Acórdão nº 50099153020228210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 10-03-2023

Data de Julgamento10 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50099153020228210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003128554
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5009915-30.2022.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR: Desembargador MARCO ANTONIO ANGELO

APELANTE: PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: ELOIR TORQUATO (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO contra a sentença proferida na ação revisional de contrato bancário ajuizada por ELOIR TORQUATO, com o seguinte dispositivo (Evento 27 do originário):

ISSO POSTO, julgo procedente o pedido feito por ELOIR TORQUATO contra PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, a fim de limitar os juros remuneratórios, inclusive do período de inadimplência, ao percentual de 7,88% ao mês e 148,55% ao ano, correspondente à média praticada pelo mercado ao tempo da contratação.

Determino seja recalculada a dívida, observando os parâmetros ora fixados, permitindo-se a compensação de valores pagos a maior ou a repetição de indébito de forma simples, tal como acima estabelecido.

Condeno a ré ao pagamento das custas e demais despesas processuais, bem como ao pagamento de honorários advocatícios aos procuradores do autor, fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais), a serem corrigidos pelo IGP-M a contar desta data e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir do trânsito em julgado, observando o disposto no art. 85, § 2º do CPC, considerando-se a natureza e a complexidade da demanda, o tempo de tramitação e o trabalho que se fez necessário.

A instituição financeira, declinando suas razões (Evento 34 do originário), requer o seguinte:

- reconhecida a ilegitimidade passiva;

- acolhida a denunciação da lide;

- permitida a cobrança dos juros remuneratórios contratados;

- proibida a repetição do indébito;

- reduzidos os honorários advocatícios.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 37 do originário).

Cumprido o disposto nos artigos 931, 934 e 935 do CPC/2015.

É o relatório.

VOTO

PRELIMINAR CONTRARRECURSAL DE INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE.

A regularidade formal é um dos requisitos extrínsecos de admissibilidade da apelação.

Consoante dispõe os incisos II e III do 1.010 CPC, a petição da apelação deverá conter, além do nome e da qualificação das partes e do pedido de nova decisão, os seguintes requisitos: “a exposição do fato e de direito” e “as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade”.

Ora, ao apelante incumbe o ônus processual de formar adequadamente o recurso, expondo a relação fático-jurídica da controvérsia, impugnando especificamente os fundamentos da sentença.

As razões da apelação devem confrontar a sentença de forma que se justifique a sua reforma.

Segundo lição de Fredie Didier Jr. 1:

A apelação tem de conter, ainda, a exposição do fato e do direito aplicável e as razões que justificam o pedido recursal (art. 1.010, II e III, CPC), que hão de ser apresentadas juntamente com a petição de interposição, não havendo chance para juntada ou complementação posterior. Em razão dessa exigência, não se permite a interposição de apelação por “cota nos autos”, nem por referência a alguma outra peça anteriormente oferecida, de forma que não se admite apelação cujas razões se restrinjam a reportar-se à petição inicial, à contestação ou à outra peça apresentada. A apelação deve “dialogar” com a sentença apelada: é preciso combater os pontos da decisão, e não simplesmente reiterar manifestações anteriores. O art. 932, III, CPC, é muito claro ao reputar inadmissível recurso que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida.

No mesmo sentido, conforme lição de Luiz Guilherme Marinoni 2:

O art. 1.010, CPC, impõe a forma com que deve o recorrente redigir o recurso de apelação. Concerne, portanto, à regularidade formal do recurso. Seu não atendimento leva ao não conhecimento do recurso por ausência de requisito extrínseco de admissibilidade recursal, acaso não sanado oportunamente (art. 932, parágrafo único, CPC). O art. 1.010, II e III, CPC, impõe ao recorrente o ônus de contrastar efetivamente a sentença nas suas razões recursais. Já se decidiu que “ao interpor o recurso de apelação, deve o recorrente impugnar especificamente os fundamentos da sentença, não sendo suficiente a mera remissão aos termos da petição inicial e a outros documentos constantes nos autos” (STJ, 5.ª Turma, REsp 722.008/RJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 22.05.2007, DJ 11.06.2007, p. 353). Ainda: “a reprodução na apelação das razões já deduzidas na contestação não determina a negativa de conhecimento do recurso, especialmente quando as razões ali esposadas são suficientes à demonstração do interesse pela reforma da sentença” (STJ, 3.ª Turma, REsp 604.548/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.12.2004, DJ 17.12.2004, p. 536).

Em suma, para que o Tribunal aprecie a matéria é necessário que o recurso de apelação impugne especificadamente os fundamentos de fato e de direito da sentença ou as questões ali representadas, não se admitindo o conhecimento de petição genérica ou simplesmente remissiva à outra peça processual, uma vez que, não realizado o efetivo “diálogo” com a decisão recorrida, o recurso não preenche os pressupostos para seu conhecimento.

Na hipótese dos autos, o recurso de apelação do banco-réu (Evento 34 do originário) impugna suficientemente o conteúdo da sentença recorrida, atendo-se à questão central acerca da ilegitimidade passiva, da denunciação da lide, da cobrança dos juros remuneratórios, da proibição da repetição do indébito e da redução dos honorários advocatícios.

Eventuais deficiências da referida peça não possuem o condão de prejudicar a defesa da ré nem de implicar o não-conhecimento do recurso, que preencheu os requisitos formais.

Enfim, cumprindo o dever de diálogo com a sentença necessário ao conhecimento do recurso, não há falar em ofensa ao Princípio da Dialeticidade por descumprimento do disposto no art. 1.010 do CPC.

REJEITO, pois, a preliminar contrarrecursal de não conhecimento da apelação.

PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. CESSÃO.

Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade (art. 17 do CPC/15).

A legitimidade concerne à relação entre as partes e o direito material posto em litígio.

Fredie Didier Jr. 3, analisando os requisitos para apreciação do mérito – interesse e legitimidade – refere o seguinte:

A legitimidade para agir (ad causam petendi ou ad agendum) é requisito para admissibilidade que se precisa investigar no elemento subjetivo da demanda: os sujeitos. Não basta que se preencham os “pressupostos processuais” subjetivos para que a parte possa atuar regularmente em juízo. É necessário, ainda, que os sujeitos da demanda estejam em determinada situação jurídica que lhes autorize a conduzir o processo em que se discuta aquela relação jurídica de direito material deduzida em juízo.

É a “pertinência subjetiva da ação”, segundo célebre definição doutrinária.

A esse poder, conferido pela lei, dá-se o nome de legitimidade ad causam ou capacidade de conduzir o processo. Parte legítima é aquela que se encontra em posição processual (autor ou réu) coincidente com a situação legitimadora, “decorrente de certa previsão legal, relativamente àquela pessoa e perante o respectivo objeto litigioso”.

Paralelamente, cumpre ressaltar que a cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita, consoante dispõe o art. 290 do Código Civil.

Assim, a notificação da cessão do crédito tem por finalidade evitar que o devedor pague a quem não detém legitimidade para receber e dar quitação.

No caso, o banco-réu alega sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação, destacando que ocorreu cessão dos créditos para a Empresa LIFTCRED SECURITIZADORA DE CRÉDITOS FINANCEIROS S.A

No entanto, a instituição financeira ré deixou de trazer aos autos prova da cessão alegada e de sua notificação válida ao consumidor.

Neste ponto, cumpre transcrever o seguinte trecho da bem lançada sentença da lavra da Juíza de Direito Luciana Bertoni Tieppo (Evento 27 do originário):

A preliminar de ilegitimidade passiva não merece acolhimento, pois não há nos autos nenhuma prova da cessão do contrato pela ré à Liftcred Securitizadora de Créditos Financeiros S.A.

Nos termos do disposto na cláusula "1. DO OBJETO" do instrumento de cessão e aquisição de direitos creditórios sem obrigação e outras avenças do evento 15, "Outros 4", o negócio tinha por objeto a cessão dos direitos creditórios de titularidade da ré, decorrentes dos contratos indicados no Anexo I, a saber, fl. 02.

Contudo, o "Anexo I" do instrumento da cessão não indica nenhum contrato, conforme se depreende da fl. 18.

Nesse contexto, à falta de prova da efetiva cessão do contrato pela ré à Liftcred Securitizadora de Créditos Financeiros S.A., desacolho a preliminar de ilegitimidade passiva.

Nesse contexto, REJEITO a preliminar de ilegitimidade passiva.

DENUNCIAÇÃO DA LIDE. PRECLUSÃO.

Consoante dispõe o artigo 507 do CPC, É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão.

Aliás, Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial (art. 223 do CPC).

A preclusão, conforme doutrina de Luiz Guilherme Marinoni4, consiste na perda, extinção ou consumação de uma faculdade processual em face do decurso do tempo (preclusão temporal), da prática de ato incompatível (preclusão lógica) e do efetivo exercício de determinada faculdade processual (preclusão consumativa). Se a parte discute essa ou aquela questão no curso...

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