Acórdão nº 50101923420228210014 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Quarta Câmara Cível, 18-05-2023

Data de Julgamento18 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50101923420228210014
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003727314
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

14ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5010192-34.2022.8.21.0014/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATOR: Desembargador MÁRIO CRESPO BRUM

APELANTE: MAIARA DOS REIS NAIBERT (AUTOR)

APELADO: SINOSSERRA FINANCEIRA S/A - SOCIEDADE DE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por MAIARA DOS REIS NAIBERT em face da sentença que, nos autos da ação de revisão contratual ajuizada contra SINOSSERRA FINANCEIRA S/A - SOCIEDADE DE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, julgou improcedentes os pedidos formulados pela autora, decisão que contou com o seguinte dispositivo (Evento 21):

Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE a ação revisional ajuizada por MAIARA DOS REIS NAIBERT contra SINOSSERRA FINANCEIRA S/A - SOCIEDADE DE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, relativa ao(s) contrato(s) objeto(s) dos autos.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, que restam suspensas em tendo havido o deferimento da AJG.

Interposta apelação, intime-se a parte adversa para contrarrazões no prazo legal. Com a juntada das contrarrazões, devolva-se à origem, para remessa de apelação ao Tribunal de Justiça.

Não havendo recurso, devolva-se à origem para providências finais, como apuração de custas, expedição de alvarás e baixa.

Subsistindo crédito em favor de uma das partes e/ou de seus procuradores, o cumprimento de sentença deverá ser promovido em procedimento eletrônico apartado, indicando-se o processo principal ao qual deve ser vinculado., conforme orientação posta no Ofício-Circular nº 077/2019-CGJ, item “6”.

Intimem-se.

Em suas razões (Evento 27), defende a consumidora a abusividade dos juros remuneratórios pactuados. Sustenta a invalidade da capitalização dos juros. Advoga a irregularidade da cobrança de tarifa de cadastro e a nulidade da cláusula de seguro prestamista. Pede a repetição do indébito, a descaracterização da mora e o deferimento dos pedidos de vedação à inscrição do seu nome em cadastros restritivos de crédito e de manutenção da posse do bem financiado. Requer, também, a fixação de honorários advocatícios por apreciação equitativa. Pugna, assim, pela reforma da sentença, com a condenação da ré ao pagamento dos ônus sucumbenciais.

A parte apelada apresentou contrarrazões (Evento 31).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Foram observadas as formalidades dos artigos 931 e seguintes do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado nesta Corte.

É o relatório.

VOTO

Inicialmente, verifico que a autora, na petição inicial, não deduziu pedido no sentido da revisão da cláusula contratual que prevê a cobrança de seguro prestamista, caracterizando sua formulação neste grau de jurisdição indevida inovação, impondo-se o seu não conhecimento.

A discussão devolvida a esta Corte cinge-se, então, aos seguintes tópicos: (a) juros remuneratórios; (b) capitalização de juros; (c) caracterização da mora contratual; (d) inscrição em cadastros restritivos de crédito; (e) manutenção da posse do bem financiado; (f) tarifa de cadastro; (g) devolução de valores; e (i) honorários sucumbenciais.

Passo à análise dos pontos controvertidos.

Inicialmente, consigno que os negócios jurídicos bancários encontram-se sujeitos às disposições do CDC, consoante orientação jurisprudencial consolidada e descrita na Súmula 297 do Egrégio STJ:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

De outra parte, não há óbice à revisão das cláusulas inscritas em contratos bancários, em caso de abusividade, com consequente relativização do ato jurídico perfeito e do princípio pacta sunt servanda.

Não obstante, saliento ser inviável a revisão, de ofício, das cláusulas contratuais, nos termos da Súmula 381 do STJ. Nesse contexto, não se mostra possível declarar, sem expressa impugnação da parte interessada, a nulidade de qualquer dispositivo contratual.

A respeito dos juros remuneratórios, o Superior Tribunal de Justiça, ao examinar o REsp n. 1.061.530/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos (Temas 24 a 27 do STJ), fixou sua orientação jurisprudencial nos seguintes termos:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. (...) ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (...) Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, para declarar a legalidade da cobrança dos juros remuneratórios, como pactuados, e ainda decotar do julgamento as disposições de ofício. Ônus sucumbenciais redistribuídos. (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009)

Revisei o posicionamento até então adotado, a fim de admitir maior flexibilidade para os juros remuneratórios, quando comparados com a média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para operações similares na data da contratação, consoante a orientação fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do aludido REsp n. 1.061.530/RS.

No caso sob comento, os juros remuneratórios foram pactuados em 22,42% ao ano (Documento 11 do Evento 1), índice pouco superior à média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil à época da contratação (20,10% ao ano – agosto de 2019), não denotando abusividade. Note-se, no particular, que esta Câmara não considera abusiva a taxa pactuada em percentual até 50% superior à média de mercado, parâmetro observado na hipótese em tela.

Assim, impõe-se a manutenção da taxa de juros remuneratórios contratada e o desacolhimento, no ponto, da irresignação da autora.

Acerca da capitalização de juros, destaco que o Superior Tribunal de Justiça tem admitido a sua incidência em periodicidade inferior à anual, desde que expressamente pactuada em contrato firmado após a vigência da MP n. 1963-17/2000, mostrando-se suficiente, para a sua incidência em periodicidade mensal, a indicação de juros anuais em índice superior ao duodécuplo da taxa mensal, consoante definido pelo STJ no julgamento do REsp n. 973.827/RS, submetido ao regime dos recursos repetitivos.

No pacto sob análise, a taxa de juros anual é superior ao duodécuplo da taxa mensal, de sorte que efetivamente contratada a capitalização de juros em periodicidade mensal, nos termos admitidos pelo Egrégio STJ, nada havendo a revisar quanto ao tema.

Em relação à mora contratual, ressalto que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, também no julgamento do REsp n. 1.061.530/RS (Temas 28 e 29 do STJ), submetido ao regime dos recursos repetitivos, definiu que a abusividade dos encargos pactuados para o período de normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização de juros) descaracteriza a mora debendi:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. (...) I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. (...) ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descarateriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual. (...) Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, para declarar a legalidade da cobrança dos juros remuneratórios, como pactuados, e ainda decotar do julgamento as disposições de ofício....

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