5009801-44.2021.8.21.0037/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATOR: Desembargador HONORIO GONCALVES DA SILVA NETO

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto por A.F.C.B. em face da sentença que, reconhecendo-o como incurso nas sanções do artigo 217-A do Código Penal, impôs-lhe a pena de oito anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto (50.1).

Eis o teor da acusação (1.1):

No dia 06 de setembro de 2021, por volta da 1h, na BR472, km 580, n.º 5815, Bairro Salso de Baixo, em Uruguaiana/RS, A.F.C.B praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima D.G.S.B., nascida em 01/07/2013, menor de 14 (quatorze) anos na data dos fatos.

Na oportunidade, o denunciado, aproveitando-se do momento em que os genitores da vítima não estavam presentes no mesmo cômodo da residência, passou a mão nas partes íntimas da ofendida, com o intuito de satisfazer sua lascívia sexual.

À guisa de complementação dos fatos, o denunciado estava visitando a casa da vítima acompanhado da tia da genitora da ofendida, sua companheira.

O denunciado praticou o delito durante o estado de calamidade pública, decretado em todo o Estado do Rio Grande do Sul para fins de prevenção e de enfrentamento à epidemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19), declarado pelo Decreto n.º 55.128, de 19 de março de 2020, reiterado pelos decretos subsequentes, e em vigor na data dos fatos.

Pretende, em síntese, a desclassificação da infração para a de importunação sexual, afirmando que não houve violência ou ameaça à vítima e sustentando "o emprego da interpretação analógica ao caso concreto requer a observância ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, autorizando a desclassificação para o crime de importunação sexual, nos termos do art. 215-A do Código Penal". No restante, requer a redução do apenamento, com a aferição neutra da circunstância judicial culpabilidade (70.1).

Com as contrarrazões (74.1), vieram os autos a esta instância, exarando parecer o Dr. Procurador de Justiça, manifestando-se pelo desprovimento do recurso (7.1).

VOTO

Colhe-se que apelante se encontra condenado pela prática do crime de estupro de vulnerável, em virtude da prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnaval com criança que contava com oito anos de idade à época dos fatos.

Veja-se, a propósito, os dados informativos considerados para a condenação do acusado, registrados na sentença:

Em relação à autoria, a vítima D. contou que o acusado e sua esposa estavam visitando a família, referindo que no dia do fato estava olhando filme e A. (acusado) passou as mãos no meio das suas pernas. Disse que o fato aconteceu quando ela já tinha oito anos, não sabendo precisar em que época do ano. Que contou acerca do abuso para a sua genitora no mesmo dia. Pontuou que A. (acusado) não disse nada e não proferiu ameaças, e ambos estavam de roupa na hora do fato. Mencionou que era a primeira vez que o acusado visitava a família. Que sua genitora mandou ela para a casa da avó e chamou a polícia, sendo A. (acusado) preso no mesmo dia. Relatou que somente a sua genitora conhecia o acusado. Que estava vestindo uma calça e uma blusa de manga curta, afirmando que o acusado começou a falar coisas para distraí-la e foi passando as mãos no meio das suas pernas. Afirmou que o acusado se postou nas suas costas e fazia ela pular sentada em uma bola de yoga, momento que também passava as mãos no meio das suas pernas. Que achou estranha a atitude do acusado, mas não ficou com medo.

O policial Willian relatou que foram acionados pela genitora da vítima. Referiu que chegando no local foram recepcionados por Miriam e Rene, pais da vítima, e que A. (acusado) estava dormindo. Que em conversa informal com A. (acusado) ele admitiu que havia passado as mãos na ofendida. Mencionou que a família estava bem abalada.

O informante Rene, pai da ofendida, relatou que receberam o acusado e a esposa em sua casa naquele dia, mas que já haviam conversado brevemente em outra oportunidade, mas não tinham muita intimidade. Que a ofendida estava olhando televisão na sala, ele estava em outra sala da residência mexendo no celular e sua esposa estava no quarto cuidando da genitora. Referiu que o acusado já estava deitado, mas levantou-se, falou brevemente com ele e sem que percebesse, se dirigiu à sala onde estava a vítima. Pensando que A. (acusado) teria voltado para o quarto, seguiu mexendo no celular, mas logo em seguida o acusado veio da sala, deu boa noite e, em seu encalço, a vítima passou a passos largos em direção ao quarto onde estava Miriam. Disse que foi chamado pela vítima e Miriam aos prantos e, sem saber muito o que fazer depois de ouvir o relato, resolveu ligar para a polícia. Que A. (acusado) confessou para os policiais que teria passado as mãos na ofendida. Mencionou que já haviam conversado com a vítima sobre abusos, afirmando para ela que passar as mãos nas partes íntimas era errado e que sempre tinha que contar para os pais se algo do tipo acontecesse. Afirmou que a vítima se relaciona bem na escola, mas não é de abrir muito sobre os sentimentos. Que a vítima não é de inventar histórias.

No mesmo sentido, o policial Marlon contou que foram acionados e que chegando no local se depararam com a família bem abalada e a vítima muito assustada. Que quando interpelado, A. (acusado) confessou ter passado as mãos na vítima. Disse que o acusado não era uma pessoa íntima da família.

A genitora da vítima, Miriam, relatou que estava no quarto cuidando da sua genitora e a vítima na sala olhando televisão. Que a ofendida veio correndo, chorando baixinho e contou que A. (acusado) teria passado as mãos em suas partes íntimas. Referiu que sempre conversaram e orientaram a vítima de que não era correto pessoas estranhas passarem as mãos em suas partes íntimas e que poderia confiar para contar se acaso acontecesse. Que a vítima nunca relatou nada neste sentido.

Em seu interrogatório, A. (acusado) confessou o fato descrito na denúncia.

A acrescer que o acusado, ao admitir a autoria da infração, disse que "tudo o que eles falaram, eu confessei, eu falei que é certo, não passou disso, mesmo que a menina quisesse não ia passar disso, né, isso ai que eu to confessando, que a verdade é que eu passei a mão na menina, não passou disso". E questionado a respeito da motivação do crime, o apelante afirmou a conduta observada não possuía "motivo nenhum, cabeça fraca, leviana, não pensei, na hora de cometer esse erro, não pensei". (38.1)

Nesse contexto, incontroversas existência e autoria do fato, tendo o acusado, como visto, admitido a prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima, subsiste a decisão condenatória.

Isso porque o artigo 217-A do Código Penal é tipo penal misto alternativo, que se caracteriza com a conduta de ter conjunção carnal ou de praticar outro ato libidinoso com menor de quatorze anos, com pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Por conseguinte, constituindo a ação criminosa levada a efeito pelo acusado - que assim admite ter agido -, de passar as mãos na região genital de criança de apenas oito anos de idade, por cima das vestes, para satisfação de sua lascívia, ato libidinoso diverso da conjunção carnal1- nos termos da consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "inclui toda ação atentatória contra o pudor praticada com o propósito lascivo, seja sucedâneo da conjunção carnal ou não, evidenciando-se com o contato físico entre o agente e a vítima durante o apontado ato voluptuoso"2-, avulta a subsunção do fato à norma incriminadora precitada.

A intensidade do ato libidinoso diverso da conjunção carnal cometido, ao contrário do alegado, não não interfere na conformação típica do fato cuja prática não recusa o denunciado, mostrando-se irrelevante, ainda, para que se tenha por caracterizado o crime de estupro de vulnerável, o emprego - ou não - de grave ameaça e violência real pelo agressor, em virtude da presunção (absoluta) de vulnerabilidade da vítima, que contava com oito anos de idade à época dos fatos.

Nesse sentido, oportuno registrar que a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.480.881/PI, submetido ao rito dos recursos repetitivos, reafirmou a orientação no sentido de que absoluta a presunção de vulnerabilidade em casos da prática de conjunção carnal ou ato libidinoso diverso com pessoa menor de 14 anos, o que resultou na edição da Súmula 593:

O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.

Afigura-se evidente, nesse contexto, a inviabilidade da desclassificação pretendida.

Nesse sentido, é iterativa a jurisprudência das Cortes Superiores:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS COUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. WRIT SUCEDÂNEO DE RECURSO OU REVISÃO CRIMINAL. DESCLASSIFICAÇÃO. IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. INVIABILIDADE. CAUSA DE AUMENTO DA PENA PREVISTA NO ART. 226, II, DO CÓDIGO PENAL. AUTORIDADE DO AGRESSOR SOBRE A VÍTIMA VULNERÁVEL. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Inadmissível o emprego do habeas corpus como sucedâneo de recurso ou revisão criminal. Precedentes. 2. Para acolhimento da tese de desclassificação do delito, imprescindíveis o reexame e a valoração de fatos e provas, para o que não se...

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