Acórdão nº 50101070720218210039 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Primeira Câmara Cível, 23-03-2022

Data de Julgamento23 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50101070720218210039
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Primeira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001753322
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

11ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5010107-07.2021.8.21.0039/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador GUINTHER SPODE

APELANTE: JUREMA DA SILVEIRA SANHUDO (AUTOR)

APELADO: BANCO CETELEM S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por JUREMA DA SILVEIRA SANHUDO, porque inconformada com a sentença que julgou improcedente a ação de obrigação de fazer ajuizada contra o BANCO CETELEM S.A..

Adoto o relatório do decisum, exarado nos seguintes termos:

JUREMA DA SILVEIRA SANHUDO ingressou com uma ação de obrigação de fazer contra BANCO CETELEM S.A, ambas as partes qualificadas nos autos. Referiu que é pensionista junto ao INSS e, nesta condição, contratou com o réu empréstimo consignado em agosto de 2016, no valor de R$ 1.144,00. Alegou que ao notar que o empréstimo vinha descontado sob a alcunha de “empréstimo sobre a RMC”, contatou a instituição requerida para esclarecimento do ocorrido. Mencionou ter sido informado que não se tratava de um empréstimo consignado “normal”, mas sim de uma retirada de valores em um cartão de crédito, que deu origem a constituição da reserva de margem consignável (RMC) e que desde então o réu tem realizado a retenção de margem consignável no percentual de 5% sobre o valor de seu benefício previdenciário. Apontou que desconhecia essa modalidade de contratação, asserindo que o banco réu realizou operação completamente diversa da ofertada. Salientou não ter recebido, desbloqueado e/ou utilizado o suposto cartão de crédito. Aduziu que a manutenção do bloqueio de RMC lhe acarreta prejuízos incalculáveis, considerando que se vê impossibilitada de buscar novo empréstimo consignado e a dívida em questão se perpetua no tempo, não tendo prazo final para a sua quitação. Comentou acerca da legislação aplicável à espécie. Pediu, liminarmente, que o réu se abstivesse de proceder na reserva da margem consignável (RMC), com o respectivo cancelamento/suspensão dos descontos. Rogou pela procedência dos pedidos, com a readequação/conversão do “empréstimo” via cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de RMC utilizados para amortizar o saldo devedor, o qual deverá ser feito com base no valor liberado (negociado), desprezando-se o saldo devedor atual, determinando-se a repetição em dobro dos valores pagos a maior. Postulou que o réu exibisse todos os documentos que originaram a suposta legalidade dos descontos diretamente no seu benefício previdenciário. Pugnou pela gratuidade da justiça e juntou documentos.

Deferida a gratuidade da justiça e indeferida a tutela de urgência, evento 3.

Citado, o réu contestou no evento 9. Arguiu, preliminarmente, a decadência da pretensão autoral para pleitear a anulação do negócio jurídico. No mérito, discorreu acerca da modalidade da contratação de cartão de crédito consignado. Referiu que a parte autora assinou o “Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado e Autorização para Desconto em folha de Pagamento”, onde consta de forma expressa, desde seu título, que a contratação realizada é de um cartão de crédito consignado, assim como, de forma clara e expressa, todas as características do referido cartão. Destacou a regularidade da contratação e a ausência de vício de consentimento. Comentou a ausência de conduta ilegal. Refutou a pretensão autoral. Salientou a demora no ajuizamento da ação. Pediu o acolhimento da preliminar, ou no mérito, a improcedência dos pedidos, com a condenação da parte autora em litigância de má-fé, bem como seu patrono, na qualidade de técnico e conselheiro processual, ser investigado pelo órgão de classe diante da eventual inobservância do Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo solidariamente responsável pelo ajuizamento temerário. Acostou documentos, inclusive, no evento 12.

A parte autora replicou no evento 16.

Sobreveio decisão do Juízo no evento 16, postergando a análise das preliminares para a prolação da sentença, bem como intimando as partes sobre as novas provas a produzir e o réu para que acostasse o contrato entabulado aos autos.

As partes foram intimadas no evento 18, para dizerem, se ainda pretendem produzir novas provas, oportunidade em que ambas restaram silentes.

Vieram os autos conclusos.

Acrescento que o dispositivo da sentença possui o seguinte teor:

Isso posto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos contidos na presente ação, com fundamento no art. 487, I, do CPC.

Condeno a parte autora no pagamento das custas e honorários ao procurador da parte adversa, estes fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), firme no art. 85, § 8º do CPC. Suspensa a exigibilidade da parte autora pela gratuidade deferida nos autos.

Em suas razões recursais, a recorrente aduz que jamais contratou cartão de crédito consignado, o que resta comprovado pela ausência de comprovação pelo réu acerca da entrega e utilização do cartão. Assim, pugna pela declaração de nulidade do contrato com a consequente suspensão dos descontos em seu benefício previdenciário, bem como pela condenação do banco a restituir, em dobro, os valores indevidamente cobrados e ao pagamento de indenização por dano moral. Subsidiariamente, pleiteia pela conversão do empréstimo via cartão de crédito para empréstimo consignado. Requer o provimento do recurso.

Ausente preparo, porquanto a recorrente litiga sob o amparo da gratuidade de justiça.

Intimada para apresentar contrarrazões, a parte recorrida deixou o prazo transcorrer "in albis".

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

A situação posta em mesa de julgamento, mais precisamente o contexto probatório existente nos autos, desnuda prática abusiva reiterada pelas instituições financeiras, mas que, questionada em juízo, vem sendo decidida favoravelmente aos consumidores modo pacífico neste Órgão Fracionário, no caso concreto, em sentido diverso da sentença, de modo que assiste razão a autora, ora apelante.

O relacionamento das instituições financeiras com seus clientes, por se tratar de prestação de serviço, sem dúvida se constitui em relação de consumo, incidindo, consequentemente, os princípios e as regras do Código de Defesa do Consumidor (Art. 3º, § 2º).

E, nas relações contratuais estabelecidas por meio de contratos de massa (ou de adesão), em que a vontade das partes perde a condição de elemento preponderante, segundo a nova concepção que se deve ter do contrato, a aderente tem de ser protegida. Diante deste panorama, o CDC surge como via legal e obrigatória para o reequilíbrio das relações, especialmente no que respeita ao controle das cláusulas abusivas.

Induvidoso, no presente caso, estarmos diante de um destes contratos, em que uma das partes, na verdade, tem apenas a opção (“liberdade”) de contratar ou não, mas não de discutir as cláusulas do contrato. Nestas circunstâncias, a consumidora que queira debater os termos da contratação, restará unicamente a via judicial.

Para que a consumidora não fique exposta a abusividades é que existem os direitos básicos do consumidor, previstos no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, importando, no presente caso, modo especial, o direito de receber informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, conforme previsto no inciso III do citado dispositivo.

Já o prestador do serviço tem o dever de prestar ao consumidor informação clara e adequada sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam.

No mesmo sentido destaca o eminente jurista e Ministro do Colendo STJ, Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, em sua obra “Responsabilidade Civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor”, Editora Saraiva, página 139:

“Os danos causados ao consumidor não decorrem apenas de defeitos em si do produto ou serviço, visto que, muitas vezes, estes não apresentam, materialmente, qualquer falha. A defeituosidade situa-se num plano externo em relação ao produto ou serviço, resultando de informações deficientes sobre a correta utilização ou da falta de advertência sobre os riscos por eles ensejados.

(...)

A informação é um direito do consumidor, que tem sua matriz no princípio da boa-fé objetiva”.

O debate está centrado, portanto, na existência ou não de vício de consentimento, aliada à falha no dever de informação quando da contratação. No presente caso concreto, quando da "contratação" do cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).

Muito embora tenha sido juntado o termo de adesão de cartão de crédito consignado e autorização para desconto em folha de pagamento (Evento 12 - Contrato 2), considero que a contratação não ocorreu mediante o livre exercício da faculdade de contratar da parte demandante, eis não informada (ou o que é ainda pior, grosseiramente ludibriada) a respeito do que estava ‘contratando’.

Conforme informou na inicial do presente processo, a consumidora autora, ora apelante, teria procurado a instituição financeira demandada com o intuito de firmar contrato de empréstimo consignado, mas foi surpreendida, depois do recebimento do valor, de que teria aderido a empréstimo consignado na modalidade cartão de crédito – “Empréstimo RMC”.

Como demonstração de que não pretendia contratar cartão de crédito, afirma que jamais efetuou o desbloqueio do referido cartão de crédito, não havendo utilizado o mesmo. Assevera que os descontos em folha de pagamento que mensalmente sofre, agravam ainda mais sua situação de dificuldade financeira e inadimplência, situação esta que decorre da grave falha na prestação do serviço pela instituição financeira que tinha o dever de informação nos termos do artigo 6º,...

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