Acórdão nº 50109020420208210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 07-12-2022

Data de Julgamento07 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50109020420208210021
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003051767
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5010902-04.2020.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador EDUARDO KRAEMER

APELANTE: SANDRA REGINA FERNANDES (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO CORSAN (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por SANDRA REGINA FERNANDES, inconformada com a sentença (Evento 64 - SENT1, origem) que julgou improcedente a ação indenizatória ajuizada em face da COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO CORSAN.

Em suas razões (Evento 69 - APELAÇÃO1, origem), afirma que há diversos indícios das inúmeras interrupções no fornecimento de água, tal como foi reconhecido em demandas similares sentenciadas na 4ª Vara Cível da mesma Comarca. Aduz que há convergência nos relatos das testemunhas quanto ao fato de terem permanecido cerca de 10 dias mensais sem água. Defende, assim, ter sido comprovada a falha na prestação do serviço de fornecimento de água para todo o bairro, inclusive porque a ré confessou o defeito do serviço durante o Natal de 2020. Sustenta que o desabastecimento por cerca de 500 horas gera dano moral in re ipsa. Requer o provimento do recurso para julgar procedente a ação.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 75 - CONTRAZAP1, origem).

Registro terem sido cumpridas as formalidades dos artigos 931 e 934 do CPC, considerando a adoção do sistema informatizado por este Tribunal (Ato n. 24/2008-P).

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso, porquanto preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Cuida-se de ação de indenização por danos morais decorrentes de suspensão no abastecimento de água e demora no restabelecimento do serviço.

A parte autora relata que reside no Loteamento Coronel Massot (Loteamento da Brigada Militar) na cidade de Passo Fundo, em imóvel cujo abastecimento de água é realizado pela companhia ré (código de cliente n. 12380660). Afirma que a prestação do serviço é defeituosa, ocorrendo diversas interrupções sem justificativas plausíveis, situação que é agravada pela demora no restabelecimento. Aponta, nesse sentido, que permaneceu nos seguintes períodos sem o fornecimento de água: de 28/02/2020 a 03/03/2020; de 13/03/2020 a 17/03/2020; e de 23/04/2020 a 26/04/2020. Também indica a ocorrência de diversas interrupções no mês de junho de 2020, nos dias 12, 18, 19, 20 e 27. Frisa que foram vários períodos ininterruptos sem água, com diversas interrupções em poucos meses, as quais, somadas, totalizam cerca de 500 horas de desabastecimento.

Frente a essa narrativa, ajuíza a presente demanda, buscando a compensação dos danos morais que alega ter suportado.

Processado e instruído o feito, foi julgada improcedente a ação, ao que, inconformada, recorre a parte autora.

Considerando a relação estabelecida entre as partes como de consumo, incidem as normas da Lei n. 8.078/90, respondendo a companhia ré perante o consumidor em face do seu dever de fornecer adequados, eficientes e seguros serviços, na forma dos artigos 14 e 22 da referida Lei:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

(...)

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Além disso, em sendo a ré prestadora de serviço público, possibilitado está o reconhecimento de sua responsabilidade objetiva, na forma do art. 37, § 6º, da Carta Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Nessa seara, para restar configurado o dever de indenizar, basta a existência concorrente de dois elementos: a) o dano efetivo, moral e/ou patrimonial; e b) o nexo causal entre o defeito do serviço e a lesão sofrida pelo consumidor. Portanto, uma vez comprovado o prejuízo e o nexo de causalidade, resulta o dever de indenizar, exceto se demonstrada alguma excludente de responsabilidade, como o caso fortuito, a força maior ou, ainda, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, interpretação esta que se extrai do § 3º do art. 14 do CDC, supratranscrito.

Outrossim, dada a natureza essencial e de utilidade pública do serviço de fornecimento de água, deve ser prestado de forma eficiente, segura e adequada e não sofrer descontinuidade. Nada obstante, hipóteses expressamente previstas na legislação de regência autorizam eventuais interrupções, a exemplo do inadimplemento, cujo restabelecimento depende da quitação da fatura pelo consumidor. Havendo, ainda, hipóteses de suspensões não programadas que tenham como causa circunstâncias não ligadas à ineficácia da prestação, como fenômenos da natureza e fato exclusivo de terceiro.

Portanto, incumbe à empresa ré prestar adequadamente o serviço, com qualidade e de forma contínua, respondendo objetivamente pelos prejuízos ocasionados por eventual interrupção, exceto se lograr comprovar o rompimento do nexo causal ou demonstrar alguma causa excludente de responsabilidade, como culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior ou fato de terceiro.

Descendo, pois, à hipótese vertente, verifica-se que a companhia contraditou os fatos narrados na inicial, alegando que as interrupções que efetivamente ocorreram foram menos numerosas e extensas que as alegadas pela autora, além de serem devidamente justificadas pela necessidade de reparos na rede. Destacou que, no período de três meses sinalizado na inicial, houve três ocorrências operacionais que causaram interrupção momentânea, nas seguintes datas: (I) entre os dias 13 e 14/03/2020, por 7 horas; (II) entre os dias 17 e 18/03/2020, perdurando 6 horas; e (III) no dia 14/05/2020, por 6 horas, perfazendo interrupção total de 19 horas (Evento 7 - LAUDO2, origem). Ainda, defendeu que não se verifica dever de indenizar porquanto não demonstrados, de forma minimamente contundente, os fatos constitutivos do direito alegado.

Pois bem.

A despeito de a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços ser objetiva, e mesmo sendo considerada a inversão do ônus da prova em favor do hipossuficiente técnico, tal não dispensa a parte autora, enquanto consumidora, de prova mínima acerca do fato constitutivo do direito alegado, nos termos do que dispõe o art. 373, I, do CPC.

Na hipótese, não há prova minimamente consistente para amparar o reconhecimento da falha na prestação do serviço e do dano moral indenizável.

A propósito, a matéria em comento foi examinada com acuidade pela julgadora a quo, conferindo adequada aplicação do direito aos fatos, à qual me reporto, pondo em relevo os fundamentos esposados, adotando-os como razões de decidir, na parte em que transcrevo:

Compulsando os autos, verifico que, em que pese se esteja diante de uma relação de consumo, isso não desobriga a parte autora de fazer prova mínima de suas alegações. As provas juntadas pela autora se mostraram insuficientes a justificar as alegadas recorrentes faltas de água, vejamos:

No doc. 5 do ev. 1, foram juntados prints de tela do Facebook que se referem aos anos de 2019 e 2018. Nas páginas 10 e 11, há duas reportagens também desses anos. Se a autora disse que as ocorrências foram no ano de 2020, em período inclusive de pandemia, as provas juntadas não corroboram com suas alegações.

Ainda, ao doc. 4 do ev. 7, a ré juntou as faturas mensais em nome da requerente. Se vieram com os valores regulares em todos os meses, não há como se inferir que houve falta de água, pois a contagem permaneceu normal.

As testemunhas da autora não esclareceram suficientemente os fatos. Cada uma narrou os acontecimentos de forma divergente. Dessa forma, carecem de capacidade persuasória as alegações.

Nesse sentido: [...]

Por outro lado, a...

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