Acórdão nº 50103478820188210010 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 31-08-2022

Data de Julgamento31 Agosto 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50103478820188210010
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002427978
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5010347-88.2018.8.21.0010/RS

TIPO DE AÇÃO: Esbulho / Turbação / Ameaça

RELATOR: Desembargador CARLOS CINI MARCHIONATTI

APELANTE: JOAO DE SOUZA RIBEIRO (AUTOR)

APELANTE: IRACI BUENO RIBEIRO (AUTOR)

APELANTE: JOSMAR RODRIGUES DA SILVA (RÉU)

APELANTE: TANIA MARIA RIBEIRO DA SILVA (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

A sentença julgou procedente a ação de reintegração de posse ajuizada por JOAO DE SOUZA RIBEIRO e IRACI BUENO RIBEIRO a JOSMAR RODRIGUES DA SILVA e TANIA MARIA RIBEIRO DA SILVA, para determinar a reintegração dos demandantes na posse do terreno urbano de 360 m², resguardando aos demandados o direito de permanecerem no terreno objeto da lide e na casa por eles edificada até que sejam indenizados do valor acrescido ao imóvel pela construção da casa, a ser apurado em liquidação de sentença.

Transcrevo a sentença para servir ao relatório e ao voto (Evento 38):

IRACI BUENO RIBEIRO e seu marido, JOÃO DE SOUZA RIBEIRO, ajuizou Ação de Reintegração de Posse contra sua filha TANIA MARIA RIBEIRO DA SILVA e o marido dela, JOSMAR RODRIGUES DA SILVA, narrando serem senhores e possuidores do terreno urbano de 360m², localizado no Residencial Jardim Esperança, matrícula 77.114 do RI da 2ª Zona desta Comarca, que adquiriram em outubro de 2011. Deram o imóvel em comodato aos requeridos, mas eles, embora solicitada a desocupação várias vezes, não deixaram o imóvel. Afirmaram terem notificado extrajudicialmente os requeridos, em maio de 2018, acerca da intenção de retomar o imóvel e do prazo de 30 dias para a desocupação, mas eles não o desocuparam. Alegando a prática de esbulho pelos requeridos, postularam sua reintegração na posse do imóvel, pedindo-a liminarmente, com fundamento no art. 300 do CPC. Pediram o benefício da gratuidade e juntaram documentos.

O benefício da gratuidade foi indeferido.

Atendendo à determinação judicial, os autores emendaram a inicial, atribuindo correto valor à causa, e recolheram as custas (evento 2, DESP 3).

Recebida a emenda, alterado o valor da causa, os autores alegaram não terem condições de pagar o valor das custas, reiterando o pedido de gratuidade (evento 2, DESP4), que foi deferida (evento 2, DESP 5).

Citados (DESP 6), os réus apresentaram contestação (evento 2, CONT7), impugnando a concessão aos autores do benefício da gratuidade e arguindo a inépcia da inicial, dada a falta de documentos essenciais. Quanto ao mérito, alegaram que receberam o imóvel por doação dos pais, ora autores, assim como seus irmãos receberam outros imóveis dos pais em doação. Aduziram que os pais só passaram a reivindicar o imóvel em razão de uma denúncia feita pela requerida TÂNIA contra o seu pai, o autor JOÃO, por ter abusado sexualmente da neta, em janeiro de 2018. O ajuizamento desta ação, portanto, seria uma forma de coagir os requeridos a não prosseguir com a tentativa de responsabilização de JOÃO pelo ato criminoso praticado. Disseram que receberam dos pais apenas um terreno vazio e que construíram nele sua residência, com a anuência dos autores, o que comprova que eles não mais se consideravam donos do imóvel, que doaram aos réus como adiantamento de herança. Aduziram que os autores nunca declararam esse terreno como de sua propriedade ao Imposto de Renda. Alegaram faltarem requisitos essenciais para a reintegração de posse. Impugnaram provas e juntaram documentos (docs. 7 a 14 do evento 2).

Houve réplica (doc. 15 do evento 2).

Foi rejeitada a impugnação ao benefício concedido aos autores, e foi concedida a gratuidade aos requeridos JOSMAR (despacho 16) e TÂNIA (despacho 17).

Foi afastada a preliminar de inépcia da inicial (despacho 17).

A pedido das partes, foi designada audiência de instrução, realizada de forma virtual, em razão da pandemia da Covid-19, conforme eventos 21 e 26.

As razões finais das partes foram oferecidas por escrito (eventos 32 e 33), e os autos vieram conclusos para sentença.

Relatei.

Decido.

Pretendem os autores reaver dos requeridos o imóvel que lhes pertence e que teria sido emprestado aos requeridos.

Os requeridos, porém, alegam que lhes foi doado esse imóvel, tanto que nele edificaram uma casa para residirem, e que os autores só estariam reclamando a devolulção do imóvel em razão de desentendimentos familiares, do fato deles terem denunciado o pai (autor) por abuso sexual contra a filha.

Os autores comprovam, conforme documentos no evento 2, INIC e DOCS2, serem proprietários do imóvel desde out 2011.

Já os requeridos não lograram comprovar que esse imóvel lhes tenha sido transferido por doação e, nos termos do art. 541 do Código Civil, a doação de bem imóvel só se perfectibiliza pela escritura pública:

Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular.

Parágrafo único. A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição.

No caso dos autos, não foi juntada escritura a comprovar a doação do imóvel dos autores aos requeridos, e não caberia a doação verbal por se tratar de bem imóvel.

Segundo os requeridos, houve adiantamento de legítima não apenas pela doação do terreno à requerida TÂNIA, mas de outros imóveis aos irmãos dela: para o filho JAIR foi dado o porão da casa nova; para RODRIGO foi dada a parte de cima e para MARIA ELIANA a casa ao lado. A autora TÂNIA recebeu o terreno vazio e teve autorização para ali construir uma casa.

Entretanto, não há prova documental acerca dessa afirmação, e a prova oral consistiu na oitiva apenas de familiares, ouvidos como informantes não só em razão do parentesco, mas também da animosidade que se constatou entre eles.

Ficou claro que o fato de a requerida ter denunciado o autor, seu pai, por abuso sexual da neta (e também houve denúncia por parte de uma das noras por abuso da outra neta) dividiu a família e desgastou o bom relacionamento que havia entre seus integrantes, de modo a não se poder dar credibilidade aos depoimentos, nitidamente contaminados pelo envolvimento emocional de cada um dos depoentes com a causa discutida.

Maria Eliane Ribeiro, filha dos autores e irmã da requerida, afirmou que o terreno foi emprestado aos requeridos. Não foi feita doação de nada. Eu moro nos fundos da casa da minha mão, mas é emprestado. É tudo uma situação de empréstimo, até que tu consiga comprar tua própria casa. Disse que os pais sempre emprestaram para os filhos seus imóveis, mas eles nunca houve doação de nada. Os requeridos construíram uma casa sobre o meio terreno que a mãe emprestou. Confirmou que seus pais emprestam partes de outros imóveis para os outros filhos. Disse que sua mãe paga o IPTU da casa e pagou para a Prefeitura a construção da calçada em frente ao imóvel.

José Olímpio, também filho dos autores e irmão da ré, afirmou que os réus precisaram de um lugar para morar, por isso seus pais lhes emprestaram aquele terreno. Eles antes moravam na casa do sogro de Tânia. Seus pais compraram o terreno para eventualmente construir e alugar. Confirmou que seus pais emprestam outros imóveis para os outros filhos. Nunca houve doação. Disse que já residiu num imóvel dos pais, mas emprestado. Negou que qualquer dos filhos tenha recebido adiantamento de herança. Confirmou que seus pais consentiram que Tânia construísse no terreno. Disse que seus pais reclamaram de volta a posse do terreno porque foram impedidos de nele adentrar e que não teve relação com a denúncia de prática de crime.

Jair Ribeiro, outro filho/irmão, disse morar na parte inferior da casa dos pais. Disse que a mãe aluga algumas peças da casa e empresa outra para um outro filho. O terreno onde a Tânia mora foi emprestado pra ela, porque ela e o marido não tinham onde morar. Confirmou que seus pais autorizaram a construção de uma casa. Foi cedido meio terreno pra eles. Seus pais pediram de volta o terreno quando a Tânia e o marido os proibiram de entrar no terreno (que era deles). Disse que seus pais nunca deram um imóvel para cada filho, não tem papel nenhum que prove que cada filho é dono de algum imóvel dos pais. Antes de emprestarem pra Tânia, seus pais cuidavam do terreno, cercaram, mantinham. Afirmou que o IPTU do imóvel sob discussão é pago pelos seus pais, o carnê vai pra eles.

Karen Cristina dos Santos, ex-esposa de Rodrigo, filho dos autores, foi ouvida como informante por ter denunciado o autor por abuso sexual contra sua filha. Disse que morava num dos imóveis dos autores quando era casada com Rodrigo e que os autores deram o terreno para Tânia e o marido, para que eles construíssem ali. A casa foi construída com o dinheiro de Tânia e Josmar, que sempre trabalharam. Disse que sua então sogra (autora) mencionou, certa vez, que a depoente e Rodrigo poderiam ficar com a outra parte do terreno se quisessem construir uma casa ali. Disse desconhecer a existência de algum documento formalizando a doação do terreno à Tânia. Disse que a motivo de os autores pedirem de volta a casa foi a denúncia contra o autor por abuso sexual das netas. Explicou que os autores deram imóveis a todos os filhos, e as reformas de cada imóvel são custeadas por cada um deles, não pelos autores. Confirmou que, enquanto residiu ali com a família de Rodrigo, um dos imóveis dos autores chegou a ser locado. Concluiu: a casa onde nós morávamos era uma parte da casa da Iraci (autora), que ela deixou pra ele (Rodrigo) morar. Aduziu que Iraci fez benfeitorias, fez uma partezinha nova na casa pra que a gente fosse morar lá.

Nicoly Costa Ansolin, nora da autora, afirmou que, desde que entrou na família, a ré Tânia sempre morou onde mora hoje. Eles ganharam o terreno...

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