Acórdão nº 50104136420208210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 07-12-2022

Data de Julgamento07 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50104136420208210021
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002964090
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5010413-64.2020.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador EDUARDO KRAEMER

APELANTE: ADÃO LOPES PORTELA (AUTOR)

APELANTE: MARIA AUGUSTA DE SOUZA PORTELA (AUTOR)

APELANTE: MARISTELA DE SOUZA PORTELA (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO CORSAN (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por MARISTELA DE SOUZA PORTELA e OUTROS, inconformados com a sentença (Evento 76 – SENT1, origem) que julgou improcedente a ação indenizatória ajuizada em face da COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO CORSAN.

Em suas razões (Evento 83 – APELAÇÃO1, origem), alegam que as prova testemunhal emprestada confirma o constante desabastecimento de água na localidade onde residem, havendo apenas divergência quanto aos períodos reclamados. Assim, afirmam que existem diversos indícios das interrupções do serviço de fornecimento de água. Refutam o entendimento firmado na sentença acerca das discrepâncias nas datas apontadas pelas testemunhas, argumentando que todas atestaram a ocorrência das recorrentes interrupções no período da pandemia do Covid-19, o que deveria ter sido levado em consideração, no mínimo, para sopesar a quantificação dos danos morais. Registram que a apelada confessou a falha na prestação do serviço no período do Natal do ano de 2020, bem como afirmou que tal fato se deveu por problemas técnicos, com intervalo de 10 horas para conserto. Sustentam o dever da apelada de indenizar os danos morais infligidos, os quais, registram, são na modalidade in re ipsa. Postulam a reforma da sentença para condenar a recorrida ao pagamento de indenização por danos morais em valor não abaixo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), assim como das custas processuais e honorários advocatícios. Requerem provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 87 – CONTRAZAP1, origem).

Registro terem sido cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 934, do CPC/2015, considerando a adoção do sistema informatizado por este Tribunal (Ato n° 24/2008-P).

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso, porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Cuida-se de ação de indenização por danos morais decorrentes de suspensão no abastecimento de água e demora no restabelecimento do serviço.

A parte autora relata que reside no bairro São José (Loteamento Coronel Massot ou Loteamento Brigada Militar), na cidade de Passo Fundo, em imóvel cujo abastecimento de água é realizado pela companhia ré (código de cliente n. 13326309). Afirma que a prestação do serviço é defeituosa, ocorrendo diversas interrupções sem justificativas plausíveis, situação que é agravada pela demora no restabelecimento. Aponta, nesse sentido, que permaneceu nos seguintes períodos sem o fornecimento de água: de 28/02/2020 a 03/03/2020; de 13/03/2020 a 17/03/2020; e de 23/04/2020 a 26/04/2020. Também indica a ocorrência de diversas interrupções no mês de junho de 2020, nos dias 12, 18, 19, 20 e 27. Frisa que foram vários períodos ininterruptos sem água, com diversas interrupções em poucos meses, as quais, somadas, totalizam cerca de 500 horas de desabastecimento.

Frente a essa narrativa, ajuíza a presente demanda, buscando a compensação dos danos morais que alega ter suportado.

Processado e instruído o feito, foi julgada improcedente a ação, ao que, inconformada, recorre a parte autora.

Considerando a relação estabelecida entre as partes como de consumo, incidem as normas da Lei n. 8.078/90, respondendo a companhia ré perante o consumidor em face do seu dever de fornecer adequados, eficientes e seguros serviços, na forma dos artigos 14 e 22 da referida Lei:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

(...)

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Além disso, em sendo a ré pessoa jurídica de direito público (autarquia municipal), possibilitado está o reconhecimento de sua responsabilidade objetiva, ex vi do art. 37, § 6º, da Carta Federal, verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Nessa seara, para restar configurado o dever de indenizar, basta a existência concorrente de dois elementos: a) o dano efetivo, moral e/ou patrimonial; e b) o nexo causal entre o defeito do serviço e a lesão sofrida pelo consumidor. Portanto, uma vez comprovado o prejuízo e o nexo de causalidade, resulta o dever de indenizar, exceto se demonstrada alguma excludente de responsabilidade, como o caso fortuito, a força maior ou, ainda, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, interpretação esta que se extrai do § 3º do art. 14 do CDC, supratranscrito.

Outrossim, dada a natureza essencial e de utilidade pública do serviço público de fornecimento de água, deve ser prestado de forma eficiente, segura e adequada e não sofrer descontinuidade. Nada obstante, hipóteses expressamente previstas na legislação de regência autorizam eventuais interrupções, a exemplo do inadimplemento, cujo restabelecimento depende da quitação da fatura pelo consumidor. Havendo, ainda, hipóteses de suspensões não programadas que tenham como causa circunstâncias não ligadas à ineficácia da prestação, como fenômenos da natureza e fato exclusivo de terceiro.

Portanto, incumbe à entidade ré prestar adequadamente o serviço, com qualidade e de forma contínua, respondendo objetivamente pelos prejuízos ocasionados por eventual interrupção, exceto se lograr comprovar o rompimento do nexo causal ou demonstrar alguma causa excludente de responsabilidade, como culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior ou fato de terceiro.

Descendo, pois, à hipótese vertente, verifica-se que a companhia contraditou os fatos narrados na inicial, alegando que as interrupções que efetivamente ocorreram foram menos numerosas e extensas que as alegadas pela autora, além de serem devidamente justificadas pela necessidade de reparos na rede. Destacou que, no período de três meses sinalizado na inicial, houve três ocorrências operacionais que causaram interrupção momentânea, nas seguintes datas: (I) entre os dias 13 e 14/03/2020, por 7 horas; (II) entre os dias 17 e 18/03/2020, perdurando 6 horas; e (III) no dia 14/05/2020, por 6 horas, perfazendo interrupção total de 19 horas (Evento 7 - LAUDO2, origem). Ainda, defendeu que não se verifica dever de indenizar porquanto não demonstrados, de forma minimamente contundente, os fatos constitutivos do direito alegado.

Pois bem.

A despeito de a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços ser objetiva, e mesmo sendo considerada a inversão do ônus da prova em favor do hipossuficiente técnico, tal não dispensa a parte autora, enquanto consumidora, de prova mínima acerca do fato constitutivo do direito alegado, nos termos do que dispõe o art. 373, I, do CPC.

Na hipótese, não há prova minimamente consistente para amparar o reconhecimento da falha na prestação do serviço e do dano moral indenizável.

A propósito, a matéria em comento foi examinada com acuidade pelo decisor de piso, conferindo adequada aplicação do direito aos fatos, à qual me reporto, pondo em relevo os fundamentos esposados, adotando-os como razões de decidir, na parte em que transcrevo:

Ocorre que, da análise da prova documental e oral anexadas nos autos, convenci-me de que não ficou suficientemente comprovada (art. 373, inciso I, do CPC) a efetiva ocorrência de interrupção no fornecimento de água nos períodos especificamente apontados na exordial.

Com efeito, conquanto a testemunha SIMONE DE JESUS MELO (Evento 61, VÍDEO5) tenha relatado que há mais de sete anos ocorrem falhas no abastecimento de água do Bairro São José (Loteamento Coronel Massot ou Loteamento Brigada Militar), não soube ela informar, de forma específica, em quais dias ou períodos ocorreram as interrupções do serviço no ano de 2020, tampouco se perduraram por mais de 48 horas.

Outrossim, os depoimentos das declarantes RUBIA MARA MACHADO LOPES (Evento 61, VÍDEO6) e ANDREA OLIVEIRA DA SILVA (Evento 61, VÍDEO7) não merecem maior consideração, uma vez que visivelmente dotados de parcialidade, porquanto movem contra a companhia demandada, respectivamente, os...

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