Acórdão nº 50110290520218210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 09-12-2022

Data de Julgamento09 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50110290520218210021
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003006276
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5011029-05.2021.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA

APELANTE: JORGE ANTONIO DE OLIVEIRA PRATES (AUTOR)

APELADO: BANCO C6 CONSIGNADO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por JORGE ANTONIO DE OLIVEIRA PRATES contra a sentença que julgou improcedente o pedido na ação revisional nº 5011029-05.2021.8.21.0021, ajuizada em face de BANCO C6 CONSIGNADO S.A.

O dispositivo da sentença está redigido assim (evento 19, SENT1):

Isso posto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido feito por JORGE ANTONIO OLIVEIRA PRATES em face de BANCO C6 CONSIGANDO S/A. Sucumbente, CONDENO a parte autora ao pagamento das custas judiciais e também dos honorários advocatícios ao patrono da ré, que fixo em R$ 700,00. Suspensa a exigibilidade em face da AJG deferida.

Publique-se.

Opostos embargos de declaração pelo autor (evento 23, EMBDECL1), foram desacolhidos (evento 34, DESPADEC1).

Em suas razões recursais (evento 38, APELAÇÃO1), o autor JORGE ANTONIO DE OLIVEIRA PRATES alega que na prática foi aplicada taxa de juros superior à contratada.

Sustenta que a taxa de juros prevista no contrato é abusiva, porquanto maior que a taxa média divulgada pelo BACEN.

Requer o provimento do recurso, para que seja afastada a cobrança dos encargos superiores à taxa de juros prevista no contrato e limitados os juros à taxa média divulgada pelo Bacen, invertendo-se a sucumbência, fixando-se honorários advocatícios ao procurador do autor no importe de 20% sobre o valor da causa.

Sem preparo uma vez que o recorrente litiga sob o pálio da gratuidade da justiça.

Intimada, o réu, BANCO C6 CONSIGNADO S.A., apresentou contrarrazões, suscitando preliminar de não conhecimento do recurso pela falta de dialeticidade (evento 44, CONTRAZ1).

Subiram os autos a este Tribunal, vindo-me conclusos.

É o relatório.

VOTO

FATO LITIGIOSO

Cuida-se de ação ajuizada por JORGE ANTONIO DE OLIVEIRA PRATES contra BANCO C6 CONSIGNADO S.A. com vistas à revisão do contrato de empréstimo nº 010015478908.

A sentença foi de improcedência do pedido inicial, contra a qual investe o autor por meio do presente recurso.

PRELIMINAR CONTRARRECURSAL

PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE

A parte apelada, em contrarrazões, defende o não conhecimento do recurso de apelação, uma vez que as razões trazidas não atacariam os fundamentos da sentença.

Todavia, a parte recorrente atacou os fundamentos da sentença, o que satisfaz o caráter dialético exigido pelo art. 1.010 do Código de Processo Civil e pelo direito processual como um todo.

A peça recursal atende aos requisitos previstos no aludido artigo, visto que impugnou a sentença, deixando antever a pretensão do apelo, o que remete ao enfrentamento dos argumentos da sentença recorrida.

Enfim, respeitado o princípio da dialeticidade.

Preliminar contrarrecursal rejeitada.

Assim, preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso, passando à análise do seu mérito.

APELAÇÃO

JUROS REMUNERATÓRIOS

É necessário contextualizar a discussão acerca da limitação dos juros remuneratórios, a fim de compreensão do julgado.

A Carta Política de 1988 deu ensejo ao intenso debate jurídico sobre a limitação dos juros remuneratórios em contratos bancários. E disso derivaram duas correntes interpretativas, no caso: a) os que entendiam a auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192, e b) os que compreendiam ser norma de eficácia contida (necessária integração com lei complementar).

Inequívoco que o artigo 192, § 3º, da Constituição Federal não era auto-aplicável. É insustentável qualquer argumento em contrário diante da decisão do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADIN nº 4-7, que expressou a necessidade de norma infraconstitucional regulando o dispositivo constitucional. Tampouco solve a questão o argumento de incidência do § 4º, do artigo 173 da Constituição Federal, eis que inaplicável ao caso em apreço.

Ademais, as decisões dos tribunais superiores já não se baseiam nessa tese, eis que o Supremo Tribunal Federal pacificou o tema com a Súmula Vinculante nº 07, ao passo que a Emenda Constitucional n. 40/2003 retirou da Carta Magna a pretensa limitação dos juros.

No tocante à aplicação da Lei de Usura, é matéria revogada pelo art. 4º, inc. IX da Lei 4.595/64 que se aplica às instituições do sistema financeiro nacional (bancos, financeiras, administradora de cartões de crédito e cooperativas). Não mais se impõe, desde os idos de 1964, qualquer restrição à taxa de juros cobrada pelas instituições financeiras.

Poder-se-ia aduzir que a Lei nº 4.595/64, em seu artigo 4º, IX, apenas facultou ao Conselho Monetário Nacional limitar as taxas de juros. E, com isso, limitar não é autorizar taxa de juros à vontade da instituição financeira. Entretanto, a inexistência de um teto ou limitador expresso deixa antever que autorização há, pois em sentido contrário estaria, por Resolução do CMN, disciplinando as taxas máximas e mínimas de juros a serem cobradas. Resulta que, ante a carência de limitador, a fixação das taxas de juros é perfeitamente cabível.

Por outro lado, há que se relembrar da aplicabilidade dos enunciados expressados no enunciado nº. 596 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, a qual expõe que a Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) não é aplicável às instituições financeiras. Tampouco incide a regra dos artigos 591, 407 e 406, do Código Civil brasileiro, mercê de que houve convenção entre os litigantes sobre a taxa de juros, além do que a lei civil somente rege matéria que não se subsume a legislação especial, notadamente do Sistema Financeiro Nacional.

Nessa linha de raciocínio, transcrevo recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, conforme incidente de processo repetitivo, o que motivou a expedição da Orientação nº 1:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. [...]

ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS.

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

[...]

(Recurso Especial n. 1.061.530/RS, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009).

Contudo, os juros que discrepam excessivamente da média de mercado representam uma abusividade, ou uma onerosidade excessiva ao consumidor. E a redução dos juros à taxa média de mercado não representará prejuízo à instituição financeira, eis que irá assegurar que esta receberá o valor que o mercado paga em operações idênticas, durante o período da contratação.

Acrescento que a incidência do Código de Defesa do Consumidor (art. 51), a fim de reconhecer a onerosidade excessiva, requer demonstração analítica...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT