Acórdão nº 50105842620218210008 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 05-08-2022

Data de Julgamento05 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50105842620218210008
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002289496
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5010584-26.2021.8.21.0008/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de medicamentos

RELATOR: Desembargador GELSON ROLIM STOCKER

APELANTE: UNIMED PORTO ALEGRE - COOPERATIVA MEDICA LTDA (RÉU)

APELADO: NOEMI TEIXEIRA DE OLIVEIRA (AUTOR)

RELATÓRIO

UNIMED PORTO ALEGRE - COOPERATIVA MEDICA LTDA interpõe apelação à sentença de procedência da ação ordinária proposta por NOEMI TEIXEIRA DE OLIVEIRA.

Adoto o relatório da sentença, que transcrevo:

Vistos.

NOEMI TEIXEIRA DE OLIVEIRA ajuizou ação ordinária em face de UNIMED PORTO ALEGRE – COOPERATIVA MÉDICA LTDA, ambos qualificados.

Narrou, em síntese, ser beneficiária do plano de saúde PFFGE2A II – UNIPART FAMILIAR GLOBAL SEMIPRIVATIVO vinculado à requerida e, em decorrência de seu quadro clínico (Osteoporose e Hipertireoidismo Operado), lhe foi receitado o uso anual da medicação Aclasta (Ácido Zoledrônico) 5mg/100ml, tendo em vista a intolerância ao fármaco Alendronato. Aduziu, que houve a negativa de autorização pela ré ao fundamento de que não há cobertura contratual para o fármaco solicitado. Referiu que o Anexo I da Resolução Normativa nº 465/2021 da ANS prevê como cobertura obrigatória a terapia indicada, sendo ilegal a sua negativa. Dessa forma, requereu a tutela de urgência para obrigar a ré a fornecer à autora a medicação prescrita e, no mérito, a procedência da ação com a confirmação do pedido liminar. Juntou documentos (Evento 1).

Deferida a GJ e a tutela de urgência (Evento 3).

Citada, a ré ofertou contestação. Defendeu a negativa de cobertura alegando julgado do STJ acerca da taxatividade do rol da Resolução Normativa da ANS. Discorreu sobre a ausência de previsão do medicamento na Resolução e a legitimidade da negativa administrativa. Citou legislação e decisões judiciais correlatas. Ao final, pugnou pela improcedência da ação. Acostou documentos (Evento 13).

Houve réplica (Evento 17).

Instadas as partes, não requereram a produção de outras provas (Eventos 23 e 26).

Os autos vieram conclusos para sentença.

É o relatório.

E assim constou da parte dispositiva:

DIANTE DO EXPOSTO, confirmo a tutela de urgência concedida no Evento 3 e JULGO PROCEDENTE a ação ordinária ajuizada por NOEMI TEIXEIRA DE OLIVEIRA em face de UNIMED PORTO ALEGRE – COOPERATIVA MÉDICA LTDA, para o fim de condenar a ré ao fornecimento da medicação Aclasta (Ácido Zoledronico) 5mg/100ml, conforme delimitado na inicial.

Condeno a demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da causa atualizado, com fundamento no art. 85, § 2º, do CPC, dado o trabalho realizado pelo patrono do autor e o tempo exigido para o seu serviço.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões de apelo (evento 33), a parte ré disserta sobre a taxatividade do rol da ANS. Refere que o medicamento requerido, Aclasta, não consta do rol de cobertura obrigatória. Aduz que a patologia da parte autora não se enquadra na previsão legal que excepciona a concessão de medicação para uso domiciliar/ambulatorial, visto que não se trata de medicação para tratamento de câncer e nem de internação domiciliar. Disserta sobre a legitimidade da negativa do plano. Colaciona jurisprudência.

Requer o provimento do recurso para julgamento de improcedência dos pedidos.

Preparo regular.

Em contrarrazões (evento 38), disserta sobre a natureza exemplificativa do rol da ANS, o que consta do entendimento do STJ. Menciona que o tratamento requerido na inicial consta do Anexo I da Resolução Normativa nº 465/2021 como cobertura obrigatória. Aduz que não consta do rol que a terapia somente é coberta para tratamento de câncer, ou seja, ainda que as doenças que lhe acometam sejam a osteoporose e o hipotireoidismo operado, tem direito à cobertura do fármaco. Refere que a cláusula que exclui o custeio de tratamento domiciliar é abusiva.

Requer o desprovimento do recurso.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 929 a 946, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto.

Quanto ao mérito, a controvérsia objeto da lide - dever (ou não) de cobertura, pelo plano de saúde, de medicamento ou procedimento indicado pelo médico assistente - encontrava amplo espaço para divergência jurisprudencial em todos os âmbitos do Poder Judiciário, o que também refletia nos julgados proferidos pelo STJ.

Entretanto, em recente julgado, a Seção competente ao julgamento da matéria, compreendida pela Terceira e Quarta Turmas do Tribunal da Cidadania, nos autos do EREsp nº 1.886.929-SP, fixou as seguintes teses quanto à matéria1:

1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;

2. A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;

3. É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;

4. Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.

Não me olvido que o inteiro teor do acórdão ainda não foi publicado, entretanto, tendo em vista que expressas as teses fixadas, também veiculadas no Informativo nº 740 do STJ, de 13 de junho de 2022, desde logo serão aplicadas, especialmente considerando a efetividade da prestação jurisdicional e a segurança jurídica.

Assim, em síntese, necessário perquirir, a partir do caso concreto, se o procedimento/tratamento consta do rol de cobertura obrigatória determinado pela ANS - que deve ser atualizado a cada 120 dias.

Acaso não conste de tanto, sem substituto terapêutico elencado no rol da ANS, ou quando esgotados os procedimentos ali previstos, a cobertura do medicamento/procedimento indicado pelo médico assistente é obrigatória, desde que:

a) não exista expresso indeferimento da incorporação no rol;

b) haja demonstração cientifica da eficácia do tratamento;

c) exista recomendação de órgão técnico de renome, a exemplo do Natjus e Conitec;

d) seja realizado, quando possível, diálogo interinstitucional do magistrado com entes/pessoas de expertise técnica.

Mesmo assim, recordo que o direito à saúde é um direito fundamental e, no tocante ao direito à saúde suplementar, que pertence ao mercado privado e envolve operação de planos ou seguros de saúde, os quais estão sob fiscalização estatal e judicial, a legislação pátria compreende determinados normativos, isto é, a Lei nº 9.656/1988 e os atos regulamentares infralegais da ANS e do Conselho de Saúde Suplementar, os quais conferem densidade normativa ao direito constitucional à saúde.

Neste ponto da saúde suplementar, tratando-se de envolvimento de pessoa jurídica de direito privado, a Lei n. 9.656/1998, através do o art. 22, § 1º, demonstra evidente preocupação com o equilíbrio financeiro-atuarial dos planos e seguros de saúde, que devem estar assentados em planos de custeio elaborados por profissionais.

A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) detém a atribuição de aprovar resolução normativa a respeito dos procedimentos e eventos em saúde que orienta a cobertura mínima que as operadoras de plano de saúde devem oferecer aos beneficiários. Inclusive, registro que o primeiro Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde estabelecido pela ANS foi o definido pela Resolução de Conselho de Saúde Suplementar - CONSU 10/1998, sendo atualizado periodicamente de acordo com as demanda e progresso de procedimentos médicos (nos termos do entendimento atual da Agência, a atualização passará a ocorrer de forma semestral).

A ANS realiza verdadeira regulamentação infralegal, a qual decorre de expressa delegação legal de competência e constitui relevante garantia do consumidor para assegurar direito à saúde, pois evita a padronização de todos os planos de saúde, impedindo restrição à livre concorrência e, ainda, prima pela autonomia contratual e preservação do equilíbrio contratual e atuarial perante as operadoras.

Neste ponto, registro que a ANS aprovou, em 24/02/2021, a Resolução Normativa (RN) n° 465/2021, que atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, definindo, então, os novos exames e tratamentos que passam a fazer parte da lista obrigatória dos planos de saúde, guardadas as obrigações respectivas nos contratos de planos de atendimento medicamentoso, ambulatorial, nos de internação hospitalar, os com obstetrícia e os com atendimento odontológicos.

O mencionado rol, além de estabelecer a cobertura mínima a ser observada nos planos de saúde, define a classificação dos procedimentos, bem como eventuais carências que devem ser observadas, atendendo, na integralidade, as disposições da Lei nº 9.656/98.

O que dispõe a RN nº 465/2021:

Art. 2º Para fins de cobertura, considera-se taxativo o Rol de...

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