Acórdão nº 50101093520198210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50101093520198210010
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001676172
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5010109-35.2019.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATOR: Juiz de Direito FELIPE KEUNECKE DE OLIVEIRA

APELANTE: SUZANA ROSALINA NORA (AUTOR)

APELADO: CIRCULO OPERÁRIO CAXIENSE (RÉU)

APELADO: HOSPITAL DO CÍRCULO ¿ CIRCULO SAÚDE (RÉU)

RELATÓRIO

SUZANA ROSALINA NORA ajuizou ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais e pedido de tutela de urgência em face de CÍRCULO OPERÁRIO CAXIENSE e HOSPITAL DO CÍRCULO, onde relatou ter firmado contrato de prestação de serviços médicos e hospitalares com a parte Ré em 01/06/2019, na modalidade coletiva por adesão, e que, na data de 23/10/2019, foi diagnosticada com úlcera rompida e peritonite e encaminhada com urgência para procedimento cirúrgico, cuja cobertura foi negada pela Ré, que alegou que a Autora se encontrava em período de carência. No mérito, pugnou pela procedência da ação, com a declaração da abusividade de cláusulas contratuais que limitam e/ou vedam a liberação de procedimentos de urgência, e a condenação da Ré ao pagamento de indenização por danos morais (processo 5010109-35.2019.8.21.0010/RS, evento 1, INIC1).

Foi deferida à Autora a tutela de urgência (processo 5010109-35.2019.8.21.0010/RS, evento 3, DESPADEC1).

Sobreveio sentença resolvendo pela improcedência dos pedidos formulados na inicial, condenando a Autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios aos procuradores da parte Ré, os quais restaram fixados em R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), suspendendo a exigibilidade, contudo, em decorrência da justiça gratuita (processo 5010109-35.2019.8.21.0010/RS, evento 31, SENT1).

Inconformada, a Autora interpôs recurso de Apelação, alegando ser devida a modificação do decisum, porquanto comprovada a urgência/emergência do procedimento cirúrgico a afastar o período de carência determinado no contrato e caracterizar como indevida a negativa de cobertura, fazendo-se presente o dever de indenizar (processo 5010109-35.2019.8.21.0010/RS, evento 38, APELAÇÃO1).

Foram apresentadas contrarrazões (processo 5010109-35.2019.8.21.0010/RS, evento 42, CONTRAZAP1).

Vieram-me, após, os autos conclusos, oriundos de redistribuição (processo 5010109-35.2019.8.21.0010/TJRS, evento 8, INF1).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do Apelo.

Eminentes Desembargadores, conforme sumariamente relatado, trata-se de recurso de Apelação interposto por SUZANA ROSALINA NORA em face da sentença que indeferiu seu pedido de declaração da abusividade das cláusulas contratuais que limitam e/ou vedam a liberação de procedimentos médicos de urgência, além da pretendida indenização por danos morais decorrentes da negativa de cobertura apresentada pela parte Ré.

A sentença foi proferida pelo Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Caxias do Sul e assim restou fundamentada (processo 5010109-35.2019.8.21.0010/RS, evento 31, SENT1):

“(...)

Objetiva a demandante a condenação dos requeridos à indenização pelos danos morais suportados em decorrência da negativa de atendimento hospitalar no dia 23/10/2019, em caráter de urgência.

As operadoras de saúde demandadas, por sua vez, defenderam a inexistência de danos à autora, pois o procedimento se deu em período de carência do plano de saúde e que este não possuía caráter de urgência, inexistindo causa para sua liberação.

Cumpre referir, inicialmente, que se está diante de típica relação de consumo, aplicando-se, ao caso em tela, as disposições do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que as partes integrantes encaixam-se nos conceitos descritos nos arts. e 3º, § 2º, ambos do Código de Defesa do Consumidor, bem como por força da Súmula 608 do STJ.

Tratando-se de relação de consumo, o referido diploma legal estabelece, dentre os direitos básicos do consumidor, a inversão do ônus da prova, prevista no inc. VIII do art. 6º.

Como se vê, o intuito do Código de Defesa do Consumidor é estabelecer o equilíbrio necessário para uma relação harmônica entre as partes na relação de consumo, suprindo a hipossuficiência do mais frágil, que é, obviamente, o consumidor.

No caso dos autos, verifica-se que a autora ingressou no plano de saúde da ré em 01/06/2019 (evento 01 – OUT3), através da empresa contratante Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Fiação e Tecelagem do Distrito de Galópolis, não tendo juntado aos autos, no entanto, documentação referente ao procedimento médico realizado, apenas uma ilegível solicitação de cadastro de internação (evento 01 – OUT8).

Ainda, quando intimada a se manifestar a respeito da produção de provas (evento 19), a parte autora quedou-se inerte (evento 25).

Importante ressaltar, entretanto, que a inversão do ônus da prova não exime o consumidor da comprovação do fato constitutivo do direito alegado, nos termos do art. 373, I, do CPC.

Ocorre que em análise aos documentos juntados ao feito, tenho que assiste razão à parte requerida em suas alegações, visto que não demonstrado o caráter de urgência do procedimento cirúrgico.

Consoante cláusula 10, do contrato de cobertura de assistência médica e hospitalar pessoa jurídica (evento 13 – CONTR2), o período de carência para cobertura de custos de internação e procedimentos especiais é de 180 (cento e oitenta) dias.

Assim, da data do ingresso da autora no plano de saúde da ré, em 01/06/2019, até a data de realização da cirurgia, em 23/10/2019, não transcorreu o período previsto de carência, não tendo, por isso, a autora direito ao reembolso das despesas postuladas na exordial.

Dessa forma, mostra-se plenamente válida a cláusula que estabelece o período de carência, encontrando amparo no artigo 12, V, “b”, da Lei nº 9.656/98.

Nesse sentido, a jurisprudência do TJ/RS:

AÇÃO DE RESSARCIMENTO CUMULADA COM DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. DESPESAS E TAXAS HOSPITALARES. PERÍODO DE CARÊNCIA. AUSÊNCIA DE EMERGÊNCIA/URGÊNCIA. EXIGÊNCIA DE CHEQUE CAUÇÃO PELO HOSPITAL. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. MERO EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO. JUROS MORATÓRIOS DA DEVOLUÇÃO DOS VALORES DA CONSULTA MÉDICA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. (...) Acontece que as despesas com medicamentos e serviços hospitalares, estão abrangidas pelo prazo de carência, no caso, de 180 dias. Ademais, os valores somente seriam devidos à parte autora se o atendimento se desse em caráter de emergência ou urgência, caracterizado através de declaração do médico-assistente, nos termos do art. 35-C, da Lei 8.656/9, o que não ocorreu no presente caso. (...) Logo, não há falar em nenhum ato ilícito por parte do hospital, o qual estava no exercício regular de um direito, sendo descabida a condenação por danos morais. APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDA. ALTERADO, DE OFÍCIO, O TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS. (Apelação Cível, Nº 70070599121, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge André Pereira Gailhard, Julgado em: 30-11-2016). Suprimi e destaquei.

Assim, verifica-se que a não realização do reembolso dos valores pleiteados pela parte autora por parte da ré não se deu de forma indevida ou arbitrária, mas amparada por cláusula contratual, inexistindo danos a serem reparados.

Insta salientar, de qualquer sorte, que é incontroverso que o fato trazido à apreciação deste juízo gerou aborrecimentos à autora.

Porém, nesses casos, as consequências negativas advindas devem assumir relevância necessária a justificar a reparação por danos morais.

Ressalta-se que a indenização por dano moral deve atentar para a ocorrência de situações efetivamente anormais e atípicas e não com aquelas causadoras de meros aborrecimentos e contratempos do cotidiano.

Sobre a configuração do dano moral, ensina Sérgio Cavalieri Filho in Programa de Responsabilidade Civil, Ed. Malheiros, 6ª edição, 2005, p. 104/105:

“(...) Ultrapassadas as fases da irreparabilidade do dano moral e da sua inacumulabilidade com o dano material, corremos, agora, o risco de ingressar na fase da sua industrialização, onde o aborrecimento banal ou mera sensibilidade são apresentados como dano moral, em busca de indenizações milionárias.

(...) Se dano moral é agressão à dignidade humana, não basta para configurá-lo qualquer contrariedade.

Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou...

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