Acórdão nº 50107662720218210003 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 31-03-2022
Data de Julgamento | 31 Março 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 50107662720218210003 |
Tipo de documento | Acórdão |
Órgão | Décima Terceira Câmara Cível |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20001898669
13ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Apelação Cível Nº 5010766-27.2021.8.21.0003/RS
TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária
RELATORA: Desembargadora ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO
APELANTE: JORGE LUIS CARVALHO DE CARVALHO (RÉU)
APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. (AUTOR)
RELATÓRIO
JORGE LUIS CARVALHO DE CARVALHO interpôs recurso de apelação contra sentença proferida nos autos da ação de busca e apreensão que é movida pelo BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., que julgou o pedido nos seguintes termos (evento 30):
DECIDO.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido veiculado na inicial, razão pela qual DEFIRO ao autor a busca e apreensão do automóvel descrito na inicial, consolidando a propriedade e a posse, plena e exclusiva, nas mãos do autor, com fundamento no art. 3º, § 5º, do Decreto-Lei nº 911/69, devendo ser restituído à parte requerida eventual saldo credor apurado com a venda do bem, descontado o débito, corrigidos pelo IGP-M, a partir do ajuizamento da demanda, e acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação.
Ante a sucumbência, condeno o requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da autora, que fixo em 10% sobre o valor atualizado do débito, considerando a singeleza da demanda, seu trâmite processual e o trabalho realizado pelo profissional, inteligência do artigo 85, §2º, do CPC.
Suste-se o exigir da sucumbência, tendo em vista a AJG anteriormente deferida.
Em suas razões recursais o consumidor alegou a existência de cláusulas abusivas no contrato firmado e requereu a análise contratual com base nas regras previstas no Código de Defesa do Consumidor. Asseverou que ante a cobrança de encargos abusivos pela instituição financeira, notadamente os juros remuneratórios excessivos, a mora resta descaracterizada no caso dos autos, razão pela qual não se justifica a procedência da ação de busca e apreensão. Afirmou a irregularidade da notificação para constituição em mora. Requereu a improcedência do pedido de busca e apreensão. Postulou o provimento do apelo.
O apelado apresentou contrarrazões ao recurso (evento 40).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
Trata-se de apelação contra sentença que julgou procedente o pedido da ação de busca e apreensão que a instituição financeira move em face do consumidor/demandado.
O pedido da ação de busca e apreensão, decorrente de contrato de outorga de crédito com garantia de alienação fiduciária, tem suas normas de processo estabelecidas no Decreto-Lei nº 911/69.
A previsão legal para o credor buscar o bem que serve de garantia do contrato e aliená-lo a terceiros, para aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito, está expresso nos arts. 2º e 3º, do Decreto-Lei nº 911/69. In verbis:
Art. 2º No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014).
Art. 3º O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2º do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014)
§ 1º Cinco dias após executada a liminar mencionada no caput, consolidar-se-ão a propriedade e a posse plena e exclusiva do bem no patrimônio do credor fiduciário, cabendo às repartições competentes, quando for o caso, expedir novo certificado de registro de propriedade em nome do credor, ou de terceiro por ele indicado, livre do ônus da propriedade fiduciária. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)
§ 2º No prazo do § 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004).
Assim, nos termos desses dispositivos e da jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária.
A tese derivada do julgamento do Recurso Repetitivo nº 1.418.593 - MS (2013/0381036-4) reflete esse entendimento:
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DECRETO-LEI N. 911/1969. ALTERAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI N. 10.931/2004. PURGAÇÃO DA MORA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PAGAMENTO DA INTEGRALIDADE DA DÍVIDA NO PRAZO DE 5 DIAS APÓS A EXECUÇÃO DA LIMINAR.
1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: "Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 10.931/2004, compete ao devedor, no prazo de 5 (cinco) dias após a execução da liminar na ação de busca e apreensão, pagar a integralidade da dívida - entendida esta como os valores apresentados e comprovados pelo credor na inicial -, sob pena de consolidação da propriedade do bem móvel objeto de alienação fiduciária.
A mora do devedor, condição primeira da ação em exame, vem delineada no §2º do art. 2º do referido Decreto, esclarecendo que ela decorrerá do simples vencimento do prazo para o pagamento.
Em que pese a clareza desse dispositivo, importante consignar que em algumas circunstâncias a mera impontualidade ou a inadimplência do contratante não conduz, necessariamente, a caracterização da mora.
Nesse sentido, é a hipótese de constatação de que a instituição financeira fez incidir encargos abusivos quando da composição das parcelas, no chamado período da normalidade, pois é entendimento que essa situação acaba por dificultar que o consumidor efetue o pagamento das parcelas na data ajustada, que ainda é penalizado com a cobrança dos encargos previstos pela impontualidade.
Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça julgou os recursos repetitivos Resp. n° 1.061.530/RS e Resp. nº 1.639.320-SP, respectivamente abaixo transcritos:
ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA
I. Afasta a caracterização da mora:
(i) a constatação de que foram exigidos encargos abusivos na contratação, durante o período da normalidade contratual.
II. Não afasta a caracterização da mora:
(i) o simples ajuizamento de ação revisional;
(ii) a mera constatação de que foram exigidos encargos moratórios abusivos na contratação.
TEMA 972/STJ.
(...);
2.3 - A abusividade de encargos acessórios do contrato não descaracteriza a mora.
Como visto, o reconhecimento da abusividade de encargos da normalidade na ação própria ou, a probabilidade de o julgamento do mérito vir a ser nesse sentido, descaracteriza a mora contratual.
A par da tese aludida, imprescindível registrar que o enunciado da Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”.
Em síntese, a verificação de encargos capazes de descaracterizar a mora depende, necessariamente, de alegação do consumidor, sob pena de afronta a Súmula antes citada.
No ponto, salvo melhor juízo, entendo que a constatação da incidência de encargos abusivos capazes de afastar a caracterização da mora (juros remuneratórios e capitalização) pode se dar nos próprios autos da ação de busca e apreensão, sem ocorrência de afronta a Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça, desde que alegado pelo consumidor como matéria de defesa.
Essa compreensão está em sintonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, onde se observa claramente que inexiste óbice para o enfrentamento das questões alegadas pelo consumidor em sede de busca e apreensão, notadamente porque a existência da mora é o próprio fundamento da ação.
Para ilustrar a argumentação, segue informativo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
Quarta Turma
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. DISCUSSÃO DA ILEGALIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS NO ÂMBITO DA DEFESA.
É possível a discussão sobre a legalidade de cláusulas contratuais como matéria de defesa na ação de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária. Consolidou-se o entendimento no STJ de que é admitida a ampla defesa do devedor no âmbito da ação de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária, sendo possível discutir em contestação eventual abusividade contratual, uma vez que essa matéria tem relação...
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