Acórdão nº 50101229020218210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50101229020218210001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001928422
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5010122-90.2021.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador CAIRO ROBERTO RODRIGUES MADRUGA

APELANTE: CARMEN LUCIA DOMINGUES MEDEIROS (AUTOR)

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por CÁRMEN LÚCIA DOMINGUES MEDEIROS e BANCO BMG S/A., contra sentença proferida nos autos da ação revisional em que litigam, cujo dispositivo é o seguinte: Isso posto, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por CARMEN LÚCIA DOMINGUES MEDEIROS nos autos da Ação Revisional ajuizada contra BANCO BMG S. A., para fins de: a) determinar a limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado registrada pelo BACEN; nos termos da fundamentação; b) declarar a ilegalidade da cobrança do seguro em razão da venda casada, devendo a demandada fazer a restituição, em dobro, do valor pago, corrigido monetariamente pelo IGP-M desde o desembolso e acrecido de juros legais de 1% ao mês desde a citação; c) determinar a devolução/compensação dos demais valores pagos a maior pelo autor. Sobre o saldo a ser restituído de forma simples, deverão incidir correção monetária pelo IGP-M a partir do vencimento da parcela paga e juros legais de 1% ao mês desde a citação; Condeno o réu ao pagamento de 60% das custas processuais e o autor a diferença. Ainda condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios ao procurador do réu os quais fixo em R$ 1.500,00, enquanto a demandante os pagará ao procurador do demandado no valor de R$ 900,00, nos termos do art. 85, § 8º do CPC. Sendo inadmitida a compensação (art. 85, § 14º do CPC). Suspendo a exigibilidade sucumbencial da demandante em face do benefício da gratuidade processual deferido (Evento 3). Havendo recurso(s) – excepcionados embargos de declaração – intime(m)-se, independentemente de conclusão (ato ordinatório – arts. 152, VI, CPC, e 567, XX da Consolidação Normativa Judicial), a(s) contraparte(s) para contrarrazões, remetendo-se em seguida os autos ao Tribunal de Justiça (art. 1010 § 3º CPC). Transitada em julgado, arquivem-se com baixa. Publique-se. Registre-se. Intimem-se” (Evento 16).

A instituição financeira suscitou, em suas razões, preliminarmente, a impossibilidade de revisão dos contratos pela observância do princípio da autonomia da vontade dos contratantes. No mérito, alegou que não há abusividade nos juros remuneratórios, devendo ser eles mantidos conforme pactuados. Defendeu a legalidade do seguro contratado, alegando a ausência de venda casada. Aduziu não ser cabível a repetição em dobro dos valores pagos a maior. Requereu o provimento do recurso e a minoração dos honorários advocatícios fixados pela sentença (Evento 28).

A parte autora, por sua vez, também recorreu, postulando a repetição em dobro dos valores pagos indevidamente pelo seguro prestamista, bem com a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais. Requereu o provimento do recurso (Evento 32).

Apenas a parte autora apresentou contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do recurso da instituição financeira (Eventos 35 e 36).

Cumpridas as formalidades legais, vieram-me os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Da admissibilidade

Os apelos são tempestivos e preenchem os demais requisitos de admissibilidade, sendo o recurso do banco preparado, e o da parte autora dispensado de preparo, em razão do benefício da gratuidade que lhe foi deferido na origem (Eventos 28 e 3).

Do contrato objeto da ação

- Contrato de empréstimo pessoal nº 1837678 (renegociação de dívida), celebrado em 19-02-2020, cujo valor financiado foi de R$1.692,54, a ser pago em 12 parcelas mensais de R$368,50, com previsão de taxa de juros de 17,00% ao mês e 575,26% ao ano ("Contrato 2" do Evento 10).

APELAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

Da preliminar de impossibilidade de revisão do contrato

As relações bancárias, financeiras e de crédito submetem-se às normas do Código de Defesa do Consumidor (art. 3º, § 2º).

Essa é a orientação da Súmula 297, do STJ:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Dessa forma, é possível a revisão judicial do contrato celebrado pelas partes, ainda mais se a instituição financeira estiver exigindo encargos e valores eventualmente abusivos, por afronta aos arts. 1º; 6º, IV e V; 39, V; 47 e 51, IV, todos do CDC.

Prefacial desacolhida.

Dos juros remuneratórios

De acordo com o entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça, somente se verifica a abusividade quando os juros remuneratórios ultrapassam significativamente a taxa média de mercado divulgada pelo BACEN.

A propósito:

“BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONTRATO QUE NÃO PREVÊ O PERCENTUAL DE JUROS REMUNERATÓRIOS A SER OBSERVADO.
I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.
ORIENTAÇÃO - JUROS REMUNERATÓRIOS.
1 - Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é imediata, o montante dos juros remuneratórios praticados deve ser consignado no respectivo instrumento.
Ausente a fixação da taxa no contrato, o juiz deve limitar os juros à média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo Bacen, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente.
2 - Em qualquer hipótese, é possível a correção para a taxa média se for verificada abusividade nos juros remuneratórios praticados.

II - JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO
- Consignada, no acórdão recorrido, a abusividade na cobrança da taxa de juros, impõe-se a adoção da taxa média de mercado, nos termos do entendimento consolidado neste julgamento.

- Nos contratos de mútuo bancário, celebrados após a edição da MP nº 1.963-17⁄00 (reeditada sob o nº 2.170-36⁄01), admite-se a capitalização mensal de juros, desde que expressamente pactuada.

Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
Ônus sucumbenciais redistribuídos.” (Resp 1112879/PR, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 2ª Seção, julgado em 12/05/2010). g.n.

Importante referir que este Colegiado adotou como parâmetro para apuração da existência de abusividade na contratação sujeitada a revisão, a taxa média de mercado registrada pelo BACEN à época da contratação e em conformidade com a respectiva operação, acrescida do percentual de 30% (trinta por cento).

Assim, quando os juros remuneratórios contratados superarem a taxa média mais o percentual de 30%, devem ser revisados.

No caso, há abusividade no percentual de juros remuneratórios pactuados, pois a taxa média divulgada pelo BACEN, para as operações de crédito pessoal não consignado vinculado à composição de dívidas (cod. 25465 e 20743), no período (fevereiro de 2020), era de 3,35% ao mês e 48,57% ao ano, a qual, acrescida da margem de tolerância de 30% adotada pela Câmara, totalizava o patamar de 4,35% e 63,14%, ao passo que a taxa contratada é de 17,00% ao mês e 575,26% ao ano.

Todavia, deve ser mantida a taxa determinada pela sentença (6,23% ao mês e 106,56% ao ano), sob pena de reformatio in pejus.

Assim, desprovido no ponto.

Da venda casada de seguro

Consiste em prática abusiva, vedada nas relações de consumo, o condicionamento do fornecimento de um produto ou serviço ao fornecimento de outro, conforme o inciso I do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

No caso, há comprovação da cobrança de "seguro prestamista" no valor de R$88,01, o qual está expresso no próprio instrumento contratual (cláusula 11), enquadrando-se a hipótese como venda casada, pois evidenciado que a parte contratante não possuía interesse na contratação desse produto, tendo a instituição financeira incluído-o no momento em que autor buscou a contratação do empréstimo.

Cumpre destacar que, embora também haja informação de sua contratação em documento apartado (proposta de adesão - fls. 9-11 do "contrato 2" do Evento 10), os documentos juntados aos autos comprovam que a cobrança do referido produto está relacionada ao empréstimo realizado, tratando-se apenas de um anexo do contrato, o qual foi assinado na mesma data da contratação do mútuo, sendo ainda o pagamento do seguro incluído e diluído nas parcelas relativas ao empréstimo, evidenciado, assim, que a parte contratante não possuía a opção de não contratar esse serviço, tendo a instituição financeira o incluído no contrato com a finalidade de garantir seu pagamento.

Nesse sentido:

“APELAÇÃO CÍVEL. REGIME DE EXCEÇÃO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. APELAÇÃO DO RÉU. [...] 2. SEGURO PRESTAMISTA. VENDA CASADA. Ilegalidade. Art. 39, I, do CDC. 3. ENCERRAMENTO DA CONTA CORRENTE. Para o encerramento de conta bancária, por parte do correntista, revela-se necessária a prova do pedido de encerramento à instituição financeira, uma vez que tal não ocorre de maneira automática, o que não ficou comprovado no caso concreto. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS.” (Apelação Cível Nº 70076339704, Vigésima Quarta Câmara Cível - Regime de Exceção, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fernando Flores Cabral Junior, Julgado em 26/09/2018). g.n.

“APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. OBJETO. Contrato de Financiamento nº 930403/2010, no valor de R$1.500,00. (...) VENDA CASADA. A denominada venda casada é prática abusiva vedada nas relações de consumo conforme dispõe o inciso I do artigo 39 do CDC. No caso concreto, conforme documentos juntados, a opção pela contratação do titulo do seguro prestamista - acidentes pessoais e "bilhete da sorte" veio prevista no mesmo instrumento contratual. Isso evidencia...

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